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por Rogério Coelho

O Espiritismo sem os Espíritos (?!)

Sem as comunicações dos Espíritos não haveria Espiritismo

Por mais paradoxal que seja, existem espíritas espiritófobos (permitam-nos o neologismo), e isso desde a primeira década da existência do Espiritismo.

Tais criaturas tentaram (como se fosse possível) obstar as comunicações mediúnicas, assim como os sacerdotes fizeram com o Cristianismo no século III de nossa era. Era por demasiado incômoda a presença dos desencarnados face aos interesses subalternos dos encarnados desejosos de se locupletarem no poder. Esses ecônomos infiéis de todos os tempos julgavam-se acima dos Espíritos. Seu lema era: “não mais comunicações dos Espíritos”. Inútil esforço da presunção farisaica!...
Mas o interessante é que muitos desses profitentes já haviam – anteriormente – exaltado a sublimidade dos ensinos espíritas e se glorificaram daquilo que eles mesmos recebiam como médiuns.

Aprendemos com Allan Kardec1: “(...) as comunicações dos Espíritos fundaram o Espiritismo. Repeli-las depois de tê-las aclamado é querer solapá-lo por sua base, tirar-lhe a pedra em que se assenta; tal não pode ser o pensamento dos Espíritas sérios e devotados, porque isto seria absolutamente como aquele que se dissesse cristão negando o valor dos ensinos do Cristo, sob o pretexto de que sua moral é idêntica à de Platão. Foi nessas comunicações que os Espíritas encontraram a alegria, a consolação, a esperança; foi por elas que compreenderam a necessidade do bem, da resignação, da submissão à vontade de Deus; foi por elas que suportaram com coragem as vicissitudes da vida, por elas é que não há mais separação real entre eles e os objetos de suas mais ternas afeições. Não é se equivocar sobre o coração humano, crendo que possa renunciar a uma crença que lhe faz a felicidade!
Repetimos aqui o que dissemos a propósito da prece: se o Espiritismo deve ganhar em influência, é aumentando a soma das satisfações morais que ele proporciona. Que aqueles que o achem insuficiente tal qual é, se esforcem em dar mais do que ele; mas não é em dando menos, tirando-lhe o que nele faz o encanto, a força e a popularidade que o suplantarão.

Mas em que se fundamenta essa Doutrina que dispensa as comunicações mediúnicas? Ela se baseia sobre os dados seguintes: os Espíritos que se comunicam não são senão Espíritos comuns que não aprenderam, até hoje, nenhuma verdade nova, e que provam a sua incapacidade não saindo das banalidades da moral. O critério que se pretende estabelecer sobre a concordância de seus ensinos é ilusório, em consequência de sua insuficiência. Cabe ao homem sondar os grandes mistérios da Natureza, e submeter o que dizem ao controle de sua própria razão.

Suas comunicações, não podendo nada nos ensinar, as proscrevemos de nossas reuniões. Discutiremos entre nós; procuraremos e nos decidiremos, em nossa sabedoria, são princípios que devem ser aceitos ou rejeitados, sem recorrer ao consentimento dos Espíritos.

Anotemos que não se trata de negar o fato das manifestações, mas de estabelecer a superioridade do julgamento do homem, ou de alguns homens, sobre o dos Espíritos; em uma palavra, de livrar o Espiritismo do ensino dos Espíritos.

(...) Essa doutrina conduz a uma singular consequência, que não daria uma alta ideia da superioridade da lógica do homem sobre a dos Espíritos. Sabemos, graças a estes últimos, que aqueles de ordem mais elevada pertenceram à humanidade corpórea que desde muito tempo a ultrapassaram, como o general ultrapassou a classe do soldado da qual tinha saído. Sem os Espíritos, estaríamos ainda na crença de que os anjos são criaturas privilegiadas, e os demônios criaturas predestinadas ao mal pela Eternidade. ‘Não’, dir-se-á, ‘porque houve homens que combateram essa ideia’. Seja; mas quem eram esses homens, senão os Espíritos encarnados? Qual influência a sua opinião isolada teve sobre a crença das massas? Perguntai a qualquer um se ele conhece somente de nome a maioria desses grandes filósofos? Ao passo que os Espíritos, vindo sobre toda a superfície da Terra se manifestar, ao mais humilde como ao mais poderoso, a verdade se propagou com a rapidez do relâmpago.

(...) Quem fez o Espiritismo? É uma concepção humana pessoal? Todo o mundo sabe o contrário. O Espiritismo é resultado do ensino dos Espíritos; de tal sorte que, sem as comunicações dos Espíritos, não haveria Espiritismo. Se a Doutrina Espírita fosse uma simples teoria filosófica eclodida no cérebro humano, não teria senão o valor de uma opinião pessoal; saída da universalidade do ensino dos Espíritos, ela tem o valor de uma obra coletiva, e foi por isto mesmo que em tão pouco tempo se propagou por toda a Terra, cada um recebendo por si mesmo, ou por suas relações íntimas, instruções idênticas e a prova da realidade das manifestações.

Pois bem! É em presença deste resultado patente, material, que se tenta erigir em sistema a inutilidade das comunicações dos Espíritos. Convenhamos que se elas não tivessem a popularidade que adquiriram, não seriam atacadas, e que é a prodigiosa divulgação dessas ideias que suscita tantos adversários ao Espiritismo. Aqueles que rejeitam hoje as comunicações não se parecem com essas crianças ingratas que renegam e desprezam seus pais? Não é ingratidão para com os Espíritos, a quem devem o que sabem? Não é se servir daquilo que deles aprenderam para combatê-los, retornar contra eles, contra seus próprios pais, as armas que nos deram? Entre os Espíritos que se manifestam, não é do Espírito de um pai, de uma mãe, dos seres que nos são mais caros, que se recebem essas tocantes instruções que vão diretamente ao coração? Não é a eles que se deve o ter sido arrancado à incredulidade, às torturas da dúvida sobre o futuro, e é então que se goza do benefício, que se despreza a mão do benfeitor!
Que dizer daqueles que, tomando sua opinião pela de todo o mundo, afirmam seriamente que, agora, em nenhuma parte se quer comunicações? Estranha ilusão que um olhar lançado ao redor deles bastaria para fazer desvanecer-se.
Tendo os Espíritos a liberdade de se comunicarem, sem relação com o grau de seu saber, disto resulta uma grande diversidade no valor das comunicações, como nos escritos, em um povo onde todo o mundo tem a liberdade de escrever, e onde certamente todas as produções literárias não são obras-primas.

Segundo as qualidades individuais dos Espíritos, há, pois, comunicações boas pelo fundo e pela forma, outras que são boas pelo fundo e más pela forma, outras, enfim, que não valem nada, nem pelo fundo nem pela forma; cabe a nós escolher. Não seria mais racional rejeitá-las todas porque são más, do que o seria de proscrever todas as publicações porque há escritores que dão baixezas. Os melhores escritores, os maiores gênios não têm partes fracas em suas obras? Não se fazem coletâneas do que produziram de melhor? Façamos o mesmo com respeito às produções dos Espíritos; aproveitemos o que há de bom e rejeitemos o que é mau; mas para arrancar o joio, não arranquemos o bom grão.

Consideramos, pois, o mundo dos Espíritos como o duplo do mundo corpóreo, como uma fração da humanidade, e dizemos que não devemos mais desdenhar de ouvi-los, agora que estão desencarnados, que não o tivéssemos feito então quando estávamos encarnados; eles estão sempre em nosso meio, como outrora; somente estão atrás da cortina, em lugar de estar diante: eis toda a diferença”.

Finaliza Kardec2 : “(...) Se a crença nos Espíritos e nas suas manifestações representasse uma concepção singular, fosse produto de um sistema, poderia, com visos de razão, merecer a suspeita de ilusória. Digam-nos, porém, por que com ela deparamos tão vivaz entre todos os povos, antigos e modernos, e nos livros santos de todas as religiões conhecidas?”.

Como diria o nosso querido Deolindo Amorim: “não é possível separar o fenômeno, formando uma ciência espírita à parte, e criar uma filosofia espírita somente com a Doutrina. Há uma conexão geral; não há, portanto, como separar em lotes estanques os seguimentos que compõem a Doutrina Espírita (Ciência, Filosofia e Religião) e muito menos alijar (como se fossem inconvenientes) as comunicações mediúnicas”.
 

[1] KARDEC, Allan. Revue Spirite. Abril de 1866. São Paulo: IDE, 1993, p. 106-111.

[2] - KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 71. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 1ª parte, cap. II, item 7.


 

 

     
     

O Consolador
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