Deus na Natureza
Camille
Flammarion
(Parte 7)
Continuamos o
estudo metódico
e sequencial do
livro Deus na
Natureza,
de autoria de Camille
Flammarion,
escrito na
segunda metade
do século 19, no
ano de
1867.
Questões preliminares
A. Segundo Flammarion, Céu e Terra são termos
incomparáveis. Por quê?
Flammarion entende que, considerado como valor absoluto,
o Céu é tudo e a Terra nada é. A Terra é átomo
imperceptível, perdido no seio do infinito; o Céu a
envolve no ilimitado e a integra na população astral,
sem exceção nem privilégio particular. Reunir os dois
vocábulos é como dizer: os Alpes são uma pedrinha, o
Oceano é uma gota d’água e o Saara um grão de areia. É
comparar o todo a um mínimo do mesmo todo.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
B. A matéria é, em si, coisa inerte, cega, composta de
elementos incapazes de se dirigirem por si mesmos?
É essa a tese de Flammarion, que entende que, tanto no
espaço quanto nos canais da seiva ou do sangue, o que
aglutina em átomos, dirige as moléculas e conduz os
mundos é uma Força na qual transparece o plano, a
vontade, a inteligência, a sabedoria e o poder do seu
amor.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
C. Qual é o axioma que Newton foi o primeiro a formular
na sua obra sobre os Princípios?
Nesse livro, ensina-nos Newton que todos os movimentos
celestes são consequências da lei, isto é: – que duas
moléculas materiais se atraem na razão direta do volume
de suas massas e na inversa do quadrado das distâncias.
Partindo deste princípio, ele explica como a atração
exercida entre as grandes massas esféricas, componentes
do nosso sistema, é regulada por uma lei cuja expressão
é exatamente idêntica, como os movimentos elípticos dos
planetas ao redor do Sol e dos satélites ao redor dos
planetas, tal como os determinou Képler, se deduzem
consequentes necessários da mesma lei.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
Texto para leitura
144. A harmonia repleta o mundo dos seus acordes, e o
ouvido de alguns ínfimos seres humanos recusa-se a
escutá-los. A mecânica celeste lança, ousadamente, no
espaço, o arco das órbitas, e o olho de um parasita
desses orbes desdenha a grandeza da sua arquitetura.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
145. A luz, o calor, a eletricidade, pontos invisíveis
projetados de uma a outra esfera, fazem circular nos
espaços infinitos o movimento, a atividade, a vida, a
radiação do esplendor e da beleza, e as imbeles
criaturas, apenas desabrochadas à superfície de um
parasita desses orbes desdenha a grandeza a confessar a
fulgurância celeste! É loucura ou é tolice? É orgulho,
ou ignorância?
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
146. Qual a origem e a finalidade de tão estranha
aberração? Por que a força vital, álacre e fecunda,
palpita no Sol como na borboleta que morre com a manhã;
no carvalho anoso das florestas como na primaveril
violeta? – por que a vida magnificante doura as messes
de Julho e os cabelos anelados da juventude petulante e
freme no seio virginal das noivas? – por que negar a
beleza, mascarar a verdade e desprezar a inteligência?
Por que envenenar as virtudes eternas que sustentam a
estrutura do mundo e eclipsar, tristemente, a luz
imácula que desce dos céus?
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
147. Antes de penetrar os mistérios do reino tão rico e
interessante da vida, devemos considerar o esboço
material do Universo, começando por demonstrar a
soberania da força no tracejar desse mesmo esboço.
Dividiremos esta primeira em duas partes: o Céu e a
Terra, para estabelecer em primeiro lugar, por leis
astronômicas e depois pelas terrestres, que, onde quer
que exista a matéria, esta jamais deixou de ser escrava
servil, universalmente dominada pela energia que a rege.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
148. Esta divisão não deve sugerir, de modo algum, a
velha comparação do céu com a Terra, que bem sabemos
serem termos incomparáveis. Considerado como valor
absoluto, o céu é tudo e a Terra nada é. A Terra é átomo
imperceptível, perdido no seio do infinito; o céu a
envolve no ilimitado e a integra na população astral,
sem exceção nem privilégio particular.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
149. Reunir os dois vocábulos é como dizer: os Alpes são
uma pedrinha, o Oceano é uma gota d’água e o Saara um
grão de areia. É comparar o todo a um mínimo do mesmo
todo. Importa, portanto, não interpretar literalmente a
nossa divisão, que só se justifica por colimar maior
clareza do assunto. Para nós, terrícolas, este globo é
alguma coisa, assim como para a minúscula lagarta, que
aflora numa folha, esta folha algo vale, mau grado à sua
insignificância no conjunto da pradaria.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
150. Nossa esfera de observação divide-se também,
naturalmente, em duas partes: o que pertence e o que não
pertence ao nosso mundo. Ora, vamos estabelecer que,
fora do nosso mundo, assim como nele, a matéria está em
tudo e por toda a parte e não passa de coisa inerte,
cega, morta, composta de elementos incapazes de se
dirigirem por si mesmos; que não agem nem pensam por
impulso próprio e que, tanto no espaço quanto nos canais
da seiva ou do sangue, o que aglutina em átomos, dirige
as moléculas e conduz os mundos, é uma Força na qual
transparece o plano, a vontade, a inteligência, a
sabedoria e o poder do seu amor.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Força e a
Matéria.)
151. O Céu – A contemplação da Natureza oferece
ao homem culto, incontestavelmente, inefáveis,
particulares encantos. Na organização dos seres
descobre-se o incessante movimento dos átomos que os
compõem, tanto quanto a permuta constante e operante
entre todas as coisas.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
152. Justa é a nossa admiração por tudo o que vive na
superfície da Terra. O mesmo calor solar, que mantém no
estado líquido a água dos rios e dos mares, conduz a
seiva à fronde das árvores e faz pulsar o coração dos
abutres e das pombas. A luz que espalha a viridência nos
prados e nutre as plantas com um sopro impalpável também
povoa a atmosfera de maravilhosas belezas aéreas. O som
que estremece a folhagem canta na orla dos bosques, ruge
nas plagas marinhas. Em tudo vemos, enfim, uma
correlação de forças físicas, que abrange num mesmo
sistema a totalidade da vida sob a comunhão das mesmas
leis.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
153. Ora, quanto mais fervente for a nossa admiração
pelo radiamento da vida planetária, mais extensiva e
aplicável se tornará, em relação aos mundos que aí
fulguram acima de nossas cabeças, no cenáculo das noites
silenciosas. Esses mundos longínquos que, qual o nosso,
se embalam no mesmo éter, sob o império das mesmas
energias e das mesmas leis, são igualmente sedes de
atividade e vida.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
154. Poderíamos apresentar este grandioso e magnífico
espetáculo da vida universal como eloquente testemunho
da inteligência, sabedoria e onipotência da causa
anônima, que houve por bem reverberar, dos primórdios da
Criação, o seu mágico esplendor no espelho da Natureza
criada. Mas, não é sob este prisma que desejamos aqui
desdobrar o panorama das grandezas celestes. Apenas,
para o teatro das leis que regem o nosso mundo, queremos
convocar os negadores da inteligência criadora.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
155. Se, abrindo os olhos diante desse espetáculo, eles
persistirem em sua negativa, já não teremos como nos
eximir de responder-lhes, em consciência, que também
duvidaremos de suas faculdades mentais. Mas como o
método positivo consiste em não julgar antes de observar
os fatos, corre-nos o dever de examinar primeiro os
fatos astronômicos de que falamos e depois da
interpretação com que se satisfazem os nossos
antagonistas. Se, depois disso, essa sua interpretação
satisfizer, subscreveremos de antemão as suas doutrinas;
mas, se, ao contrário, revelar-se insensata, temos, como
dever de honra e por amor à verdade, de a desmascarar e
entregar ao apupo da plateia.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
156. Esqueçamos por momentos o átomo terrestre, no qual
o destino nos fixou por alguns dias. Que o nosso
espírito se lance ao espaço e veja rolar diante de si o
mecanismo gigantesco – mundos e mundos, sistemas após
sistemas, na infinita sucessão de universos estrelados.
Ouçamos, com Pitágoras, as harmonias siderais nas amplas
e céleres revoluções das esferas e contemplemos, na sua
realidade, esses movimentos simultaneamente vertiginosos
e regulares que enfeudam as terras celestes nas suas
órbitas ideais.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
157. Observamos que a Lei suprema, universal, dirige
esses mundos. Em torno do nosso sol, centro, foco
luminoso, elétrico, calorífico do sistema planetário,
giram os planetas obedientes. Os mais extraordinários
labores do espírito humano deram-nos a fórmula da lei,
que se divide em três pontos fundamentais, conhecidos em
Astronomia por leis de Képler, operoso sábio que a
descobriu graças ao seu gênio, como à sua paciência, e
que discutiu opiniaticamente, 17 anos, as observações do
seu mestre Ticho-Brahe, antes que distinguisse sob o véu
da matéria a força que a rege.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
158. Esses três pontos são:
1º - Cada planeta descreve em torno do Sol uma órbita
elíptica, na qual o centro do Sol ocupa sempre um dos
focos.
2º - As áreas (ou superfícies) descritas pelo raio vetor[i]
de um planeta em redor do foco solar são proporcionais
aos tempos que levam a descrevê-las.
3º - Os quadrados dos tempos de revolução planetária, em
torno do Sol, são proporcionais aos cubos dos grandes
eixos orbitários.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
159. A síntese dessas leis integra o grande axioma que
Newton foi o primeiro a formular na sua obra imortal
sobre os Princípios. Nesse livro, ensina-nos ele – como
bem adverte Herschel – que todos os movimentos celestes
são consequências da lei, isto é: – que duas moléculas
materiais se atraem na razão direta do volume de suas
massas e na inversa do quadrado das distâncias.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
160. Partindo deste princípio, ele explica como a
atração exercida entre as grandes massas esféricas,
componentes do nosso sistema, é regulada por uma lei
cuja expressão é exatamente idêntica, como os movimentos
elípticos dos planetas ao redor do Sol e dos satélites
ao redor dos planetas, tal como os determinou Képler, se
deduzem consequentes necessários da mesma lei, e como as
próprias órbitas dos cometas não são mais que casos
particulares dos movimentos planetários.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
161. Passando em seguida às aplicações difíceis, faz-nos
ver como as desigualdades tão complicadas do movimento
lunar prendem-se à ação perturbadora do Sol, assim como
se originam as marés da desigualdade de atração que
esses dois astros exercem sobre a Terra e o oceano que a
rodeia. E demonstra-nos, enfim, como também a precessão
dos equinócios não passa de consequência necessária da
mesma lei.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
162. Pois é à execução dessas leis que está confiada a
harmonia do sistema planetário; é a elas que os mundos
devem os seus anos, as suas estações, os seus dias; é
nelas que haurem a luz e o calor distribuídos em
diversos graus pela fonte cintilante; é delas que
derivam a eclosão da vida, a forma e ornamento dos
corpos celestes. Sob a ação incoercível dessas forças
colossais, os mundos se transportam no espaço com a
rapidez do relâmpago e percorrem centenas de mil léguas
por dia, sem parar, seguindo estritamente a rota certa e
previamente traçada por essas mesmas forças.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
163. Se nos fora dado libertar-nos um momento das
aparências, sob cujo império nos acreditamos em repouso
no centro do Universo, e se pudéramos abranger num olhar
de conjunto os movimentos que animam todas as esferas,
haveríamos de ficar surpreendidos com a imponência
desses movimentos. Aos nossos olhos maravilhados,
enormíssimos globos turbilhonariam rápidos sobre si
mesmos, projetados no vácuo a toda a velocidade, quais
gigantescas balas que uma força de projeção inimaginável
houvesse enviado ao infinito.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. O Céu.)
(Continua
no próximo
número.)
[i]
Assim se denomina a linha ideal que liga um
planeta ao Sol.