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por Rogério Coelho

A irrefreável força de expansão do Espiritismo


Vendo o número de felizes que o Espiritismo faz, esquecemos as fadigas de nossa tarefa


Por tornar felizes aqueles que o compreendem, professam e praticam, o Espiritismo teve – desde os seus primórdios – uma facilidade muito grande de propagação. Afinal, qual o aflito que recusa consolações? Quem poderia rejeitar compreender os mecanismos das leis divinas, da lei de causa e efeito, e todas as luzes oferecidas pelo Espiritismo?! Só mesmo quem possui interesses escusos e/ou subalternos a resguardar.

Em uma curta excursão realizada em 1867 por Allan Kardec, nas cidades de Bordeaux, Tours e Orléans, podemos verificar o fenômeno da inexorável propagação do Espiritismo e seus efeitos salutares sobre as pessoas. Pincemos, então, alguns lances do relato feito pelo próprio Codificador[1]: “(...) apesar das ocupações que nos retinham em Paris, pudemos aceder ao gracioso e insistente convite da Sociedade Espírita Bordalesa para estar presente em sua reunião anual, para a qual acorreram visitantes vindos de uma grande distância, como Toulouse, Marmande, Villeneuve, Libourne, Niort, Blaye e até Carcassonne, que está a 80 léguas, ali tinham seus representantes. Todas as classes da sociedade estavam nele confundidas numa comunidade de sentimentos; lá se encontravam o artesão, o cultivador ao lado do burguês, do negociante, do médico, dos funcionários, dos advogados, dos homens de ciência etc... Seria supérfluo acrescentar que tudo se passou como isto deveria ser entre pessoas que têm por divisa: ‘fora da caridade não há salvação’, e que professam a tolerância por todas as opiniões e todas as convicções. Também, nas alocuções de circunstância que foram pronunciadas, nem uma palavra foi dita, cuja suscetibilidade mais sombria pudesse chocar; nossos maiores adversários, mesmo se ali tivessem se encontrado, não teriam ouvido uma palavra, nem uma alusão à sua proposta.

A autoridade tinha se mostrado cheia de benevolência e de cortesia com respeito a esta reunião, e lhe devemos o agradecimento. Ignoramos se ela ali estava representada de maneira oculta, mas, seguramente ela pôde se convencer ali, como sempre, de que as ideias professadas pelos Espíritas, longe de serem subversivas, são uma garantia de paz e de tranquilidade; que a ordem pública nada tem a temer de pessoas cujos princípios são os do respeito às leis, e que, em nenhuma circunstância, não cederam às sugestões dos agentes provocadores que procuravam comprometê-los. Vistos sempre se retirarem e se absterem de toda manifestação ostensiva, todas as vezes que puderam temer que se fizesse ali um pretexto de escândalo... É fraqueza de sua parte? Certamente, não; ao contrário, é a consciência da força de seus princípios que os torna calmos, e a certeza que têm da inutilidade dos esforços tentados para abafá-los; quando se abstêm, não é para colocar suas pessoas ao abrigo, mas para evitar o que poderia recair sobre a Doutrina. Eles sabem que ela não tem necessidade de demonstrações exteriores para triunfar. Veem suas ideias germinarem com uma força irresistível; que necessidade teriam de fazer barulho? Eles deixam esse cuidado aos seus antagonistas, que, por seus clamores, ajudam a propagação. As próprias perseguições são o batismo necessário a todas as ideias novas um pouco grandes; em lugar de anulá-las, elas lhes dão o brilho; mede-se a sua importância pela obstinação que se põe em combatê-las. As ideias que não se aclimatam senão à força de reclames e de encenações não têm senão uma vitalidade factícia e de curta duração; as que se propagam por si mesmas e pela força das coisas têm a vida nelas, e são as únicas duráveis; é o caso em que se encontra o Espiritismo.

A reunião terminou por uma coleta feita em proveito dos infelizes, sem distinção de crenças, e com uma precaução cuja sabedoria não se pode senão louvar.

Apesar da brevidade da nossa permanência em Bordeaux, pudemos assistir a duas sessões da sociedade: uma consagrada ao tratamento dos doentes, e a outra aos estudos filosóficos. Pudemos assim constatar, por nós mesmos, os bons resultados que são sempre o fruto da perseverança e da boa vontade. No relatório que publicamos em nosso número precedente sobre a sociedade bordalesa, pudemos, com conhecimento de causa, acrescentar as nossas felicitações pessoais. Mas ela não deve se dissimular de que quanto mais prosperar, mais será o alvo dos ataques de nossos adversários; que ela desconfie, sobretudo, das surdas manobras que poderiam urdir contra ela, e dos pomos de discórdia que, sob a aparência de um zelo exagerado, poderiam lançar em seu seio.

Estando o tempo de nossa ausência de Paris limitado pela obrigação de para lá regressar em dia determinado, não pudemos, lamentavelmente, ir aos diferentes centros para os quais fomos convidados; não pudemos senão nos deter alguns instantes em Tours e em Orléans que se encontravam em nossa rota. Lá também pudemos constatar o ascendente que a Doutrina adquire a cada dia na opinião, e seus felizes resultados que, por não serem ainda senão individuais, não são por isto menos satisfatórios.

Em Tours a reunião deveria ter quase cento e cinquenta pessoas, tanto da cidade quanto das vizinhanças, mas, em consequência da precipitação com a qual a convocação foi feita, somente os dois terços delas puderam ali ir. Uma circunstância imprevista não tendo permitido o aproveitamento da sala que havia sido escolhida, reuniu-se, em uma magnífica noite, no jardim de um dos membros da sociedade. Em Orléans os Espíritas são menos numerosos, mas esse centro não contou com número menor de adeptos sinceros e devotados, aos quais ficamos felizes de apertar a mão.

Um fato constante e característico, e que se deve considerar como grande progresso, é a diminuição gradual e quase geral das prevenções contra as ideias espíritas, mesmo entre aqueles que não as partilham; reconhece-se agora a todos o direito de ser Espírita, como o de ser ju­deu ou protestante; já é alguma coisa!   

O objetivo sério da Doutrina, suas consequências morais, os recursos que ela pode oferecer para o alívio do sofrimento, a felicidade de reencontrarem os parentes ou amigos que se perdeu e de conversar com eles, escutar os conselhos que vêm dar, fazem o objeto exclusivo e preferido das reuniões espíritas. O que se procura na Doutrina, antes de tudo, é o que toca o coração. É uma coisa notável a facilidade com a qual as pessoas, mesmo as mais ilustres, compreendem e assimilam os princípios desta filosofia; é porque não é necessário ser sábio para ter coração e julgamento. Ah! Dizem eles, se nos tivessem sempre nos falado assim, jamais teríamos duvidado de Deus e de Sua bondade, mesmo nas piores misérias!

Sem dúvida, é alguma coisa crer, porque já é um pé colocado no bom caminho; mas a crença sem a prática é uma letra morta; ora, somos felizes em dizer que, em nossa curta excursão, entre numerosos exemplos dos efeitos moralizadores da Doutrina, encontramos bom número desses Espíritas de coração que se poderia dizer completos se fosse dado ao homem ser completo no que quer que seja, e que se pode considerar como os tipos da geração futura transformada; há-os de todas as idades e de todas as condições, desde a juventude até o limite extremo da idade, que realizam desde esta vida as promessas que nos são feitas para o futuro. Eles são fáceis de reconhecer: há em todo o seu ser um reflexo de franqueza e de sinceridade que comanda a confiança; desde o início sente-se que não há nenhum pensamento dissimulado sob palavras douradas ou hipócritas. Ao redor deles, e mesmo na mediocridade, sabem fazer reinar a calma e o contentamento. Nesses interiores benditos respira-se uma atmosfera serena que reconcilia com a humanidade, e compreende-se o reino de Deus sobre a Terra; felizes aqueles que sabem disto gozar por antecipação!

Em nossas viagens espíritas, é menor o número de crentes que calculamos e que mais nos satisfaz, que aqueles desses adeptos que são a honra da Doutrina e que são dela, ao mesmo tempo, os mais firmes sustentáculos, porque a fazem estimar e respeitar neles.

Vendo o número dos felizes que o Espiritismo faz, esquecemos facilmente as fadigas inseparáveis de nossa tarefa. Está aí uma satisfação, um resultado positivo, que a mais obstinada malevolência não pode nos tirar”.                                     


 

[1] - KARDEC, Allan. Revue Spirite. Julho de 1867. Araras: IDE, 1993, p.p. 191-197.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita