O pão, o molho e o perdão
Na nota de rodapé de O Novo Testamento, tradução de
Haroldo Dutra Dias, na página 444, item 7, o
referenciado pesquisador, tradutor, escritor e orador
espírita, dentre outros adjetivos por ele conquistados,
traz ao nosso conhecimento o seguinte, in verbis:
No Oriente Médio, era costume colocar-se uma tigela de
molho, feito de frutas cozidas, sobre a mesa, para que
os convivas mergulhassem o pão. Nessa cultura,
compartilhar a refeição em uma mesa é um sinal de
profunda amizade, de confiança plena. Nesse caso, jamais
se espera que o companheiro de refeição venha a
prejudicá-lo, tendo em vista a enorme intimidade que
este ato implica.
Vejamos, agora, como o Mestre Jesus, o guia e modelo de
perfeição moral e espiritual da humanidade,
exemplificou, na prática, numa situação enquadrada na
citação acima, narrada no Evangelho de João, capítulo
13, versículos 21 a 30, intitulado A última ceia
pascal, pelo que passo a transcrevê-la:
Ao dizer essas coisas, Jesus agitou-se em espírito,
testemunhou e disse: Amém, amém vos digo que um dentre
vós me entregará. Os discípulos olhavam uns aos outros,
estando em dúvida a respeito de quem ele estava falando.
Estava reclinado à mesa, no seio de Jesus, um dos seus
discípulos, aquele a quem Jesus amava. Simão Pedro,
então, acena para ele para perguntar quem seria aquele a
respeito de quem está ele falando. Desse modo,
recostando-se sobre o peito de Jesus, diz a ele: Senhor,
quem é? Respondeu Jesus: “É aquele a quem eu mergulhar o
pedaço de pão e lhe der”. Assim, tendo mergulhado o
pedaço de pão, deu a Judas Iscariotes, filho de
Simão. Então, depois de mergulhar o pedaço de pão,
entrou nele, Judas, Satanás. Assim lhe diz Jesus: “O que
fazes, faze-o depressa”. Nenhum dos que estavam
reclinados à mesa entendeu por que disse isto para ele.
Pois, visto que Judas estava com a bolsa de dinheiro,
supunham alguns que Jesus lhe tivesse dito: “Compra
aquilo de que temos necessidade para a festa”, ou que
desse algo aos pobres. Assim, ao receber o pedaço de
pão, ele saiu logo. Era noite.
*
Então, caro leitor, como é interessantíssimo, para todos
nós, o quadro acima e o exemplo dado pelo Mestre Jesus.
Percebe-se que, na referida cultura, eram os convidados
que mergulhavam o pão no molho de frutas, dando, com
isso, testemunho de que jamais trairiam o dono da casa
que os convidou, devido à enorme intimidade que esse ato
implicava.
Já com Jesus foi diferente. E por que não dizer que foi
de uma maneira muito especial e coroada de verdadeira
empatia?
É importante percebermos que, in casu, foi Jesus
que tomou a iniciativa de molhar o pão no referido molho
de frutas e entregá-lo a Judas Iscariotes, colocando-se
no lugar de convidado do mencionado discípulo, numa
verdadeira e profunda demonstração de amizade, a quem
Jesus jamais trairia.
E, ainda: Jesus teve todo o cuidado de não colocar Judas
Iscariotes em constrangimento perante os companheiros,
revelando-se apenas ao discípulo João, de uma forma bem
reservada, embora na presença de todos, mas de uma
maneira bem silenciosa e fraterna, que preservasse a
imagem do discípulo que o trairia.
Transportando esse fato para a realidade de cada um de
nós, neste universo contemporâneo em que nos encontramos
a caminho da evolução moral e espiritual, ficam
registrados os seguintes questionamentos:
Se fosse eu no lugar de Jesus? E se fosse você no lugar
de Jesus?
Ao perceber ou receber a notícia de que seríamos traídos
por um dos nossos convidados, qual seria a nossa reação?
Teríamos a coragem de nos colocar, de antemão, na
posição de convidados do suposto traidor, entregando-lhe
o pão da confiança, molhado no molho do perdão, em volta
da mesa do entendimento e da compreensão mútua?
Qual seria a reação de cada um de nós, em particular,
numa situação semelhante?
Será que estamos em condições de perdoar as ofensas a
tal ponto?
De mostrar a face do entendimento, da compreensão e da
pacificação?
De entregar a capa e também a túnica?
De caminhar com o suposto traidor, ou simplesmente com
um ofensor do dia a dia, tantas milhas fossem
necessárias, lado a lado, a fim de pôr termo às
desavenças ou à continuidade dos litígios, aproveitando
a oportunidade de reparação?
E já pararam para pensar se, no caso em pauta, o nosso
traidor ou o nosso ofensor fôssemos nós? Como ficaríamos
perante nós mesmos?
*
Enquanto isso, caro leitor, estudemos e trabalhemos a
nossa intimidade, cuidando e domando as nossas más
inclinações, buscando a nossa transformação moral com
base nos ensinamentos do Mestre Jesus, o nosso guia e
modelo de perfeição moral e espiritual.
Pensemos nisso e muita paz!