José Carlos
Monteiro de
Moura:
“Eu
entendo o
Espiritismo como
um todo. Cada um
de seus aspectos
responde às mais
inquietantes
indagações do
ser humano”
|
José Carlos
Monteiro de
Moura (foto),
um dos
colaboradores
desta revista,
advogado
criminalista
radicado em Belo
Horizonte (MG),
dedica já há
algum tempo
parte de sua
vida às
atividades de
divulgação da
Doutrina
codificada por
Allan Kardec.
Nesta
entrevista, ele
faz uma franca
exposição sobre
sua atuação no
meio espírita e
examina diversos
temas da
atualidade, como
a questão da
criminalidade e
da violência,
que, lembra ele,
não são práticas
exclusivas do
Brasil. Segundo
o confrade, que
atua exatamente
nessa área, os
índices de
criminalidade
estão em alta na
maioria dos
países,
principalmente
nos do Terceiro
Mundo. “Há um
grande
número de
Espíritos
embrutecidos
no
mal,
de
delinqüentes
|
épocas, que
se encontram
reencarnados”,
afirma o
confrade.
“Tais
espíritos
não estão
sabendo
aproveitar
essas
oportunidades
e se deixam
levar pelos
mesmos
hábitos que
os perderam
em vidas
passadas.” |
Eis, a seguir, a
entrevista:
O Consolador:
Onde você
nasceu?
José Carlos:
Em Belo
Horizonte.
O Consolador:
Qual a sua
formação?
José Carlos:
Sou advogado
criminalista.
Fui Procurador
do Estado de
Minas Gerais e
professor de
Direito Penal da
Faculdade de
Direito da UFMG.
Em ambas as
funções hoje me
encontro
aposentado.
O Consolador:
Que cargos você
já exerceu no
movimento
espírita?
José Carlos:
Fui conselheiro
da União
Espírita
Mineira,
integrante do
seu Departamento
de Divulgação
Doutrina e seu
vice-presidente
de 1996 a 2001.
O Consolador:
Que cargo ou
função exerce no
momento?
José Carlos:
No momento,
nenhum e não
pretendo voltar
a ocupar, pois o
movimento
espírita mineiro
é muito
complicado e
cheio de
melindres.
Participo,
apenas, de uma
reunião
mediúnica no
Centro Espírita
Luz, Amor e
Caridade. Tenho,
não obstante,
compromissos com
várias casas de
Belo Horizonte e
do interior do
Estado, na área
de estudos e
divulgação
doutrinária.
O Consolador:
Quando você teve
contato com o
Espiritismo?
Houve algum fato
ou circunstância
especial que
tenha propiciado
esse contato
inicial?
José Carlos:
O meu primeiro
contato com o
Espiritismo se
deu através da
Umbanda, lá
pelos idos de
1974. Durante um
ano, eu e minha
esposa
trabalhamos em
terreiro de
Umbanda. Daí
partimos para o
Espiritismo. Foi
uma espécie de
“jardim da
infância”,
embora nada
tenha contra ela
(a Umbanda), a
quem respeito e
a quem devo uma
melhoria enorme
em minha vida,
pois quando a
procurei estava
passando por um
momento
dificílimo e
sofrendo de uma
angustiante
crise de total
ateísmo.
O Consolador:
Qual foi a
reação de sua
família ante sua
adesão à
Doutrina
Espírita?
José Carlos:
De revolta,
espanto,
indignação e
censura. Sou
oriundo de uma
família
tradicionalmente
católica, em que
o “beatismo”
impera absoluto.
A situação se
agravou ainda
mais porque não
fui eu apenas a
aderir ao
Espiritismo.
Comigo foram
minha esposa e
minhas filhas.
Aliás, a bem da
verdade, a minha
esposa é que
foi. Eu segui
atrás, razão por
que quem me
levou para a
Doutrina foi
ela. Tanto a
minha família
como a família
dela viram, no
fato, uma
verdadeira
“agressão ao bom
senso”. Fomos
tachados de
loucos e de
inconseqüentes.
Sofremos até
ameaça de
“excomunhão
doméstica”, mas
a nossa
determinação
impediu que
desistíssemos da
resolução.
O Consolador:
Dos três
aspectos do
Espiritismo –
científico,
filosófico e
religioso – qual
é o que mais o
atrai?
José Carlos:
Eu entendo o
Espiritismo como
um todo. Cada um
de seus aspectos
responde às mais
inquietantes
indagações do
ser humano.
Somente ele
explica, por
exemplo, a
eterna questão
do “quem sou, de
onde eu vim e
para onde vou”,
tormento de
todos os grandes
filósofos em
todas as épocas
da civilização.
Embora se trate
de um tema que,
por sua
natureza,
pertence ao
campo
filosófico, ele
encontra,
também,
explicação e
respaldo nos
outros aspectos
da Doutrina. No
entanto, em face
do momento atual
do planeta,
diante da grande
proposta
espírita,
preconizada por
Allan Kardec em
“O Livro dos
Médiuns” (Cap.
XXIX, it. 334)
que é a união de
todos os homens
por um único
sentimento de
fraternidade
calcado na
caridade cristã
e, sobretudo, de
sua capacidade
de levar
conforto e
consolação aos
que sofrem, o
seu lado
religioso
desponta como de
grande
importância.
Isso não
implica,
contudo, que eu
o considere uma
religião, nos
termos que essa
palavra
vulgarmente
traduz e
significa.
Todavia, homem
algum, em época
alguma de sua
existência,
conseguiu
sobreviver sem o
chamado
sentimento
religioso. As
religiões são
criações suas,
cujas origens e
fundamentos
foram exatamente
esse sentimento,
que,
lamentavelmente,
serviu para as
conhecidas
distorções de
todas elas. No
Cristianismo,
por se achar
mais próximo de
nós, é mais
fácil
identificar os
extremismos e
absurdos que, em
nome do Cristo,
ele praticou.
O Consolador:
Que autores
espíritas mais
lhe agradam?
José Carlos:
Há que destacar
entre autores
espirituais,
encarnados e
médiuns. Entre
os autores
espirituais, é
inegável a
importância de
Emmanuel, André
Luiz, Joanna de
Ângelis, Bezerra
de Menezes,
Manoel Philomeno
de Miranda,
Humberto de
Campos, não
obstante um
certo ufanismo
que se nota em
seu Brasil
Coração do Mundo
e Pátria do
Evangelho.
Cada um, a seu
modo e no setor
que lhe é
próprio, tem
exercido uma
inestimável
tarefa de
esclarecimento e
de divulgação da
Doutrina, além
de contribuir,
de forma
efetiva, para a
missão
consoladora do
Espiritismo.
Entre os
encarnados, dos
estrangeiros,
reputo de
altíssima
importância Léon
Denis e Camille
Flammarion. Dos
autores
brasileiros,
Cairbar Schutel,
Vinicius,
Hermínio
Miranda,
Deolindo Amorim,
Carlos
Imbassahy, Ney
Lobo, Suely
Caldas Schubert,
Herculano Pires,
etc. Há que
destacar ainda
os médiuns Chico
Xavier, Divaldo
Franco e Raul
Teixeira. Sem
eles, penso que
o Espiritismo
não teria
alcançado o seu
estágio atual.
Entretanto,
seria
extremamente
injusto omitir o
também notável
trabalho
mediúnico de
Yvonne Pereira,
Célia Xavier de
Camargo e Zilda
Gama, cujas
contribuições
para a Doutrina
não foram ainda,
no meu modo de
ver, devidamente
valorizadas.
O Consolador:
Que livros
espíritas você
considera de
leitura
indispensável
aos confrades
iniciantes?
José Carlos:
É evidente que
os livros da
Codificação são
indispensáveis.
Todavia, nem
todos se acham
devidamente
preparados para
a leitura
imediata, por
exemplo, de “O
Livro dos
Espíritos”. Por
isso, no meu
entendimento, os
livros mais
simples, que
poderíamos
chamar de
cartilhas, devem
anteceder à
leitura dessa
obra. Entre tais
cartilhas
existem os
livros de
introdução à
teoria e prática
doutrinária, de
autoria do
próprio Kardec,
a saber: “O
Espiritismo na
sua Expressão
Mais Simples”;
“O Que é o
Espiritismo” e
“Instruções
Práticas sobre
as Manifestações
Espíritas”.
Ainda nessa
mesma linha,
existem algumas
publicações
brasileiras de
excelente
conteúdo
didático, como é
o caso, por
exemplo, do “ABC
do Espiritismo”,
de Victor Ribas
Carneiro,
editado pela
Federação do
Paraná.
São, também,
importantes os
livros de
Emmanuel, André
Luiz, Joanna de
Ângelis, Manoel
Philomeno de
Miranda. Essa
relação não é
hermética e é
claro que
existem outros,
de cujos nomes,
no momento, não
me recordo. É
preciso, porém,
tomar um cuidado
muito grande
nesta indicação,
porquanto, não
obstante a
respeitabilidade
do nome com que
a entidade se
apresenta, todos
sabemos que ele
nem sempre
corresponde à
verdade. Tal
fato ganhou, nos
tempos atuais,
uma dimensão de
maior gravidade,
em virtude da
verdadeira
exploração
comercial em
torno do livro
psicografado,
aprioristicamente
rotulado de
espírita e que,
na verdade, nada
tem de
espírita.
O Consolador: Se
você fosse
passar alguns
anos num lugar
remoto, com
acesso restrito
às atividades e
trabalhos
espíritas, que
livros
pertinentes à
Doutrina
Espírita, você
levaria?
José Carlos:
Além dos acima
enumerados, os
de Gabriel
Delanne, Ernesto
Bozzano, Léon
Denis e Camille
Flammarion.
O Consolador: As
divergências
doutrinárias em
nosso meio
reduzem-se a
poucos assuntos.
Um deles diz
respeito ao
chamado
Espiritismo
laico. Para
você, o
Espiritismo é
uma religião?
José Carlos:
Não, em face do
sentido com que
esta palavra é
normalmente
empregada.
Religião implica
sacerdócio
organizado,
liturgia,
objetos de
culto,
sacramentos,
dogmas, e toda
sorte de
atividades
exteriores. Sob
essa ótica,
Kardec jamais o
admitiu como
religião. No
entanto, se o
considerarmos em
função de um
laço que une os
que pensam da
mesma forma
(comunhão de
pensamentos),
ele pode ser
considerado
religião.
Trata-se,
contudo, de uma
religião de
ordem moral,
decorrente dessa
comunhão de
pensamentos, e
cuja definição
se acha no
diálogo de Jesus
com a
samaritana: “Mas
a hora vem, e
agora é, em que
os verdadeiros
adoradores
adorarão o Pai
em espírito e em
verdade; porque
o Pai procura a
tais que assim o
adorem. Deus é
Espírito, e
importa que os
que o adoram o
adorem em
espírito e em
verdade” (João,
4:23/24). Como
se trata de um
tema polêmico, e
não obstante
sermos contra a
dogmatização de
Kardec, não há
ninguém melhor
do que ele para
esclarecer o
assunto: “Uma
religião, em sua
acepção nata e
verdadeira é o
laço que religa
os homens numa
comunidade de
sentimentos, de
princípios e de
crenças”. “... o
laço
estabelecido por
uma religião,
seja qual for o
seu objetivo, é,
pois um laço
essencialmente
moral, que liga
os corações, que
identifica os
pensamentos, as
aspirações, e
não somente o
fato de
compromissos
materiais que se
rompem à
vontade, ou da
realização de
fórmulas que
falam mais aos
olhos do que ao
espírito. O
efeito desse
laço moral é o
de estabelecer
entre os que ele
une, como
conseqüência da
comunidade de
vistas e de
sentimentos, a
fraternidade e a
solidariedade, a
indulgência e a
benevolência
mútuas. É nesse
sentido que
também se diz: a
religião da
amizade, a
religião da
família”.
“Se assim é,
perguntarão,
então o
Espiritismo é
uma religião?
Ora, sim, sem
dúvida,
senhores. No
sentido
filosófico, o
Espiritismo é
uma religião, e
nós nos
glorificamos por
isto, porque é a
doutrina que
funda os elos de
fraternidade e
da comunhão de
pensamentos, não
sobre uma
simples
convenção, mas
sobre bases mais
sólidas: as
mesmas leis da
natureza.
Porque, então,
declaramos que o
Espiritismo não
é uma religião?
Porque não há
uma palavra para
exprimir duas
idéias
diferentes, e
que, na opinião
geral, a palavra
religião é
inseparável de
culto, desperta
exclusivamente
uma idéia de
formas, que o
Espiritismo não
tem. Se o
Espiritismo se
dissesse uma
religião, o
público não
veria aí senão
uma nova edição,
uma variante, se
se quiser, dos
princípios
absolutos em
matéria de fé;
uma casta
sacerdotal com
seu cortejo de
hierarquias, de
cerimônias e de
privilégios; não
o separaria das
idéias de
misticismo e dos
abusos contra os
quais tantas
vezes se
levantou a
opinião pública.
Não tendo o
Espiritismo
nenhum dos
caracteres de
uma religião, na
acepção usual do
vocábulo, não
podia nem devia
enfeitar-se com
um título sobre
cujo valor
inevitavelmente
se teria
equivocado. Eis
porque se diz:
doutrina
filosófica e
moral”. (Revista
Espírita, Edicel,
SP, s/d,
dezembro de
1868, pp.
356/357.)
Parece-me, em
conclusão, que
as explicações
de Kardec
eliminam
quaisquer
dúvidas que
ainda possam
existir acerca
do tema.
O Consolador:
Outro tema que
suscita
geralmente
debates
acalorados diz
respeito à obra
publicada na
França por J. B.
Roustaing. Qual
é sua apreciação
dessa obra?
José Carlos:
Para se poder
emitir uma
opinião
consciente a
respeito de uma
obra é
necessário que
se tenha dela um
conhecimento
mais profundo. A
minha leitura de
Roustaing foi
muito
superficial.
Confesso mesmo
que, diante da
verdadeira
batalha verbal e
escrita que,
periodicamente,
a questão
suscita, li OS
QUATRO
EVANGELHOS
movido muito
mais pela
curiosidade do
que pelo
espírito de
análise e de
crítica.
Mesmo assim,
achei, no que
tange às
informações
históricas,
alguns dados de
valor. Há,
evidentemente,
matérias
controvertidas e
de que ele cuida
como se
estivesse dando
a última
palavra.
Todavia, não me
pareceu que se
trate de uma
obra totalmente
inadequada, que
mereça ser
colocada no
índex, e seus
leitores e
seguidores,
passíveis de
excomunhão... O
que mais me
preocupa é que,
ainda que ela
contenha, como
de fato contém,
pontos
contraditórios e
polêmicos –
alguns dos quais
remontam aos
primeiros tempos
do Cristianismo,
como é o caso do
Docetismo – não
se justificam os
conflitos,
agressões e
contra-agressões
que provoca,
inclusive pela
imprensa. Afinal
de contas, já se
fala muito, no
meio espírita,
em alteridade,
que importa,
entre outras
coisas, em se
respeitar a
opinião alheia,
ainda que dela
se discorde. Por
outro lado,
existe algo que
me intriga e
para o qual
ainda não
encontrei
resposta: Será
que Bezerra de
Menezes, que foi
seguidor de
Roustaing, seria
tão
inconseqüente a
ponto de se
deixar iludir
por ele?
O Consolador: O
terceiro assunto
em que a prática
espírita às
vezes diverge
está relacionado
com os chamados
passes
padronizados,
propostos na
obra de Edgard
Armond. Embora
saibamos que no
Paraná a opção
já definida pela
Federação seja
tão-somente a
imposição das
mãos tal como
recomenda J.
Herculano Pires,
qual é sua
opinião a
respeito?
José Carlos:
Tudo que
implique alguma
forma de ritual
e de
exterioridade é
absolutamente
contrário à
idéia de
simplicidade e
de
espontaneidade
típicas do
Espiritismo.
Entendo, com o
devido respeito,
que tais
práticas
ritualísticas
nada mais são do
que
reminiscências
guardadas no
subconsciente de
antigos clérigos
reencarnados, e
que ainda não
conseguiram
libertar-se
delas. Adoto, na
íntegra, a
opinião de
Herculano Pires.
O Consolador:
Como você vê a
discussão em
torno do aborto?
No seu modo de
ver as coisas,
os espíritas
deveriam ser
mais ousados na
defesa da vida
como tem feito a
Igreja?
José Carlos:
Já perdi a conta
das vezes em que
escrevi contra
os projetos que
pretendem
legitimar o
aborto no
Brasil. Para mim
trata-se de um
crime
indefensável, a
não ser em
excepcionalíssimos
casos. A minha
posição a
respeito consta,
ainda que
ligeiramente, do
artigo “Aspectos
inusitados do
aborto”,
publicado em
número anterior
desta Revista. A
Federação
Espírita
Brasileira
mantém em plena
vigência o
programa “Em
Defesa da Vida”,
que cogita da
pena de morte,
do suicídio, da
eutanásia e do
aborto. Pelo que
sei, tal
programa tem
sido divulgado
de forma
bastante
eficiente.
Compete, pois, a
cada federativa,
nos limites de
sua jurisdição,
dar-lhe o devido
implemento,
despertando a
sociedade para a
sua importância.
O que se deve
pretender, tanto
nesta como em
outras questões
sociais, é um
maior
engajamento dos
espíritas. Há,
lamentavelmente,
entre os setores
mais
conservadores do
Espiritismo, uma
postura de total
alheamento
quanto a tais
questões.
Argumentam os
defensores desse
ponto de vista
que a
“Espiritualidade
está atenta e
que, no momento
certo, não
faltará”. Isso
dá a entender
que o anjo
Ismael se acha
de prontidão na
velha sede da
FEB, na Avenida
Passos, no Rio
de Janeiro, para
intervir com seu
exército
celestial,
quando a
situação se
agravar. É o
eterno e cômodo
erro de se
deixar por conta
da
Espiritualidade
a solução de
problema
humanos, criados
por nós e que a
nós compete
solucionar. Se
pudermos contar
com a ajuda
dela, melhor.
Caso contrário,
é de todo
aplicável à
espécie velho
ditado do oeste
de Minas,
segundo o qual
“quem pariu
Mateus, que o
embale”.
Entendo,
contudo, que
atitudes muito
ostensivas são
contraproducentes,
uma vez que
despertam a
antipatia
popular, que não
as consegue
separar do
radicalismo
religioso e do
beatismo
católico.
O Consolador: A
eutanásia, como
sabemos, é uma
prática que não
tem o apoio da
Doutrina
Espírita. Kardec
e outros
autores, como
Joanna de
Angelis, já se
posicionaram
sobre esse tema.
Surgiu, no
entanto,
ultimamente a
idéia da
ortotanásia,
defendida até
mesmo por
médicos
espíritas. Qual
a sua opinião a
respeito?
José Carlos:
Sempre fui
contra a
eutanásia, e
contra ela já me
manifestei por
diversas vezes.
Não tenho
dúvidas de que
se trata de
homicídio,
embora admita,
conforme as
circunstâncias,
que o autor
possa alegar que
foi impelido à
prática do crime
por motivo de
relevante valor
moral, o que lhe
propiciaria a
classificação do
delito como
homicídio
privilegiado.
Atualmente, o
Código Penal não
cogita nem dela
nem da
ortotanásia. A
reforma do
Código, que
tramita pelo
Congresso,
define a
eutanásia como
crime autônomo,
punido com pena
de reclusão, de
dois a cinco
anos. E
considera lícita
a ortotanásia,
entendida como
“deixar de
manter a vida de
alguém por meio
artificial, se
previamente
atestada por
dois médicos a
morte como
iminente e
inevitável, e
desde que haja
consentimento do
paciente ou, em
sua
impossibilidade,
do cônjuge,
companheiro,
ascendente,
descendente ou
irmão”.
Quanto à
ortotanásia,
continuo achando
que a ninguém é
licito tirar ou
mesmo abreviar a
vida de ninguém.
Um aspecto que
merece uma
reflexão mais
profunda diz
respeito à
distanásia,
conceituada como
o prolongamento
artificial do
processo de
morte, com
sofrimento do
doente. Nela
ocorre um
prolongamento da
agonia, de forma
artificial,
apesar de não
existir, por
parte dos
médicos,
qualquer
possibilidade de
cura ou de
melhora. Alguns
chegam a dizer
que se trata de
uma obstinação
terapêutica pelo
tratamento e
pela tecnologia,
sem a devida
atenção ao ser
humano. Não
permite que o
paciente tenha
uma morte
natural e sua
agonia é
prolongada, sem
que haja
expectativas de
sucesso ou de
uma qualidade de
vida melhor para
ele. A
ortotanásia,
que,
etimologicamente,
significa morte
correta,
implicaria o não
prolongamento
artificial do
processo de
morte, além do
que seria o
processo
natural.
Entendem alguns
juristas e
médicos - únicos
que detêm a
competência para
realizá-la - que
o doente já se
encontra em
processo natural
de morte. O
médico apenas
contribui para
que esse estado
se desenvolva
naturalmente.
Entretanto,
todos sabemos
que há uma
diferença entre
morrer e
desencarnar, o
que serve para
tornar a questão
mais complexa do
ponto de vista
doutrinário.
Como nenhum de
nós conhece o
programa
reencarnatório
das pessoas
nesse estado,
entendo que,
quando nada por
uma medida de
prudência, ainda
é cedo para nos
posicionarmos a
favor dela, da
ortotanásia.
O Consolador: O
movimento
espírita em
nosso país lhe
agrada ou falta
algo nele que
favoreça uma
melhor
divulgação da
Doutrina?
José Carlos:
No que diz
respeito à FEB,
entendo que ela
tem
desenvolvido,
principalmente
na gestão atual,
um trabalho
incansável de
divulgação,
admitindo,
inclusive,
algumas
aberturas que,
no passado, não
poderiam sequer
ser cogitadas.
Tenho visto,
também, que
inúmeras
federativas já
adotam uma
postura bem
avançada nesse
sentido, sem que
isso implique
algum tipo
indesejável de
proselitismo. Em
Minas, cujo
movimento
conheço bem,
porque nele
atuei de 1978 a
2001 (mea
culpa), ele
apresenta uma
característica
muito pessoal,
principalmente
em Belo
Horizonte,
girando, quase
sempre, em torno
de uma
determinada
figura, que
assume aspectos
de verdadeiro
oráculo. Há, não
obstante,
cidades que já
se libertaram do
guante da União
Espírita
Mineira. Nelas,
como são os
casos de Juiz de
Fora,
Uberlândia,
Uberaba, Araxá,
Lavras,
Sacramento (esta
relação é apenas
exemplificativa),
já não se nota a
tendência
centralizadora
observada na
capital, e o
movimento segue
um ritmo bem
acelerado e é
dotado de uma
organização
muito boa.
Lamentavelmente,
Belo Horizonte,
que deveria ser
o modelo para
todas as regiões
do Estado,
insiste em
assemelhar-se a
uma grande
arquidiocese!
O Consolador:
Como você vê o
nível da
criminalidade e
da violência que
parece aumentar
em todo o país e
como nós,
espíritas,
podemos cooperar
para que essa
situação seja
revertida?
José Carlos:
A violência não
é privilégio do
Brasil. Ela
sempre existiu
no mundo e
acompanha o
homem desde as
primeiras
tentativas de
civilização. Os
índices de
criminalidade
estão em alta na
maioria dos
países,
principalmente
nos do terceiro
mundo. A
globalização do
crime é fato
incontestável e
está devidamente
documentada em
livro que leva
esse nome,
escrito por
Jeffrey Robinson,
um autor
americano. Ele
nos dá conta de
que, nos últimos
anos, na era da
economia
globalizada,
formou-se uma
aliança secreta
e mortal, da
qual fazem parte
alguns dos mais
perigosos
criminosos do
mundo: os
cartéis de droga
da América do
Sul, a Máfia
italiana, com
suas
ramificações
locais, a
Camorra
napolitana, a
Ndrangheta da
Calábria, a
Máfia
propriamente
dita da Sicília,
além de sua
sucursal norte
americana, a
Cosa Nostra, as
quadrilhas
asiáticas, e o
crime organizado
russo. O Brasil
não poderia
deixar de sofrer
a influência
dessa verdadeira
pandemia
criminosa.
Há, ademais, um
fator que é
desconhecido de
todos os que se
dedicam ao
estudo das
causas da
criminalidade, e
que a nós,
espíritas, não
pode passar
despercebido, ou
seja: o grande
número de
Espíritos
embrutecidos no
mal, de
delinqüentes de
outras épocas,
enfim, de
considerável
número de
habitantes do
umbral que se
encontram
reencarnados,
nas últimas
oportunidades
que lhes são
dadas de se
adaptarem às
novas condições
do planeta, nos
tempos que se
anunciam.
Infelizmente,
tais Espíritos
não estão
sabendo
aproveitar essas
oportunidades e
se deixam levar
pelos mesmos
hábitos que os
perderam em
vidas passadas.
Essa situação,
para ser
revertida, exige
a conjugação de
inúmeros
fatores. É
necessário um
maior
investimento dos
governos federal
e estadual, na
educação, na
saúde, na
criação de
empregos, além
de uma radical
transformação da
política
econômica de
modo a permitir
uma melhor
distribuição de
renda. Isso,
todavia, parece
muito utópico,
razão por que só
nos resta, como
espíritas e
cidadãos, uma
única saída:
descruzar os
braços e
participar
ativamente das
diversas
atividades,
quase todas de
âmbito privado,
que se acham
empenhadas em,
pelo menos,
minimizar o
problema,
independentemente
de sua coloração
política ou
religiosa. Se
cada um fizer a
sua parte, por
menor que ela
seja, o
somatório final
poderá acarretar
sensíveis
melhorias para o
problema.
Reversão total,
somente quando o
mal for afastado
da face da
Terra, coisa
que, por mais
otimistas que se
possa ser, ainda
se encontra bem
distante de ser
alcançada.
O Consolador: A
preparação do
advento do mundo
de regeneração
em nosso planeta
já deu, como
sabemos, seus
primeiros
passos. Daqui a
quantos anos
você acredita
que a Terra
deixará de ser
um mundo de
provas e
expiações,
passando
plenamente à
condição de um
mundo de
regeneração, em
que, segundo
Santo Agostinho,
a palavra “amor”
estará escrita
em todas as
frontes e uma
equidade
perfeita
regulará as
relações
sociais?
José Carlos:
Existem alguns
companheiros que
se acham muito
entusiasmados
com a
proximidade do
ano 2057, pois
foi esta a data
estabelecida
pelo Chico, no
programa Pinga
Fogo da extinta
TV Tupi de São
Paulo, para que
a Terra pudesse
ser considerada
um planeta de
regeneração.
Talvez ninguém
respeite tanto o
médium de
Uberaba quanto
eu. No entanto,
ele não é e
nunca pretendeu
ser infalível e
nesse seu
pronunciamento
ele errou nas
previsões. O
próprio
Emmanuel, a quem
foi atribuída a
informação, em
outra
oportunidade
afirmou
expressamente
(parece-me que
em uma reunião
fechada em
Uberaba e para
um grupo de fora
do Estado que
visitava o
Chico) que,
enquanto
houvesse fome,
miséria,
guerras,
violências de
toda sorte,
conflitos
religiosos, e
todos os demais
males que
constituem o
cotidiano do
planeta, ele não
deixaria a sua
atual posição de
atraso, de dor e
de sofrimento. O
mais recente
exemplo de que o
amor está muito
distante do
coração dos
homens foi dado
pelo atual papa,
ao pretender
impor às demais
ramificações
cristãs o
predomínio e a
supremacia da
Igreja Católica.
Foi mais uma
demonstração do
fundamentalismo
católico,
responsável
pelos mais
negros
acontecimentos
da história, a
partir do século
IV. Cruzadas,
incluindo-se
nelas a terrível
carnificina do
sul da França
contra os
Cátaros, a
soturna
Inquisição,
depois Tribunal
do Santo Ofício
e, hoje,
Congregação para
a Doutrina da
Fé, a
contra-reforma e
o seu episódio
mais marcante, a
Noite de São
Bartolomeu, e as
atuais
perseguições aos
adeptos da
Teologia da
Libertação, não
ficam devendo
nada ao
fundamentalismo
islâmico. A esse
respeito, nunca
é demais
recordar que um
dos episódios
mais sangrentos
da história foi
patrocinado
pelos cristãos
por ocasião da
tomada de
Jerusalém, em
1099. A matança
indiscriminada
de islamitas,
judeus e
cristãos foi de
tal monta, que
os cavalos dos
cruzados, ao
entrarem na
cidade,
mergulhavam no
sangue até os
joelhos. Deve
ser levado em
conta, ainda,
que, de todos os
participantes
das Cruzadas, o
que se revelou
mais humano,
“mais cristão” e
mais tolerante
foi exatamente o
sultão Saladino...
Essas
considerações
não devem,
contudo, servir
de desestímulo
para o trabalho
dos espíritas.
Elas revelam,
apenas, que a
luta será árdua
e que muito será
exigido dos
trabalhadores da
última hora,
mesmo porque, em
face do
conhecimento que
já possuímos,
essa exigência
será bem maior.
O Consolador: Em
face dos
problemas que a
sociedade
terrena está
enfrentando,
qual deve ser a
prioridade
máxima dos que
dirigem
atualmente o
movimento
espírita no
Brasil e no
mundo?
José Carlos:
Divulgar a
doutrina, sem
intenção de
fazer
proselitismo, a
fim de colocá-la
a serviço de
toda a
humanidade,
visando permitir
que o ideal de
Kardec, acima
citado, e
relativo à
implantação de
um mundo regido
pela
fraternidade sob
o cunho da
caridade de
cristã, se
transforme numa
realidade. Isso,
porém, não é
tarefa que se
realize da noite
para o dia. A
princípio,
teremos mil anos
para
concretizá-la e,
caso não
consigamos
levá-la a cabo
dentro desse
espaço de tempo,
a misericórdia e
a suprema
bondade de Deus
certamente nos
concederão uma
moratória. |