O que devemos entender por “mente”?
Alguns termos
amplamente utilizados em nossos dias tinham à época de
Kardec uso mais restrito e, às vezes, um significado um
pouco diferente.
O vocábulo psicologia é um desses termos: possui
hoje uma conotação diferente do que possuía à época de
Kardec. A psicologia era entendida, então, como a
ciência da alma - alma como ser, inteligência que
comanda o corpo, independentemente da crença em sua
sobrevivência. A psicologia como o estudo dos fenômenos
psíquicos e de comportamento do ser humano, por
intermédio da análise de suas emoções, suas ideias e
seus valores, inexistia àquela época. O primeiro
laboratório psicológico foi fundado pelo
fisiólogo alemão
Wilhelm Wundt em
1879, após a desencarnação de nosso
codificador.
Kardec não usou o vocábulo
psíquico, amplamente utilizado em nossos dias, e
provavelmente inexistente à época, e empregou os termos
mente e mental como sinônimo de pensamento
(o que ainda ocorre em nossos dias).
Os dicionários colocam como conceitos equivalentes a
mente: parte incorpórea, inteligente ou sensível do ser
humano; espírito, pensamento, entendimento, o
desenvolvimento intelectual, a faculdade intelectiva;
inteligência, mentalidade.
Nós, espíritas, recusamos a proposta dos materialistas
que colocam a mente como resultado do funcionamento do
cérebro, e admitimos que todo fenômeno psicológico é de
natureza espiritual.
Mas, afinal, em que consiste a mente? Muitos de nós
temos colocado mente e Espírito como sendo
a mesma coisa. Será que podemos considerar Espírito e
mente como sinônimos?
Uma definição recente de
mente é essa: um fluxo de experiências subjetivas,
constituídas de sensações, emoções e pensamentos
[i].
Experiências subjetivas são aquelas que pertencem ao
sujeito pensante e a seu íntimo. São, portanto,
experiências pertinentes e características de um
indivíduo; individuais, pessoais, particulares: os
pensamentos, sentimentos, desejos, inclinações, sonhos
etc.
O pensamento kardequiano
define os Espíritos como os seres inteligentes da
criação
[ii]. É
certo que a mente é algo intimamente relacionado ao
Espírito, imaterial, não física, preexistente e
sobrevivente ao corpo, tal como o Espírito. Mas deve ser
feita uma distinção entre mente e Espírito.
Talvez fosse melhor
considerarmos a mente (um fluxo de experiências) como
uma propriedade do Espírito, porque o Espírito é
mais do que um fluxo de experiências, é um SER, tem
substância, identidade, existência própria, uma
individualidade. O Espírito é ser, é essência; já a
mente é um processo. A mente não tem essência, tem
existência. Existe a partir do Espírito, sendo um
atributo deste. Valendo-nos de palavras do professor
Nubor Facure, podemos dizer que a mente
é o produto de uma
atividade metafísica que instrumentaliza o cérebro a
partir do livre-arbítrio do Espírito.[iii]
André Luiz apresenta a mente como
um núcleo de forças inteligentes,[iv]
fonte de uma força desconhecida – a energia
mental. Através dessa energia exteriorizamos o que somos
e agimos uns sobre os outros, pelos fios invisíveis do
pensamento. Apresenta ainda o conceito de
corpo mental
[v],
como sendo o envoltório sutil da mente,
atribuindo a ele a formação do corpo espiritual (perispírito).
Emmanuel, na mesma linha
de pensamento de André, compara a mente humana —
espelho vivo da consciência lúcida — a um grande
escritório, subdividido em diversas seções de serviço.
Segundo ele,
na mente possuímos o Departamento do Desejo, em que
operam os propósitos e as aspirações, acalentando o
estímulo ao trabalho; o Departamento da Inteligência,
dilatando os patrimônios da evolução e da cultura; o
Departamento da Imaginação, amealhando as riquezas do
ideal e da sensibilidade; o Departamento da Memória,
arquivando as súmulas da experiência, e outros, ainda,
que definem os investimentos da alma. Acima de todos
eles, porém, surge o Gabinete da Vontade. A Vontade é a
gerência esclarecida e vigilante, governando todos os
setores da ação mental.[vi]
Examinando as relações
mente/cérebro, coloca André Luiz, de forma metafórica,
que o cérebro é
o maravilhoso ninho da mente.[vii]
O pensamento desse autor evoca a ideia de que o Espírito
se vale das experiências reencarnatórias para
aprimorar-se a si mesmo, e a mente, acolhida pelo
cérebro, em contato íntimo com ele, vai expandir suas
possibilidades. Fora do contexto físico do cérebro, a
mente pode dispor de recursos ou usar de estratégias que
sobrepujam toda a fisiologia cerebral, mas, enquanto
contida nessa máquina de neurônios, ela é limitada pelos
recursos que esses neurônios podem oferecer. Em outras
palavras, a mente se vale da ação coerciva do cérebro
para aprender paulatinamente a se libertar dele,
liberando-se das experiências reencarnatórias.
À medida que o Espírito avança evolutivamente, suas
habilidades mentais se expandem, ou seja, a mente, como
seu atributo, se capacita de recursos maiores, tanto
sobre o aspecto intelectual como sobre o aspecto moral e
ele se distancia da precisão da corporeidade.
Concluindo, talvez pudéssemos colocar assim:
1- nós, seres espirituais, possuímos uma mente – um
atributo do Espírito -, onde se expressam nossas ideias,
sonhos, projetos, pensamentos e sentimentos;
2- a mente constitui-se de um núcleo de forças
inteligentes, envolvidas por um sutil envoltório (corpo
mental). Dela partem as ondas mentais que retratam a
nossa condição evolutiva e nos ligam a todos aqueles que
sintonizam conosco;
3- na corporeidade, a mente se identifica com o cérebro
e intelectualiza a matéria, alimentando as células;
4- nossa mente vem evoluindo conosco, através das
experiências na dimensão espiritual e na dimensão
física, e, tal como nós, partiu do simples em direção ao
complexo, da ignorância em direção do saber, atendendo
ao princípio da perfectibilidade ínsito em cada um de
nós.
[i]
Homo
deus, Yuval Harari.
[ii]
O Livro dos
Espíritos,
item 76.
[iii]
Muito além dos neurônios, Nubor Facure.
[iv]
Nos domínios da mediunidade, cap. 1.
[v]
Evolução em dois mundos, parte I, cap.
II.
[vi]
Pensamento e vida,
cap. II, Emmanuel.