O Espiritismo
sem os Espíritos
(?!)
Sem as comunicações dos Espíritos não haveria
Espiritismo
Por mais paradoxal que seja, existem espíritas
espiritófobos (permitam-nos o neologismo), e isso desde
a primeira década da existência do Espiritismo.
Tais criaturas tentaram (como se fosse possível) obstar
as comunicações mediúnicas, assim como os sacerdotes
fizeram com o Cristianismo no século III de nossa era.
Era por demasiado incômoda a presença dos desencarnados
face aos interesses subalternos dos encarnados desejosos
de se locupletarem no poder. Esses ecônomos infiéis de
todos os tempos julgavam-se acima dos Espíritos. Seu
lema era: “não mais comunicações dos Espíritos”. Inútil
esforço da presunção farisaica!... Mas o
interessante é que muitos desses profitentes já haviam –
anteriormente – exaltado a sublimidade dos ensinos
espíritas e se glorificaram daquilo que eles mesmos
recebiam como médiuns.
Aprendemos com Allan Kardec 1:
“(...) as comunicações dos Espíritos fundaram o
Espiritismo. Repeli-las depois de tê-las aclamado é
querer solapá-lo por sua base, tirar-lhe a pedra em que
se assenta; tal não pode ser o pensamento dos Espíritas
sérios e devotados, porque isto seria absolutamente como
aquele que se dissesse cristão negando o valor dos
ensinos do Cristo, sob o pretexto de que sua moral é
idêntica à de Platão. Foi nessas comunicações que os
Espíritas encontraram a alegria, a consolação, a
esperança; foi por elas que compreenderam a necessidade
do bem, da resignação, da submissão à vontade de Deus;
foi por elas que suportaram com coragem as vicissitudes
da vida, por elas é que não há mais separação real entre
eles e os objetos de suas mais ternas afeições. Não é se
equivocar sobre o coração humano, crendo que possa
renunciar a uma crença que lhe faz a felicidade!
Repetimos aqui o que dissemos a propósito da prece: se o
Espiritismo deve ganhar em influência, é aumentando a
soma das satisfações morais que ele proporciona. Que
aqueles que o achem insuficiente tal qual é, se esforcem
em dar mais do que ele; mas não é em dando menos,
tirando-lhe o que nele faz o encanto, a força e a
popularidade que o suplantarão.
Mas em que se fundamenta essa Doutrina que dispensa as
comunicações mediúnicas? Ela se baseia sobre os dados
seguintes: os Espíritos que se comunicam não são senão
Espíritos comuns que não aprenderam, até hoje, nenhuma
verdade nova, e que provam a sua incapacidade não saindo
das banalidades da moral. O critério que se pretende
estabelecer sobre a concordância de seus ensinos é
ilusório, em consequência de sua insuficiência. Cabe ao
homem sondar os grandes mistérios da Natureza, e
submeter o que dizem ao controle de sua própria razão.
Suas comunicações, não podendo nada nos ensinar, as
proscrevemos de nossas reuniões. Discutiremos entre nós;
procuraremos e nos decidiremos, em nossa sabedoria, são
princípios que devem ser aceitos ou rejeitados, sem
recorrer ao consentimento dos Espíritos.
Anotemos que não se trata de negar o fato das
manifestações, mas de estabelecer a superioridade do
julgamento do homem, ou de alguns homens, sobre o dos
Espíritos; em uma palavra, de livrar o Espiritismo do
ensino dos Espíritos.
(...) Essa doutrina conduz a uma singular consequência,
que não daria uma alta ideia da superioridade da lógica
do homem sobre a dos Espíritos. Sabemos, graças a estes
últimos, que aqueles de ordem mais elevada pertenceram à
humanidade corpórea que desde muito tempo a
ultrapassaram, como o general ultrapassou a classe do
soldado da qual tinha saído. Sem os Espíritos,
estaríamos ainda na crença de que os anjos são criaturas
privilegiadas, e os demônios criaturas predestinadas ao
mal pela Eternidade. ‘Não’, dir-se-á, ‘porque houve
homens que combateram essa ideia’. Seja; mas quem eram
esses homens, senão os Espíritos encarnados? Qual
influência a sua opinião isolada teve sobre a crença das
massas? Perguntai a qualquer um se ele conhece somente
de nome a maioria desses grandes filósofos? Ao passo que
os Espíritos, vindo sobre toda a superfície da Terra se
manifestar, ao mais humilde como ao mais poderoso, a
verdade se propagou com a rapidez do relâmpago.
(...) Quem fez o Espiritismo? É uma concepção humana
pessoal? Todo o mundo sabe o contrário. O Espiritismo é
resultado do ensino dos Espíritos; de tal sorte que, sem
as comunicações dos Espíritos, não haveria Espiritismo.
Se a Doutrina Espírita fosse uma simples teoria
filosófica eclodida no cérebro humano, não teria senão o
valor de uma opinião pessoal; saída da universalidade do
ensino dos Espíritos, ela tem o valor de uma obra
coletiva, e foi por isto mesmo que em tão pouco tempo se
propagou por toda a Terra, cada um recebendo por si
mesmo, ou por suas relações íntimas, instruções
idênticas e a prova da realidade das manifestações.
Pois bem! É em presença deste resultado patente,
material, que se tenta erigir em sistema a inutilidade
das comunicações dos Espíritos. Convenhamos que se elas
não tivessem a popularidade que adquiriram, não seriam
atacadas, e que é a prodigiosa divulgação dessas ideias
que suscita tantos adversários ao Espiritismo. Aqueles
que rejeitam hoje as comunicações não se parecem com
essas crianças ingratas que renegam e desprezam seus
pais? Não é ingratidão para com os Espíritos, a quem
devem o que sabem? Não é se servir daquilo que deles
aprenderam para combatê-los, retornar contra eles,
contra seus próprios pais, as armas que nos deram? Entre
os Espíritos que se manifestam, não é do Espírito de um
pai, de uma mãe, dos seres que nos são mais caros, que
se recebem essas tocantes instruções que vão diretamente
ao coração? Não é a eles que se deve o ter sido
arrancado à incredulidade, às torturas da dúvida sobre o
futuro, e é então que se goza do benefício, que se
despreza a mão do benfeitor! Que dizer daqueles que,
tomando sua opinião pela de todo o mundo, afirmam
seriamente que, agora, em nenhuma parte se quer
comunicações? Estranha ilusão que um olhar lançado ao
redor deles bastaria para fazer desvanecer-se. Tendo
os Espíritos a liberdade de se comunicarem, sem relação
com o grau de seu saber, disto resulta uma grande
diversidade no valor das comunicações, como nos
escritos, em um povo onde todo o mundo tem a liberdade
de escrever, e onde certamente todas as produções
literárias não são obras-primas.
Segundo as qualidades individuais dos Espíritos, há,
pois, comunicações boas pelo fundo e pela forma, outras
que são boas pelo fundo e más pela forma, outras, enfim,
que não valem nada, nem pelo fundo nem pela forma; cabe
a nós escolher. Não seria mais racional rejeitá-las
todas porque são más, do que o seria de proscrever todas
as publicações porque há escritores que dão baixezas. Os
melhores escritores, os maiores gênios não têm partes
fracas em suas obras? Não se fazem coletâneas do que
produziram de melhor? Façamos o mesmo com respeito às
produções dos Espíritos; aproveitemos o que há de bom e
rejeitemos o que é mau; mas para arrancar o joio, não
arranquemos o bom grão.
Consideramos, pois, o mundo dos Espíritos como o duplo
do mundo corpóreo, como uma fração da humanidade, e
dizemos que não devemos mais desdenhar de ouvi-los,
agora que estão desencarnados, que não o tivéssemos
feito então quando estávamos encarnados; eles estão
sempre em nosso meio, como outrora; somente estão atrás
da cortina, em lugar de estar diante: eis toda a
diferença”.
Finaliza Kardec2
: “(...) Se a crença nos Espíritos e nas suas
manifestações representasse uma concepção singular,
fosse produto de um sistema, poderia, com visos de
razão, merecer a suspeita de ilusória. Digam-nos, porém,
por que com ela deparamos tão vivaz entre todos os
povos, antigos e modernos, e nos livros santos de todas
as religiões conhecidas?”.
Como diria o nosso querido Deolindo Amorim: “não é
possível separar o fenômeno, formando uma ciência
espírita à parte, e criar uma filosofia espírita somente
com a Doutrina. Há uma conexão geral; não há, portanto,
como separar em lotes estanques os seguimentos que
compõem a Doutrina Espírita (Ciência, Filosofia e
Religião) e muito menos alijar (como se fossem
inconvenientes) as comunicações mediúnicas”.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 71. ed. Rio
[de Janeiro]: FEB, 2003, 1ª parte, cap. II, item 7.
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