EUGÊNIA PICKINA
eugeniamva@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
A educação do
olhar como fator
de mudança
qualitativa
O velho Sócrates
afirmou os
perigos da
ignorância e,
por isso,
preconizou o
autoconhecimento
como uma das
principais metas
da vida humana.
Desse modo, não
é inoportuno ao
indivíduo
considerar-se
como um projeto
inacabado, pois
é o contínuo
vir-a-ser que
move a dinâmica
do fazer-se,
segundo os
critérios da
humanização,
necessariamente
dependente de um
processo
justificante do
postulado da
pluralidade das
existências.
Diferente dos
animais, que
estão na
natureza como
seres dados e
fechados, o ser
humano carrega a
possibilidade
para o novo e,
frente a isso,
sua natural
inclinação à
atualização e
auto-superação,
à medida que “o
espírito humano
conduz
progressivamente
à descoberta de
si próprio e
cria, pelo
conhecimento do
mundo exterior e
interior, formas
melhores de
existência
humana” (1) em
ressonância à
determinante
evolutiva, que
dá ao indivíduo
a condição
peculiar de
caminheiro.
Ora, como ser em
processo
e em relação,
somente a pessoa
é um ser
educável,
aperfeiçoável
pelo
conhecimento e
pela prática,
jungidas, entre
outros
atributos, a um
que é
fundamental: a
lucidez,
responsável pelo
“olhar de
conhecer”,
na expressão do
poeta Fernando
Pessoa (*). E,
neste ponto, me
refiro à lucidez
simplesmente
motivada pelas
ciladas da
irracionalidade
que mistura, num
todo indistinto,
a superstição e
o preconceito,
obstáculos à
passagem da luz,
pedras no
caminho da
razão.
Não é em vão,
pois, o
argumento de
Herculano Pires,
ao explicar que
“a luta entre o
Bem e o Mal é
simplesmente o
processo
dialético da
evolução. O Mal
é a ignorância,
o atraso, a
superstição. O
Bem é
conhecimento, o
progresso, a
adequação da
mente à
realidade.” (2)
Se o homem
primitivo tinha
seu campo de
visão restrito,
pela sua própria
condição
biopsicossocial
e espiritual, o
homem
contemporâneo,
pelo contrário,
que tem a seu
dispor o largo
uso consciente
da vontade e da
razão, tem o
olhar literal ou
deformado pelo
apego ao
preconceito e
pelo
aprisionamento a
superstições
facilmente
enfrentadas pelo
uso da lucidez,
à medida que
esta última
instala a
condição para a
captura, no
aparente, do que
é verdadeiro e
relevante, em
acordo com a
natural
capacidade
humana de
conhecer sem
distrair a
razão.
Contudo, a
lucidez é
exigente de uma
tarefa: para que
ela seja
alcançada é
preciso entender
que solicita,
por si mesma, um
estilo de
olhar (um modo
de visão
disciplinado),
ou seja, se ao
homem é
possibilitado a
tarefa de ver,
deve, para ver
educadamente,
submeter-se a
uma “pedagogia
do olhar”, na
expressão de
Sergio Paulo
Rouanet, pois,
se, com efeito,
todos os objetos
podem ser
vistos, no
propósito da
educação do
olhar faz-se
necessário o
aprendizado-exercício
de olhar
corretamente
o que se quer
ver.
Disso resulta
uma questão: por
que uma educação
do olhar se
insinua como
fator importante
para uma mudança
pessoal
qualitativa?
Tanto a
superstição
quanto o
preconceito são
cegueiras
inculcadas e
preservadas
pelos estatutos
socais, dando
força à opressão
e à exploração,
servindo de
obstáculos ao
combate das
injustiças, pois
se consorciam
com modelos e
práticas
educacionais
repressivos que
orientam o homem
para não ver ou,
pior, ver
deformado,
distorcido.
Com isso, na
emergência da
“sociedade-mundo”,
segundo Edgar
Morin, se
carecemos de
instâncias
mundiais que
agudamente
assumam os
problemas
sociopolíticos,
sem ignorar os
ambientais, que
afetam o destino
planetário, na
ambiência
pessoal,
refletida no
coletivo, é
preciso uma
abertura para o
cuidado atento
com a existência
(e
co-existência)
qualitativa,
que é solícita a
um ser humano
que disciplina a
visão e, em
conseqüência,
desconfia da
percepção
imediata e tende
a rejeitar os
males e enganos
que saltam das
opiniões e da
aparência, uma
vez que esta
última se
inclina a
ocultar, ou no
mínimo
manipular, as
raízes do
preconceito e as
desrazões das
superstições.
Não há dúvida:
um ser humano
que possui o
olhar educado
pode mais
facilmente
perceber nas
fronteiras entre
ser e
parecer, o
lugar na qual
habita uma das
fontes
principais da
opressão humana
(e do fanatismo,
por
conseqüência),
que, nutrida
pela visão
incompetente,
embasa a
formação de uma
falsa
consciência,
teimosamente
fechada para a
vida de relação,
desajustada para
a reflexão e a
indulgência, que
são essenciais
para a evitação
das teias da
ilusão e do
sectarismo.
Ora, a
disciplina do
olhar, aplicada
pelo uso da
razão, no
propósito de
“uma vida
examinada”, no
dizer socrático,
é favorável à
batalha de
Sarastro contra
a Rainha da
Noite, pois no
passado, como no
agora, “os raios
de sol expulsam
a escuridão” (in
Flauta Mágica).
Bibliografia:
JAEGER, W.
Paidéia: a
formação do
homem grego.
Tradução de
Artur M.
Parreira. 4 ed.
São Paulo:
Martins Fontes,
2001, p. 3.
PIRES, J.
Herculano.
Curso Dinâmico
de Espiritismo –
O Grande
Desconhecido.
São Paulo:
Paidéia, 2000,
pp. 120-1.
(*) Eis o trecho
do poema de
Fernando Pessoa
referido no
texto: “Com o
olhar, a
razão/Deus me
deu para
ver/Para além da
visão –/Olhar de
conhecer”.