Deus na Natureza
Camille
Flammarion
(Parte 2)
Continuamos o
estudo metódico
e sequencial do
livro Deus na
Natureza,
de autoria de
Camille
Flammarion,
escrito na
segunda metade
do século 19, no
ano de
1867.
Questões preliminares
A. A Ciência é materialista?
Segundo Flammarion, claro que a Ciência não é
materialista, nem pode servir ao erro. Por que haveriam,
então, o espiritualismo e a verdadeira religião de
temê-la? Duas verdades não se podem opor a uma terceira.
Se Deus existe, sua existência não poderia ser
suspeitada nem combatida pela Ciência.
(Deus na Natureza – Introdução.)
B. Falando sobre a obra que ora estudamos, que
explicação deu Flammarion a respeito do título que
resolveu dar-lhe?
Diz ele que o verdadeiro título desta obra deveria ser:
– “A contemplação de Deus através da Natureza”,
afastando de vez a suposição de que é a ideia panteísta
que nela se defende. “Aqui não há panteísmo, nem dogma”,
afirma Flammarion. “Nosso objetivo é expor uma filosofia
positiva das ciências, que, em si mesma, comporta uma
refutação não teológica do materialismo contemporâneo.”
(Deus na Natureza – Introdução.)
C. Podemos afirmar que o ateísmo científico é um erro?
Sim. É exatamente isso que diz o autor desta obra.
Segundo ele, o homem que nega simplesmente a existência
de Deus e o que definiu esse Desconhecido e lhe debita
em conta a explicação embaraçante, são ambos criaturas
ingênuas, equivalentes na erronia.
(Deus na Natureza – Introdução.)
Texto para leitura
26. As lutas empenhadas e os erros a combater longe
estão de se tornarem perigosos para a causa da verdade.
Com o exigirem um exame mais rigoroso das questões
versadas, essas lutas nos ensejam a preparação de uma
vitória mais completa.
(Deus na Natureza – Introdução.)
27. A Ciência não é materialista, nem pode servir ao
erro. Como e por que haveriam, então, de temê-la o
espiritualismo e a verdadeira religião? Duas verdades
não se podem opor a uma terceira. Se Deus existe, sua
existência não poderia ser suspeitada nem combatida pela
Ciência.
(Deus na Natureza – Introdução.)
28. De nossa parte, temos a convicção íntima de que no
estabelecimento de conhecimentos exatos sobre a
construção do Universo, sobre a vida e o pensamento,
propicia-se atualmente o único método eficiente ao
aclaramento do problema. Só assim poderemos saber se
devemos admitir a soberania da matéria universal ou se
importa reconhecer uma inteligência organizadora, um
plano e um destino imanentes.
(Deus na Natureza – Introdução.)
29. Essa é a forma por que o debate se nos apresenta e
impõe à mente, neste nosso trabalho. Esperamos que esta
tentativa de versar a existência de Deus pelo método
experimental aproveite ao progresso de nossa época, por
estar de acordo com suas tendências características.
Ficaremos, portanto, satisfeitos se a leitura deste
livro deixar cair uma fagulha luminosa nos espíritos
indecisos. E mais ainda, se, depois de haver meditado
fundo estes nossos estudos, alguma fronte se levantar
cônscia de sua legítima dignidade.
(Deus na Natureza – Introdução.)
30. Sabemos que, de um modo geral, os ideólogos
franceses não têm aplicado o método científico aos
problemas da filosofia natural; em compensação, alguns
sábios trataram o assunto do ponto de vista das relações
gerais manifestadas no mundo e que lhe constituem a
unidade viva. Entre as obras deste gênero, assinalamos
os diversos trabalhos do Sr. A. Langel, aqui mesmo
utilizados várias vezes.
(Deus na Natureza – Introdução.)
31. As investigações que focalizam o estudo da Natureza
podem aproveitar à Filosofia com maior segurança, às
vezes, do que os tratados ou os ditirambos especialmente
consagrados à Metafísica. Os próprios escritos dos
senhores Moleschott e Büchner nos ofereceram elementos
de refutação. A circulação da vida, qual a expõe o
primeiro, mostra na vida uma força independente e
transmissível, dirigindo os átomos, mediante leis
determinadas e conforme o tipo das espécies.
(Deus na Natureza – Introdução.)
32. O exame da Força e da Matéria estabelece, por outro
lado, a soberania da Força e a inércia da Matéria. Sendo
a Força e a extensão os primeiros princípios do
conhecimento, e sendo a Filosofia a ciência dos
princípios, poderia esta obra ser considerada antes como
um estudo filosófico, se não houvéssemos resolvido
limitar-nos a uma discussão puramente científica. Este,
efetivamente, o seu fim precípuo e que, por bem dizer,
oferece mais atrativos, mau grado à aridez aparente do
trabalho.
(Deus na Natureza – Introdução.)
33. Pensamos que o único meio eficaz de combater o
negativismo contemporâneo é voltar contra ele o
materialismo científico e utilizar as suas próprias
armas para derrotá-lo. Esse discrime compete antes à
Ciência que à Filosofia. A Ideologia, a Metafísica, a
Teologia, mesmo a Psicologia, dele se afastaram quanto
possível.
(Deus na Natureza – Introdução.)
34. As verdades significativas da Astronomia, da Física
e da Química, como da Fisiologia, são, de si mesmas, as
defensoras intrépidas da realidade essencial do mundo.
Por mais difícil que à primeira vista pareça a refutação
científica do Materialismo contemporâneo, nossa posição
é belíssima, desde que nos colocamos no mesmo plano dos
nossos adversários. E nesta guerra eminentemente
pacífica, estamos, de antemão, seguros da vitória.
Basta-nos, com efeito, uma vez que o inimigo está em
falsa posição, descobrir a fraqueza dessa posição e
desequilibrá-lo.
(Deus na Natureza – Introdução.)
35. O método é simples e infalível, tão seguro que não o
escondemos: deslocado o centro de gravidade, sabe
qualquer mecânico que o indivíduo colhido de surpresa
cai, imediatamente, a procurá-lo no solo. Eis o quadro
que se nos vai deparar. Críticos houve que pretenderam
ver em nosso método laivos de sorriso e um tanto de
ironia.
(Deus na Natureza – Introdução.)
36. Não podemos ser juiz em causa própria, mas, ainda
que a acusação tivesse fundamento, não nos caberia culpa
alguma e sim, e só, aos acontecimentos, nos quais o
grotesco teria momentaneamente empanado o sério, graças
aos adversários tantas vezes arrastados às consequências
mais curiosas.
(Deus na Natureza – Introdução.)
37. Dividiremos nossa argumenta-ção geral em cinco
partes, no intuito de demonstrar em cada uma a
proposição diametralmente contrária à sustentada pelos
eminentes advogados do ateísmo.
(Deus na Natureza – Introdução.)
38. Na primeira, lidaremos por estabelecer,
preliminarmente, pelo movimento dos astros e depois pela
observação do mundo inorgânico terrestre, que a Força
não é atributo da Matéria, mas, ao contrário, a sua
soberana, a sua causa diretora.
(Deus na Natureza – Introdução.)
39. Na segunda parte verificaremos, pelo estudo
fisiológico dos seres, que a vida não é propriedade
fortuita das moléculas que a compõem e sim uma força
especial a governar átomos, conforme o tipo das
espécies. O estudo da origem e progressão das espécies
também aproveitará à nossa doutrina.
(Deus na Natureza – Introdução.)
40. Na terceira parte observaremos, examinando as
relações do pensamento com o cérebro, que há no homem
algo mais que a matéria e que as faculdades intelectuais
distinguem-se das afinidades químicas. A personalidade
da alma afirmará o seu caráter e a sua independência.
(Deus na Natureza – Introdução.)
41. A quarta evidenciará na Natureza um plano, uma
destinação geral e particular, um sistema de combinações
inteligentes, no seio das quais o olhar desprevenido não
pode deixar de admirar, mediante sadia concepção das
causas finais, o poder, a sabedoria e a previdência que
coordenam o Universo.
(Deus na Natureza – Introdução.)
42. Por fim, a quinta parte, como centro de convergência
das vias precedentes, nos colocará na posição científica
mais favorável para julgar simultaneamente a misteriosa
grandeza do Ente Supremo e a cegueira inconteste dos que
fecham os olhos para se convencerem de que Ele não
existe.
(Deus na Natureza – Introdução.)
43. O verdadeiro título desta obra deveria ser: – “A
contemplação de Deus através da Natureza”. Há alguns
anos que se anuncia, como estando no prelo, este
trabalho e nós lhe temos modificado várias vezes o
título, que, de início era puramente científico: “Da
Força, no Universo”. Acabamos, finalmente, por nos
fixarmos neste. Sem dúvida, um título não tem essencial
importância para que o autor se explique tão formalmente
a respeito. Mas, no caso vertente, julgamos útil
declarar desde logo que todos quantos vissem nas quatro
palavras da capa a expressão de uma doutrina, errariam
completamente.
(Deus na Natureza – Introdução.)
44. Aqui não há panteísmo, nem dogma. Nosso objetivo é
expor uma filosofia positiva das ciências, que, em si
mesma, comporta uma refutação não teológica do
materialismo contemporâneo. É, talvez, imprudentíssima
ousadia o tentar assim uma senda isolada, entre os dois
extremos, que sempre aliciaram poderosos sufrágios; mas,
uma vez que nos sentimos impelidos e sustentados por uma
convicção particular, tanto quanto por ardente amor a um
novo aspecto da verdade, podemos, porventura, resistir
ao impulso interior que nos inspira?
(Deus na Natureza – Introdução.)
45. Não podemos, todavia, eximir-nos de confessar que,
desde que lemos em Augusto Comte que a Ciência
aposentara o Pai da Natureza e acabava de “reconduzir
Deus às suas fronteiras, agradecendo os seus serviços
provisórios” – sentimo-nos algo ofendidos com a vaidade
do deus-Comte e nos deixamos empolgar pelo prazer de
discutir o fundo científico de semelhante pretensão.
(Deus na Natureza – Introdução.)
46. Verificamos, então, que o ateísmo científico é um
erro e que a ilusão religiosa é outro erro. (De passagem
digamos, o Cristianismo nos parece ainda esotérico.)
Nossos atuais conhecimentos da Natureza e da vida nos
representaram a ideia de Deus sob um prisma cujo valor a
teodiceia, como o ateísmo, não podem menosprezar.
(Deus na Natureza – Introdução.)
47. Aos nossos olhos, o homem que nega simplesmente a
existência de Deus e o que definiu esse Desconhe-cido e
lhe debita em conta a explicação embaraçante, são ambos
criaturas ingênuas, equivalentes na erronia. Mas também
não compete nos engajarmos aqui assim no método
antinômico e, sobretudo, não queremos revestir-nos de
aparências misteriosas.
(Deus na Natureza – Introdução.)
48. Entremos, portanto, sem mais detença no âmago do
assunto, declarando que nos esforçamos por explanar com
a mais sincera independência o que acreditamos ser a
verdade. Possam estes estudos ajudar a escalada na
trilha do conhecimento, a quantos tomam a sério a sua
passagem pela Terra e o progresso da Humanidade.
(Deus na Natureza – Introdução.)
(Continua no próximo número.)