Análise
de um
parágrafo
sobre
modéstia
e
ostentação
(II)
Em
artigo
anterior,
publicado
na
edição
468
desta
revista
–http://www.oconsolador.com.br/ano10/468/ca5.html
–
explicamos
alguns
termos
usados
explícita
ou
implicitamente
por
Kardec
no
primeiro
parágrafo
do
capítulo
XII de
O
Evangelho
segundo
o
Espiritismo.
Damos
aqui
continuidade,
com a
diferença
que
agora
mostramos
os
movimentos
de
passagem
entre a
abstração
da vida
presente
e a
identificação
com a
vida
futura.
Para
provar
que a
ostentação
é uma
manifestação
de
inferioridade
moral, o
termo
oposto,
a
modéstia,
é
colocado
em
proeminência,
por
Kardec.
Porém,
surge um
problema,
pois a
não
ostentação
do bem
realizado,
ou a
ocultação
deste
bem,
exige um
elevado
nível de
entendimento
por
parte
daquele
que
pratica
a
beneficência.
Em
primeiro
lugar,
para
conquistar
tal
patamar
de
desapego
é
necessário,
segundo
Kardec,
que o
benfeitor
tenha
realizado
a
abstração
da vida
presente
e, em
segundo
lugar,
que se
identifique
com a
vida
futura.
Para que
a
ostentação
perca
valor ao
olhar do
benfeitor
não
basta
abstrair
da vida
corpórea;
é
necessário
da mesma
forma
identificar-se
com a
vida
espiritual.
Mas como
fazer
isto?
Kardec
considera
que a
abstração,
ou seja,
a
desvinculação
da vida
material
pelo
sentimento
e pelo
pensamento
é
absolutamente
necessária.
Sem
desligá-los
da vida
presente,
ou seja,
sem
desapegar-se
da vida
corpórea
não
haverá
condições
de
conquistar
a
superioridade
moral.
Para
lograr
tal
intento
é
necessário
desenvolver
um
conceito
claríssimo
da “vida
futura”,
lhe
compreendendo
as
características,
ou seja,
será
necessário
afastar
o
pensamento
da vida
corpórea
e,
separando
as
propriedades
e
relações
da “vida
futura”,
diferenciando-as
daquelas
da vida
presente,
formar o
seu
conceito.
Uma vez
formado
tal
conceito,
será
mais
fácil ao
homem
“colocar-se
acima da
humanidade”
e
identificar-se
com a
vida
futura.
Portanto,
a
formação
do
conceito
é um
passo
intermediário,
resultado
da
abstração
e base
da
identificação.
Abstrair
da vida
material
exige um
esforço
enorme,
pois se
trata
não
somente
do
desligamento
pelo
pensamento;
trata-se,
sobretudo,
do
desapego
à
aprovação
social
dos atos
de
bondade
realizados.
Em
termos
kardequianos
a
abstração
implica
“encarar
as
coisas
de mais
alto do
que o
faz o
vulgo”.
Isto
quer
dizer
que é
preciso
elevar o
pensamento
e os
sentimentos
acima do
nível
comum
das
pessoas,
mudando
a
perspectiva,
o
enfoque
que
damos
aos
acontecimentos
do
mundo. É
necessário
abandonar
a
maneira
estrita
como a
maioria
das
pessoas
veem a
vida,
materialista,
egoísta,
e
colocar-se
numa
posição
em que
possa
ser
observada
de uma
perspectiva
mais
ampla,
portanto
menos
grosseira.
Para
Kardec o
ponto de
vista em
que a
pessoa
se
coloca é
altamente
relevante
para a
compreensão
da vida.
Mas o
que é
exatamente,
para
ele, o
“ponto
de
vista”?
Um ponto
de vista
implica
uma
maneira
própria
de
perceber
e
enfrentar
as
situações.
Ter um
ponto de
vista é
olhar a
partir
de um
determinado
ponto.
Aceitar
um ponto
de vista
determinado
significa
assumir
um modo
específico
de
apreciar,
valorizar
e julgar
um
determinado
fato ou
ideia. O
ponto de
vista é
um modo
subjetivo
de
entender
as
situações
e
problemas,
que dá a
base
para o
enfrentamento
destes.
Quando a
pessoa
se
depara
com
qualquer
situação,
mesmo
aquela
do
cotidiano,
reagirá
a elas
de
acordo
com o
ponto de
vista
que
predomina
em sua
mente e
em seus
sentimentos.
A
importância
dele
reside
em que
aquele
que foi
adotado
pela
pessoa
influirá
poderosamente
sobre as
suas
ações.
Mudar a
perspectiva
implica
afastar-se
de um
objeto,
pessoa
ou
situação
para
observá-los
a partir
de
ângulos
diferenciados.
Muitas
vezes a
mudança
de
perspectiva
é
necessária
para que
se
alcance
uma
visão
mais
ampla ou
elaborada
de um
objeto
observado.
Porém,
quanto
mais
alto
está
colocado
o ponto
de
vista,
maior
amplitude
terá a
perspectiva
e maior
será a
compreensão
adquirida
a
respeito
da vida
presente.
Pode-se
dizer,
com
Kardec,
que a
vida
corpórea
e suas
vicissitudes
tornam-se
relativas
quando o
ponto de
vista
atingiu
a sua
culminância.
Ora, a
culminância
está
justamente
na
identificação
do
indivíduo
com a
vida
futura.
O
Espiritismo
afirma
que
olhar o
mundo a
partir
de um
ponto de
visão
mais
alto,
portanto,
mais
amplo,
transforma
os
valores
de quem
olha. O
ponto
mais
alto a
que se
refere é
a
perspectiva
da vida
futura,
ou seja,
uma
perspectiva
espiritual.
Ver o
mundo a
partir
de uma
perspectiva
espiritual,
de
imortalidade,
modifica
completamente
o
sentido
que o
observador
dá ao
mundo
material.
Kardec
destaca,
por
exemplo,
algumas
características
do
Espiritismo
que
contribuem
para o
homem
ampliar
sua
perspectiva
da vida:
O
Espiritismo,
[...],
ao
demonstrar,
não por
hipótese,
mas por
fatos, a
existência
do mundo
invisível
e o
futuro
que nos
aguarda,
muda
completamente
o curso
das
ideias;
dá ao
homem a
força
moral, a
coragem
e a
resignação,
porque
não mais
trabalha
apenas
pelo
presente,
mas pelo
futuro;
sabe que
se não
gozar
hoje,
gozará
amanhã.
[...].
O
Espiritismo
conduz
inevitavelmente
a esta
reforma.
Assim,
pela
força
das
coisas,
realizar-se-á
a
revolução
moral
que deve
transformar
a
Humanidade
e mudar
a face
do
mundo, e
isto tão
só pelo
conhecimento
de uma
nova lei
da
Natureza,
que
dá outro
curso às
ideias,
uma
finalidade
a esta
vida, um
objetivo
às
aspirações
do
futuro,
fazendo
encarar
as
coisas
de outro
ponto de
vista.[i]
(Todos
os
grifos
são
nossos.)
Assim, a
identificação
com a
vida
futura,
tão
necessária
para a
alteração
dos
valores,
que no
sentido
kardequiano
significa
buscar a
aprovação
divina,
ou seja,
da
própria
consciência,
em vez
da
aprovação
da
sociedade
dos
encarnados,
pode ser
conseguida
pela
formação
do
conceito
de vida
futura
que o
Espiritismo
proporciona
por
intermédio
do
estudo
dos
fatos
que lhe
dão
embasamento,
bem como
com a
compreensão
das leis
da vida
espiritual,
que lhe
são
decorrentes
lógicos.
Ao
formar
um
conceito
correto
e
verdadeiro
da vida
futura,
o
indivíduo
é levado
a
desapegar-se
gradualmente
de
qualquer
tipo de
vaidade
pessoal,
principalmente
da
vaidade
de ter
seus
atos de
beneficência
conhecidos
e
aprovados
pela
sociedade.
O
indivíduo
realiza
um giro
no valor
que dá
às
coisas
da vida
material,
giro que
tem seu
ponto
final na
identificação
com a
vida
futura.
Embora
tenhamos
esclarecido
o que é
e o que
não é a
ostentação,
não nos
fixamos
especificamente
a
respeito
da
modéstia.
Sabemos
que para
conquistar
a
modéstia
o
indivíduo
necessita
desligar-se
abstrativamente
da vida
corpórea
e
identificar-se
com a
vida
futura.
Resta
saber: o
que é a
modéstia?
Será que
é apenas
e tão
somente
a não
ostentação
da
beneficência
que
praticamos?
Podemos
dizer
que
modéstia
é a
virtude
do
anonimato;
sim,
pois já
que a
modéstia
recusa a
aprovação
social,
mas
busca a
aprovação
exclusiva
da
própria
consciência,
isto
quer
dizer
que ela
exclui
totalmente
a
vaidade,
que é a
busca da
projeção
da
personalidade
do
indivíduo
para
conquistar
o
consentimento
da
sociedade.
O
problema
da
vaidade
é que
neste
caso a
beneficência
é
utilizada
como um
instrumento
e não
como um
fim. O
indivíduo
busca
unicamente
a
satisfação
do seu
ego, a
satisfação
de
exterioridades,
e não a
da sua
consciência.
Portanto,
a
modéstia
é a
virtude
do
desapego
ao
prestígio
social,
à
evidência
midiática,
à fama
inútil.
Quem é
modesto
quer
sempre o
anonimato.
Quem usa
o bem
como
instrumento
de
conquistas
exteriores
demonstra
apenas
que é
apegado
à vida
corpórea
e,
portanto,
moralmente
inferior.
Embora
extremamente
sintético,
o
parágrafo
inicial
do
capítulo
XIII
mostrou-se
riquíssimo.
Ele é um
veio que
ainda
tem
muito a
ser
explorado.
Buscou-se
explicitar
o
esquema
utilizado
pelo
codificador
na
elaboração
do texto
e a
enorme
quantidade
de
informações
subjacentes.
Basicamente
o
parágrafo
está
estruturado
em três
pares de
termos
antitéticos
que são
unidos
por um
movimento
ascendente
de
passagem
que vai
do
concreto,
a “vida
presente”,
ao
abstrato;
deste, a
partir
das
informações
sobre
fatos e
novas
leis que
o
Espiritismo
fornece,
os
indivíduos
podem
formar
um
conceito
da “vida
futura”
e, a
partir
daquele,
identificar-se
com ela,
o que
promoverá
uma
forte
ressignificação
da vida
e
alteração
profunda
dos seus
valores.
Tal
mudança
valorativa
fará com
que a
ostentação
seja
abandonada
em favor
da
modéstia.
Entendido
este
parágrafo
torna-se
mais
fácil a
compreensão
do
restante
do
capítulo,
que
trata de
virtude
tão
importante
para a
conquista
da
superioridade
moral.
[i] Revista Espírita – pág. 436. Edição eletrônica. Ano sétimo. Tradutor: Evandro Noleto Bezerra. ED. FEB. Novembro. 1864. Ano sétimo. Nº 11.