Conforme vimos na edição passada, o cardeal-arcebispo de
Porto Alegre, dom Vicente Scherer, entendia que Chico
Xavier escrevia livros na falsa e ilusória convicção de
estar sob a influência de "agentes invisíveis”. A
psicografia, segundo ele, tem explicação simples e
natural, pela ação normal do próprio psiquismo humano.
Qualquer pessoa sugestionável, de bons estudos, tem
condições de se tornar psicógrafa e, assim, escrever
aparentes ditados, imitando o estilo de autores até
mesmo vivos. Após inocentar Chico Xavier da suspeita de
desonestidade, ele lamentou: "Seu engano talvez perturbe
e desoriente espíritos ingênuos e desprevenidos".
O
padre Oscar Gonzáles Quevedo e sua equipe estudaram o
caso do médium mineiro e publicaram o diagnóstico em
artigo na Revista de Parapsicologia, editada pelo
Centro Latino-Americano de Parapsicologia. Um dos
parapsicólogos, o psiquiatra Daulas Vidigal, foi
matemático. Chico teria lido, nos 45 anos mais úteis de
sua vida, a média de um livro por semana, ou seja, 2.340
títulos no total. De cada autor "psicografado" (foram
menos de quinhentos), ele poderia ter estudado cinco
livros, o suficiente para captar seu estilo. O próprio
Quevedo, autor de A Face Oculta da Mente,
defendia uma tese mais "científica": Sua psicografia
ocorre por um automatismo do subconsciente, o
fidelíssimo gravador que retém tudo quanto se passa
conosco. Chico se auto-hipnotiza superficialmente,
entregando-se ao subconsciente. Este, por sua vez, faz o
lápis correr sobre o papel.
O
padre jesuíta fazia questão de definir a psicografia
como obra deste mundo. E exibia uma prova: "Já levamos
uma pessoa sugestionável a psicografar Carlos Drummond
de Andrade. Na época, o poeta estava bem vivo". Chico
Xavier respondia com o silêncio. Alguns espíritas, mais
invocados, provocavam. Se Quevedo é tão inteligente
assim, se ele leu tanto para chegar a tantas conclusões,
por que ele não se auto-hipnotizava e criava um livro
bem melhor do que A Face Oculta da Mente?
Pouco depois de toda a polêmica, o jornal Gazeta
Mercantil publicou uma pesquisa sobre os cinco
religiosos mais influentes do Brasil. Chico Xavier
apareceu num honroso quarto lugar (com 9,52% dos votos),
seguido por Dom Eugênio Sales (9,17%). Nas primeiras
posições apareceram dom Paulo Evaristo Arns (13,06%),
dom Hélder Câmara (11,49%) e dom Aloísio Lorscheider
(11,39%).
No
artigo do jornal, o "líder espírita" era definido como
"dono de forte magnetismo pessoal", capaz de arrebanhar
adeptos com extrema facilidade. Mais tarde, Chico
receberia cartas de apoio de padres. Um dos remetentes
foi o padre Milton Santana, já idoso, responsável pelo
Centro Social Paroquial Nossa Senhora de Fátima, em
Campinas: "Chico, acompanho-o na sua missão de quem se
conscientizou que ‘servir é o destino das grandes
almas’. Bondade assim só consegue quem está em comunhão
com Deus pelo serviço ao outro, ao próximo". Quase vinte
anos depois, textos escritos por Chico e assinados por
Emmanuel e André Luiz estariam estampados nas contra
capas de milhares de cadernos. Impressos pelas Escolas
Profissionais Salesianas, dirigidas por padres. Em
"Calma", por exemplo, André Luiz pedia: "Se você está a
ponto de estourar mentalmente, silencie alguns instantes
para pensar..." Os cadernos só não citavam o nome de
Francisco Cândido Xavier. Bispos, cardeais e espíritas
discutiam e Chico era homenageado. No dia 22 de setembro
de 1972, ele foi à Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro receber o Título de Cidadão do Estado da
Guanabara. Galerias e plenário ficaram superlotados.
Entre os convidados, estava o almirante Silvio Heck. O
discurso militarista de Chico Xavier ainda rendia
dividendos.
O
ex-ministro da Marinha, um dos telespectadores atentos
do segundo Pinga-Fogo, estava empolgado. Para
ele, Chico era uma prova do que Gandhi um dia afirmou:
"Se um dia um único homem atingir a mais elevada
qualidade de amor, isto será suficiente para neutralizar
o ódio de milhões".
Chico Xavier surpreendeu o público com um longo discurso
improvisado, repleto de dados históricos precisos e de
nomes e sobrenomes das "autoridades presentes", sem
recorrer a qualquer texto.
Mais uma vez, ele insistiu na humildade. Disse não ter
qualidades para receber "semelhantes honrarias" e se
definiu como uma parede arruinada, sobre a qual se
pregava um cartaz anunciando os ensinamentos de Jesus.
Terminou seu discurso, diante de espectadores como Dulce
Passarinho, tia do ministro Jarbas Passarinho, pedindo a
"bênção generosa, a bênção imperecível de Deus".
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel
Souto Maior.