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Crônicas e Artigos

Ano 11 - N° 512 - 16 de Abril de 2017

MARCUS DE MARIO
marcusdemario@gmail.com
Rio de Janeiro, RJ (Brasil) 

 


O desenvolvimento da criança


A leitura sobre as posições teóricas principais do desenvolvimento da criança revela que a base do pensamento é uma visão estritamente biológica sobre o homem, ou seja, temos até o presente momento uma visão materialista sobre a chamada psicogênese.

A concepção espírita é espiritualista, considerando o homem uma alma imortal e a vida como criação de Deus. E antecipando-se a todas as formulações teóricas do século vinte, no ano de 1857, o Espiritismo assentava as bases do desenvolvimento psicogenético da criança, como podemos verificar na questão 351 de O Livro dos Espíritos:

No intervalo da concepção ao nascimento, o Espírito goza de todas as suas faculdades?

– Mais ou menos, segundo a fase, porque não está ainda encarnado, mas ligado ao corpo. Desde o instante da concepção, a perturbação começa a envolver o Espírito, advertindo-o assim de que chegou o momento de tomar uma nova existência; essa perturbação vai crescendo até o nascimento. Nesse intervalo, seu estado é mais ou menos de um Espírito encarnado, durante o sono do corpo. À medida que o momento do nascimento se aproxima, suas idéias se apagam, assim como a lembrança do passado se apaga desde que entrou na vida. Mas essa lembrança lhe volta pouco a pouco à memória, no seu estado de espírito.

A concepção espírita visualiza o início do processo de desenvolvimento do homem no instante da concepção, ou seja, quando temos a união da alma com o corpo. Nenhum teórico, nenhum pesquisador sequer, pensou sobre isso. Todos iniciam suas deduções a partir do nascimento, ignorando completamente a fase da gestação. Embora envolvido pela perturbação do processo de preparação e ligação com o embrião, o Espírito conserva suas ideias, nunca perde sua individualidade. No tocante às ideias, aos conhecimentos e à percepção de si mesmo, vai entrando pouco a pouco num estado de sonolência, onde tem dificuldade de manter-se pleno, pois psiquicamente está transferindo o passado para o subconsciente, deixando na consciência apenas as estruturas necessárias para desenvolver a nova personalidade. Lembremos que estamos falando do processo de uma forma geral, pois a individualidade é única, por isso, cada caso é um caso, como se costuma dizer.

A resposta dada à pergunta de Kardec levanta ainda outra questão: nada se perde, pois, se assim acontecesse, já não teríamos a individualidade imortal que preexiste e subsiste, e sim uma nova alma começando do início, o que não sucede, pois o corpo procede do corpo, mas o espírito não procede do espírito. Na medida em que, após o nascimento, domina o corpo, o Espírito readquire, em seu estado normal, a lembrança de seu passado, sempre de acordo com suas necessidades e sua missão na Terra, sem que isso venha a prejudicar sua atual existência. Esse estado normal é vislumbrado nos sonhos, quando, através do sono, o Espírito se desprende parcialmente do corpo e pode vagar pelo mundo espiritual.

O psiquismo do ser humano é, portanto, complexo, pois é um ser interexistente: é uma alma num corpo. Ao mesmo tempo que inicia a aquisição de novos aprendizados, trabalha com os aprendizados que já traz das suas ulteriores existências, que espocam nas ideias inatas e nas tendências de caráter.

E após o nascimento? Como se dá o desenvolvimento desse ser? A visão espírita tem semelhança com a visão dos teóricos da ciência? A resposta a tudo isso está na questão 352. Vejamos:

No instante do nascimento o Espírito recobra imediatamente a plenitude de suas faculdades?

– Não: elas se desenvolvem gradualmente, com os órgãos. Ele se encontra numa nova existência; é preciso que aprenda a se servir dos seus instrumentos: as ideias lhe voltam pouco a pouco, como um homem que acorda e se encontra numa posição diferente da que ocupava antes de dormir.

Temos em O Livro dos Espíritos a psicogênese da criança explicada muito antes do aparecimento das teorias do desenvolvimento psicológico apresentadas pela Psicologia, e isso numa época, metade do século dezenove, onde ainda se considerava a criança como uma miniatura do adulto. Entendamos o que os Espíritos Superiores responderam a Allan Kardec.

Todos os teóricos falam que a criança passa por determinados estágios de desenvolvimento, e que esses estágios estão intimamente ligados a faixas etárias, de acordo com o natural desenvolvimento dos órgãos. Assim as etapas de crescimento da criança devem ser respeitadas no processo educacional. Entretanto, o Espiritismo já afirmava em 1857 que o Espírito só recobra suas faculdades paulatinamente, de acordo com o desenvolvimento dos órgãos físicos do novo corpo, ou seja, ele só pode se manifestar – pensar e agir – de acordo com o que lhe permite o corpo. Como este está em formação, em crescimento, durante a infância o Espírito pensará como criança, agirá como criança, elaborando as estruturas mentais de sua nova personalidade. É assim que não poderá elaborar um pensamento lógico-matemático mais complexo quando está na faixa de seus 2 ou 3 anos de idade, mas que isso começa a ocorrer, por etapas, na medida em que o corpo, e neste caso todo o complexo cerebral, vai lhe dando suporte para tais pensamentos.

Com isso logo percebemos que não existe criança “burra”, que “se continuar assim não vai ser nada na vida”, ou que “não tem possibilidade de desenvolvimento”. Pensar dessa maneira é demonstrar preconceito, discriminação e ignorância.

Agora, a gênese psicológica do ser, ainda tão intrigante para os pesquisadores da Psicologia do Desenvolvimento, transforma-se totalmente com a inserção da Alma (Espírito) no processo, pois as ideias, os conhecimentos, os aprendizados, o planejamento reencarnatório, tudo está arquivado nela, nada se perde. Na medida em que controla o corpo com seus instrumentos de manifestação e comunicação, a alma extrai de seu subconsciente tudo o de que precisa para sua nova existência, mas não o faz sozinha, pois necessita dos estímulos da educação que lhe é propiciada no lar e na escola, até que ali pelos sete/oito anos completa esse processo e começa a se revelar tal como realmente é, ou seja, deixa aflorar plenamente suas tendências, mas que então já estarão transformadas (se negativas) ou potencializadas (se positivas), pela educação recebida.

É fantástico esse estudo. Compreender a psicogênese da criança é fundamental para melhor educar, ainda mais com a visão espírita da imortalidade do ser. Passado, presente e futuro pertencem à individualidade humana que desenvolve nova personalidade e é colocada por Deus na dependência daqueles que já passaram pelo processo, já realizaram seus estágios no mundo infantil, e sabem que tudo depende não apenas do respeito a esses estágios, mas dos estímulos e da convivência social que são propiciados a essa alma. 

Marcus De Mario é educador, escritor e consultor.


 

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita