Deus na Natureza
Camille
Flammarion
(Parte 11)
Continuamos o estudo
metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de
autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade
do século 19, no ano de1867.
Questões preliminares
A.
Pode-se dizer que a harmonia é inerente à natureza, ao
Universo?
Sim. A harmonia não é tão só a fraseologia musical
escrita em partituras e executada por instrumentos
humanos; não consiste apenas nessas obras-primas a justo
título admiradas e afloradas nos belos dias de
inspiração, dos cérebros dos Mozart e dos Beethoven. A
harmonia enche o Universo com os seus acordes. Aliás, a
música propriamente dita é, de si mesma e por inteiro,
formada pelo número; cada som é uma série de vibrações
em quantidade definida e as relações harmônicas dos sons
não são mais do que relações numéricas. A gama é uma
escala de cifras e os tons, maior e menor, são criados
pelos números, assim como os acordes não passam, também
eles, de uma combinação algébrica. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
B. A simetria é uma característica peculiar do reino
mineral?
Sim. É uma característica peculiar do reino mineral, que
se torna menos severa ao graduar-se nos reinos
orgânicos. Número e forma são, contudo, as bases da
classificação vegetal. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
C. Tanto na Terra como nos céus impera a mesma ordem
numérica?
Sim. Não se pense que as harmonias naturais,
despercebidas ao homem, hajam de ser ruídos informes e
constituam exceção. O vento que suspira entre os cedros
e pinheiros; o lamento das vagas na praia arenosa; o
zumbido do inseto no âmbito dos bosques; todos os
indefiníveis sons que animam a Natureza são vibrações
sonoras, pertinentes ao reinado do número.(Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
Texto para leitura
231. Para exilar da Natureza o espírito, particularmente
o espírito geométrico, é preciso recusar à evidência o
papel representado pelo número e obstinar-se a não ouvir
a universal harmonia profusamente espalhada nas obras
criadas. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
232. A harmonia não é tão só a fraseologia musical
escrita em partituras e executada por instrumentos
humanos; não consiste apenas nessas obras-primas a justo
título admiradas e afloradas nos belos dias de
inspiração, dos cérebros dos Mozart e dos Beethoven. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
233. A harmonia enche o Universo com os seus acordes.
Antes de tudo, diga-se, a música propriamente dita é, de
si mesma e por inteiro, formada pelo número; cada som é
uma série de vibrações em quantidade definida e as
relações harmônicas dos sons não são mais do que
relações numéricas. A gama é uma escala de cifras e os
tons, maior e menor, são criados pelos números, assim
como os acordes não passam, também eles, de uma
combinação algébrica. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
234. Depois, como a provar a exclusiva soberania do
número, vemos que todo compositor há de obedecer ao
compasso. Estas observações fundamentais, sugeridas pelo
estudo do som, têm aplicação não menos valiosa no
concernente à luz. Assim como os sons derivam do número
de vibrações sonoras, assim as cores derivam das
vibrações luminosas. O colorido de uma paisagem vale por
uma espécie de música. A verdura dos prados é formada
pelo número, qual o tema de uma melodia; a rosa que se
desbotou é o centro de uma esfera de vibrações
luminosas, constituindo o matiz aparente, e o rouxinol
que trina em carícias, projeta no ar as vibrações
sonoras características do seu tônus. Todo movimento é
número, e todo o número é harmonia. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
235. Não há dúvida de que existe, nesse estado de
coisas, uma parte reservada às leis fisiológicas da
nossa organização. Os sons audíveis começam nas
vibrações lentas e acabam nas agudas, que o ouvido pode
captar, sejam de 16 a 36.850 por segundo[i]. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
236. As cores visíveis começam nas vibrações lentas e
extinguem-se com as mais rápidas que a nossa retina
possa apreender, ou sejam, de 458 trilhões por segundo,
a 727 trilhões por segundo[ii]. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
237. Mas, não haveria como daí concluir que haja nisso
apenas uma relação fortuita entre a nossa organização e
os movimentos exteriores. Sons e cores estendem-se
abaixo e acima dos limites de nossa organização,
igualmente subordinados a regras numéricas. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
238. Há sons que o ouvido humano não pode captar, assim
com há cores que nos escapam à retina. E no próprio
limite de nossas percepções a relação entre estas e os
nossos sentidos procede, ao menos em nossa opinião, do
fato de não ter sido a construção do nosso organismo
alheio ao número – o elo universal. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
239. A Geometria, em nossas construções, não desgarra
por veredas arbitrárias. A Arquitetura apoia-se,
conforme as suas aplicações, sobre a forma estética do
nosso pensamento, ainda que por vezes suceda (como em
nossa época por exemplo) não ter estilo algum.(Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
240. Até nas figuras simbólicas das tradições religiosas
desejamos simetria, simulando-a às vezes em aparente
desordem. Em contemplar um emaranhado de coisas, a vista
logo se nos fatiga, ao passo que se embevece e repousa
ao fixar as danças de movimentos melodiosos.(Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
241. Característica peculiar do reino mineral, a
simetria torna-se menos severa ao graduar-se nos reinos
orgânicos. Os vegetais modelam-se pelo seu tipo ideal,
mas deixam uma certa latitude às forças que os
modificam, e assim é que crescem em duas direções
opostas; as folhas sucedem-se no seu ciclo, em torno da
haste, em número característico; suas flores não escapam
à ordem numérica. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
242. Número e forma são as bases da classificação
vegetal. Os animais, com o manifestarem o tipo de cada
espécie, dão à simetria o seu papel e o próprio homem é
uma unidade composta por duas metades simetricamente
soldadas. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
243. Acima de todas essas formas particulares, soberana
se nos manifesta a unidade de plano. Nas espécies mais
diferentes encontram-se analogias significativas. Nada
menos parecido com a mão humana do que a pata do cavalo
e, no entanto, se dissecardes a pata, lá encontrareis um
rudimento de mão com os dedos soldados. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
244. Assim a ordem, a mesma ordem numérica, impera na
Terra como nos céus. Não vamos pensar que as harmonias
naturais, despercebidas ao homem, hajam de ser ruídos
informes e constituam exceção. O vento que suspira entre
os cedros e pinheiros; o lamento das vagas na praia
arenosa; o zumbido do inseto no âmbito dos bosques;
todos os indefiníveis sons que animam a Natureza são
vibrações sonoras, pertinentes ao reinado do número. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
245. O fato na aparência mais insignificante, tanto
quanto o de maior vulto, resulta de leis determinadas.
Com que direito, pois, ousam declarar os negadores do
espírito a materialidade absoluta do Universo? Que pode
a matéria só por si? Que será um átomo de oxigênio ou de
carbono considerado à revelia de toda e qualquer lei? Em
que caos mergulhará a Natureza se aniquilardes a força
que a mantém? (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
246. Imaginemos por um momento que o número deixa de
existir, e esta só conjectura aniquila, de pronto, todas
as harmonias que acabamos de explanar. Ora, perguntamos:
pode a faculdade matemática pertencer à matéria? Se
assim o julgá-la, resta dizer-nos que matéria será essa:
oxigênio, azoto, carbono, ferro, alumínio. Evidentemente
não, pois a lei supera todos esses corpos e é
precisamente ela – a lei – que os combina, casa,
dissocia, separa, visto que os governa. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
247. Que vos resta, então? Pertencerão à matéria o som,
a luz, o magnetismo? Mas a experiência vos demonstra o
contrário. Nisso, tendes outras tantas modalidades de
movimento. Quem determina um dado movimento ao som e
outro à luz? Quem regula essas forças? Aparentemente,
serão elas mesmas, ou uma força superior que as abranja
a todas. A matéria não é, em todos os seus movimentos,
senão o objeto passivo. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
248. Inegável, portanto, que na Natureza inorgânica a
matéria é escrava e a força é soberana. Contudo, é
precisamente o que põem em dúvida os nossos campeões do
materialismo. Já tivemos o ensejo de apreciar o valor de
seus argumentos no que diz com a Natureza inorgânica.
Edifiquemo-nos agora, sem tardança, com a maneira por
que explicam a Natureza orgânica. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
249. Quando queimamos cautelosamente uma planta, não é
raro obtermos o resíduo de um esqueleto silicoso
correspondente à forma primitiva da haste. É a
substância que a constituía, proveniente da substância
do solo. A planta integral encerra a mais certos corpos
determinados por sua natureza: assim, por exemplo, o
trigo contém o glúten azotado; a videira, cal; a batata,
potassa; o chá, magnésia; o tabaco, salitre, etc. A cada
planta convêm uns tantos elementos minerais e a própria
planta é que os sabe escolher. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
250; O agricultor inteligente adapta a sua lavoura à
natureza do terreno e escolhe os adubos de acordo com as
safras que colima. No conhecimento das necessidades de
cada espécie está o segredo das searas e dos alqueives.
Diante disto, os teóricos de que nos ocupamos só se
explicam pela metade. A raiz absorve – dizem – de acordo
com as leis fixas de afinidade os elementos que lhe
jazem em torno. E, como se temessem não ser bem
compreendido o papel tão judiciosamente atribuído à tal
afinidade eletiva, acrescentam (ver Moleschott) que a
planta fabrica por si mesma a massa principal do seu
volume. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
251. Haverá, quem, depois de uma tal declaração, ainda
se negue a outorgar à força o ascendente diretivo que
lhe cabe? Pois há, visto que tudo isso é dito
atributivamente à matéria. A evaporação que faculta às
raízes a absorção dos elementos da terra vegetal, dizem,
e a afinidade dos líquidos através das paredes celulares
que os separam, tais as faculdades mestras da matéria,
que engendram o crescimento. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
252. Eis uma pobre raiz que vegeta no cimo do rochedo:
necessita de sombra, de silêncio, de uma certa
alimentação de que a separam seixos e calhaus...
Examinem-se-lhe os vagos, mas enérgicos desejos: ela
procura, coleia, recua, contorna pedras, desce, sobe,
lança-se ávida a qualquer ponto que um quê de instintivo
a faz adivinhar, recai por vezes desfalecida, mas logo
se reanima de novos ímpetos, derruba todos os obstáculos
e chega, enfim, à Canaã prometida. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
253. Por nós, confessamo-lo sem reservas: na
manifestação dessas tendências instintivas saudamos o
ser virtual, a força intrínseca do vegetal, que
constrange a matéria a obedecer-lhe. (Deus
na Natureza – Primeira Parte. A Terra.) (Continua
no próximo número.)
[i]
Segundo Deprez. As experiências de Savart
limitam os sons graves a 8 vibrações duplas por
segundo, e a 24.000 os agudos.
[ii]
Tomamos aqui por limites o número de ondulações
do infravermelho ao ultravioleta. Além deste,
nosso globo visual não pode perceber a luz, que,
sem embargo, ainda existe.