Deus na Natureza
Camille
Flammarion
(Parte 3)
Continuamos o
estudo metódico
e sequencial do
livro Deus na
Natureza,
de autoria de
Camille
Flammarion,
escrito na
segunda metade
do século 19, no
ano de
1867.
Questões preliminares
A. Para realçar
a diferença que
o avanço do
pensamento
científico havia
estabelecido no
mundo, que
observação fez
Flammarion?
Objetivo e direto em suas observações, Flammarion
lembrou que no anfiteatro da Sorbonne, onde se discutiam
exaustivamente os seis dias da Criação, as línguas de
fogo de Pentecostes, o milagre de Josué, a passagem do
Mar Vermelho, a forma da graça atual, a
consubstancialidade, as indulgências parciais ou
plenárias etc., via-se agora instalar-se o laboratório
químico, no ambiente do qual a Matéria se faz docilmente
pesar e mensurar; a mesa do anatomista, sobre cujo
mármore se desvendam o mecanismo orgânico e as funções
vitais; o microscópio do botânico, que surpreende os
primeiros, oscilantes passos da esfinge da vida; o
telescópio do astrônomo, que deixa entrever, para além
dos céus transparentes, o movimento majestoso dos sóis
gigantescos, regulados pelas mesmas leis que acionam a
queda de um fruto; a cátedra de ensinamento
experimental, à volta da qual as inteligências populares
vêm grupar suas filas atentas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
B. Por que Flammarion diz que as conquistas científicas
até então assentadas seriam sempre lembradas pelas
gerações futuras?
Ele afirmou que a Humanidade jamais conhecera fase como
a de sua época; jamais se repletou em seu seio de tanta
vida e tanta força; jamais seu coração enviou, com
tamanha pujança, a luz e o calor às mais longínquas
artérias, nem nunca o seu olhar se iluminou de um tal
clarão. Foi por isso que, referindo-se às gerações
futuras, declarou: “Por mais vastos que se deparem os
progressos ainda conquistáveis, nossos descendentes
serão sempre forçados a reconhecer que a Ciência deve à
nossa época o estribo do seu Pégaso e que, embora
engrandecendo-se e vendo o Sol ascender ao zênite,
brilhante não lhes fora o dia se o não precedera a nossa
aurora”.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
C. A questão da imortalidade da alma é realmente
importante para nós que nos encontramos de passagem pelo
mundo?
Claro. A esse respeito Flammarion lembra o que dizia
Pascal, ou seja, tal questão é tão importante, que é
preciso haver perdido toda a consciência para ficar
indiferente a ela e, por extensão, ao conhecimento de
nós mesmos. O mesmo - afirma Flammarion - se pode dizer
quanto à existência de Deus. Quando meditamos essas
verdades, ou apenas na possibilidade da sua existência,
elas nos aparecem sob aspecto tão grandioso que a nós
mesmos interrogamos como podem criaturas inteligentes,
seres racionais, pensantes, entregar-se uma vida inteira
a interesses transitórios, sem se abstraírem uma que
outra vez da sua apatia para atender a essas
interrogativas preciosas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
Texto para leitura
49.
A Força e a Matéria
–
O século que vivemos está desde já inscrito com
caracteres indeléveis nas páginas da História. A partir
dos mais remotos tempos, das velhas civilizações,
nenhuma época viu, qual a nossa, esse magnífico
despertar do espírito humano, para simultaneamente
afirmar os seus direitos e a sua força. O mundo já não é
o vale de lágrimas medieval, onde a alma vinha expiar a
falta do primitivo pai e, confundindo-se no isolamento e
na oração, acreditava conquistar um lugar no paraíso,
ciliciando o corpo e cobrindo-se de cinzas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
50. Os frutos da inteligência já não atestam as longas,
abstrusas e infindáveis discussões de estéril
metafísica, construídas de palitos e escoradas em
sutilezas escolásticas, a que se entregaram cegamente
poderosos gênios, consagrando-lhes uma preciosa vida de
estudos e despercebidos de assim perderem não apenas o
seu tempo, mas o de algumas gerações.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
51. Lá, onde em murados claustros se concentravam monges
e oratórios, ouve-se agora o ruído das máquinas, o
ranger das engrenagens e o silvo do vapor das caldeiras
combustas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
52. Se as instituições monásticas tiveram o seu papel no
período das invasões bárbaras, nem por isso deixou de
soar a sua hora extrema, como sucede a todas as coisas
perecíveis: o trabalho fecundo do operário e do
agricultor substitui a decadência senil pela
juvenilidade operosa e fecunda.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
53. No anfiteatro da Sorbonne, onde se discutiam
exaustivamente os seis dias da Criação, as línguas de
fogo de Pentecostes, o milagre de Josué, a passagem do
Mar Vermelho, a forma da graça atual, a
consubstancialidade, as indulgências parciais ou
plenárias... e mil assuntos outros difíceis de profundar,
vemos hoje instalar-se o laboratório químico, no
ambiente do qual a Matéria se faz docilmente pesar e
mensurar; a mesa do anatomista, sobre cujo mármore se
desvendam o mecanismo orgânico e as funções vitais; o
microscópio do botânico, que surpreende os primeiros,
oscilantes passos da esfinge da vida; o telescópio do
astrônomo, que deixa entrever, para além dos céus
transparentes, o movimento majestoso dos sóis
gigantescos, regulados pelas mesmas leis que acionam a
queda de um fruto; a cátedra de ensinamento
experimental, à volta da qual as inteligências populares
vêm grupar suas filas atentas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
54. O próprio globo terrestre transformou-se.
Circum-navegaram-no, mediram-no, e já não haverá Carlos
Magnos que pretendam enfeixá-lo na mão. O compasso do
geômetra destituiu o cetro imperial. Oceanos e mares, em
todas as latitudes, fendem-se ao impulso das quilhas
levadas por velas ou pela rotação das hélices potentes e
trepidantes.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
55. Também a locomotiva percorre célere os continentes
e, graças ao telégrafo, podemos falar de um a outro
hemisfério. O vapor deu vida nova e inesperada a
inúmeros motores; a eletricidade nos permite auscultar,
num momento e de conjunto, as pulsações da Humanidade
inteira.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
56. Certo, a Humanidade jamais conheceu fase como esta;
jamais se repletou em seu seio de tanta vida e tanta
força; jamais seu coração enviou, com tamanha pujança, a
luz e o calor às mais longínquas artérias. Nem nunca o
seu olhar se iluminou de um tal clarão. Por mais vastos
que se deparem os progressos ainda conquistáveis, nossos
descendentes serão sempre forçados a reconhecer que a
Ciência deve à nossa época o estribo do seu Pégaso e
que, embora engrandecendo-se e vendo o Sol ascender ao
zênite, brilhante não lhes fora o dia se o não precedera
a nossa aurora.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
57. O que, porém, outorga à Ciência força e poder,
convém sabê-lo, é ter por base de estudo elementos
determinados, que não abstrações e fantasmas. Assim é
que, na Química, ela investe com o volume e peso dos
corpos, examina-lhes as combinações, determina-lhes as
relações; na Física, investiga-lhes as propriedades,
observa-lhes as relações e as leis que as regem; na
Botânica, aborda o estudo das primeiras condições da
vida; na Zoologia, acompanha as formas existenciais e
registra as funções orgânicas peculiares, os princípios
da circulação da matéria nos seres vivos, sua manutenção
e metamorfoses; na Antropologia, constata as leis
fisiológicas em atividade no organismo humano e
determina o papel dos diversos aparelhos que o compõem;
na Astronomia, inscreve o movimento dos corpos celestes
e daí deduz a noção de leis diretivas universais; e na
Matemática, finalmente, formula essas leis e reconduz à
unidade as relações numéricas das coisas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
58. Essa exata determinação de objetivo dos seus estudos
é que dá valor e autoridade à Ciência. Aí temos como e
por que a Ciência se engrandece. Mas esses títulos
também lhe acarretam um imperioso dever. Se, deslembrada
dessa condição de poderio, ela se desvia desses
objetivos fundamentais para divagar no vácuo imaginário,
perde simultaneamente seu caráter e sua razão de ser. E
desde então os argumentos que pretende impor, nesses
domínios exorbitantes do seu alcance e finalidades,
deixam de ter valor científico, e mais ainda do que
isso, porque ela se desqualifica e já não pode
reivindicar o nome de ciência.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
59. Ela torna-se, por assim dizer, qual soberana que
acaba de abdicar e não é mais a ela que se ouve, mas aos
sábios que peroram, o que nem sempre é a mesma coisa. E
estes sábios, seja qual for o seu valor, já não serão
mais intérpretes da Ciência, uma vez operando fora da
sua esfera.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
60. Ora, esta é, precisamente, a situação dos defensores
do Materialismo contemporâneo, aplicando a Astronomia, a
Química, a Física, a Fisiologia, a problemas que elas
não podem resolver. E note-se que tais sábios não só
constrangem essas ciências a responderem a problemas que
lhes escapam à alçada, como ainda as torturam, quais
pobres servas, para que confessem a seu mau grado, e
falsamente, proposições de que jamais cogitaram. São,
assim, inquisidores do fato, e não da palavra. Mas,
dessarte, não é a Ciência, é um simulacro de ciência que
manejam.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
61. Nas seguintes controvérsias, demonstraremos que
esses cientistas se encontram absolutamente fora da
Ciência, que se enganam e nos enganam, que seus
raciocínios, deduções e consequências são ilegítimos e
que no seu louco amor por essa virginal ciência eles a
comprometem simplesmente e chegariam a lhe alienar de
todo a estima pública, se não houvesse o cuidado de
mostrar que, ao invés da realidade, eles não possuem
dela mais que uma ilusória sombra.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
62. A circunstância mais penosa e a razão predominante
que nos impelem a protestar contra as explorações de um
falso rótulo radicam-se no fato de estarmos vivendo um
tempo em que se sente, ou pelo menos se pressente,
universalmente, o papel e a finalidade da Ciência.
Compreende-se que fora dela é que não há salvação e que
a Humanidade, tanto tempo balouçada no oceano do
ignorantismo, só tem um porto a almejar – o da terra
firme do saber.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
63. Também por isso o espírito público se volta,
convicto e esperançoso, para a Ciência. Tantas provas de
seu poder e riqueza tem ele recebido, de um século a
esta parte, que se predispôs a acatar-lhe, com simpatia
e reconhecimento, todos os ensinos e teorias. Mas nisso
está, precisamente uma armadilha para o Espiritualismo.
É que um certo número de cultores da Ciência, que a
representam ou que se fazem dela intérpretes, ensinam
falsas e funestas doutrinas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
64. Os espíritos sôfregos e despercebidos, que procuram
em seus livros os conhecimentos de que necessitam,
absorvem neles um tóxico pernicioso e suscetível de lhes
destruir no âmago uma parte dos benefícios do saber. Eis
por que se torna absolutamente indispensável discutir
essas doutrinas e demonstrar que longe estão elas de
entrosar na Ciência, com tanto rigor e facilidade,
quanto pregoam, mas, ao invés, que são o produto
grosseiro de pensamentos sistemáticos, que,
perpetuamente voltados sobre si mesmos, têm a ilusão de
se crerem fecundados pela Ciência, embora do radioso sol
que ela simboliza não hajam recebido mais que um tênue
raio desviado de sua direção natural.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
65. Há umas tantas questões profundas que, no curso da
vida humana, nas horas de silêncio e solitude, se nos
apresentam como outros tantos pontos de interrogação,
inquietantes e misteriosos. Tais os problemas da
existência da alma, do seu futuro destino, da existência
de Deus e das suas relações com a Criação.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
66. Vastos e imponentes problemas, estes nos envolvem e
dominam em sua imensidade, pois sentimos que nos
aguardam, e na ignorância deles não poderemos
razoavelmente alienar um tal ou qual temor do
desconhecido.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
67. Assim é que, já o dizia Pascal, um desses problemas
– o da imortalidade da alma – é tão importante, que é
preciso haver perdido toda a consciência para ficar
indiferente ao conhecimento de si mesmo. O mesmo se
poderá dizer quanto à existência de Deus. Quando
meditamos essas verdades, ou apenas na possibilidade da
sua existência, elas nos aparecem sob aspecto tão
grandioso que a nós mesmos interrogamos como podem
criaturas inteligentes, seres racionais, pensantes,
entregar-se uma vida inteira a interesses transitórios,
sem se abstraírem uma que outra vez da sua apatia para
atender a essas interrogativas preciosas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
68. Se é verdade, qual o temos observado, que há neste
mundo homens absolutamente indiferentes, que jamais
sentiram a magnitude desses problemas, menos não é que
eles nos inspiram verdadeira piedade. Aqueles que, no
entanto, mais agravam a bruteza da indiferença e, de
caso pensado, desdenham alçar-se ao nível destes
assuntos importantes, preferindo-lhes os doces gozos da
vida material, esses – declaramo-lo em alto e bom som –
nós os deixamos sem pesar, entregues à sua inércia, para
considerá-los fora da esfera intelectual.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
(Continua no próximo número.)