Preocupado com a própria "rebeldia" e em estado de
depressão, Chico teve mais uma visão. Um burro teimoso
atrelado a uma carroça carregada de documentos puxava a
carga e encarava com inveja os companheiros livres no
pasto.
De vez em quando, enquanto era alimentado com água e
alfafa, assistia, de longe, às brigas violentas entre os
colegas. Uma sucessão de coices sanguinolentos. Chico
olhou aquele burro e pensou: talvez fosse melhor estar
sob freios do que estar solto no pasto da vida para
escoicear e ser escoiceado.
Aprendi a lição - disse ele, pronto para receber os
arreios.
Chico já estava cansado. Trabalhava, lutava no centro,
fazia caridade, escrevia quase por compulsão e
continuava desacreditado. Ele reclamava dos incrédulos,
se queixava dos comentários envenenados e se entregava à
reza.
Após uma das várias orações, Maria João de Deus voltou à
cena e, em vez de um conselho, sugeriu um remédio:
- Meu filho, para curar essas inquietações, você deve
usar água da paz.
Chico saiu à procura do remédio em todas as farmácias de
Pedro Leopoldo. Nada. Recorreu a Belo Horizonte. Nada de
novo. Ao fim de duas semanas, comunicou à mãe o fracasso
da busca. A aparição ensinou:
- Não precisava viajar. Você poderá obter o remédio em
casa mesmo. Pode ser a água do pote.
- Como assim?
- Quando alguém lhe fizer provocações, beba um pouco de
água pura e conserve-a na boca. Não a lance fora nem a
engula. Enquanto persistir a tentação de responder,
guarde a água da paz banhando a língua.
Chico engoliu a lição do silêncio. E digeriu.
Nessa noite, sentiu o braço movido por alguém. Tomou o
lápis e despejou estes versos:
"Meu amigo, se desejas:
Paz crescente e guerra pouca,
Ajuda sem reclamar e aprende a calar a boca".
Dessa vez, o recado veio com assinatura: Casimiro Cunha,
poeta de Vassouras, morto em 1914.
Do livro As Vidas de Chico Xavier, de Marcel
Souto Maior.