Entrevista
por Giovana Campos |
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Ano 11 - N° 529 - 13 de Agosto de 2017 |
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“A
vida, mesmo que imperfeita, tem sua beleza.” |
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Quando se inicia
uma gestação,
vários sonhos
começam a
despontar no
seio familiar.
Toda a família
vibra
positivamente
pelo novo ser
que formará
parte do
caminhar de
pais, avós,
irmãos… Mas
quando é
detectada alguma
enfermidade,
ainda intraútero,
que fazer? Como
agir? Como pode
o profissional
de saúde
informar e
cuidar deste
núcleo familiar?
A médica
ginecologista,
especializada em
Medicina Fetal,
Cristiane Assis
(foto)
relançou o livro
Gestação: um
encontro de
almas e ministra
palestras sobre
o período
gestacional e as
surpresas que
podem vir nesses
meses de
expectativa,
tema que
constitui o
objeto da
seguinte
entrevista:
Fale-nos
sobre seu livro
Gestação:
encontro entre
almas.
Acompanhar
diariamente, com
a
ultrassonografia,
a explosão de
vida que há no
desenvolvimento
intrauterino de
uma gravidez, e
estudar quanto é
importante a
maneira como se
dá a conexão
emocional entre
os pais e seu
bebê para a
qualidade do
futuro desse ser
em formação, me
fizeram reunir o
material que
apresento em
Gestação:
encontro entre
almas.
Após 10 anos,
reeditei e
ampliei seu
texto, com os
olhos e mãos
mais experientes
da prática
médica e com a
alma plena pela
experiência de
ser mãe de
Alexandre e Maya.
Trata-se de um
livro que
integralmente
busca celebrar,
esclarecer,
compartilhar e
acolher as
experiências do
processo que
envolve o
nascimento de
uma criança.
Cuidar de cada
detalhe desse
precioso momento
é oferecer aos
pais e
familiares
maiores
oportunidades e
melhores
instrumentos
para seguirem em
busca de seus
sonhos e
conquistas. Em
cada página do
livro, o leitor
encontrará dicas
úteis para
auxiliá-lo nesse
processo.
Como é
identificar um
possível quadro
de malformação
fetal quando o
bebê ainda está
no útero da mãe?
Devo dizer que
por mais que
estude, me
informe e
vivencie essa
situação, não há
um jeito mais
fácil ou simples
de transmitir
essa notícia.
Não quando, a
cada uma de suas
palavras,
destrói-se o
sonho de um
filho perfeito e
um futuro
tranquilo.
A partir desse
diagnóstico,
inicia-se uma
imensa jornada
para esses pais,
pois iniciam não
só a busca por
mais informação
e por ajuda na
solução do
problema, mas
também por
alguém que seja
capaz de ter
empatia com seu
sofrimento. É
imensa a dor de
pais que, antes
mesmo de poderem
pegar seu filho
nos braços, já o
veem em tão
grande
sofrimento.
Há outros
exames além de
ultrassonografia
morfológica que
permitem
confirmar o
diagnóstico?
O exame
morfológico é
apenas o início
do processo que
levará à
compreensão do
que está
acontecendo com
o feto.
No aspecto
médico, uma vez
detectada alguma
alteração,
recomenda-se que
o casal seja
encaminhado para
o aconselhamento
genético ou um
profissional
especializado em
Medicina Fetal,
que ajudará a
esclarecer as
dúvidas do casal
sobre possíveis
causas e
prognósticos.
Também,
dependendo do
órgão fetal
acometido, algum
dos exames
abaixo pode ser
solicitado para
complementação
do diagnóstico:
-
Ecocardiografia
Fetal - Nesse
exame, é
estudado
detalhadamente o
coração do feto.
Não só sua
anatomia, mas
também seu
funcionamento.
Ele é importante
para
diagnosticar
problemas
cardíacos que
necessitem de
cuidados
especiais, logo
após o parto,
facilitando,
assim, a
mobilização, de
uma equipe
especializada,
de maneira
ordenada, e não
às pressas, como
geralmente
acontece. Em
muitos casos,
esse diagnóstico
precoce é
fundamental para
a sobrevivência
de muitos bebês
fora do útero.
- Procedimentos
Invasivos - São
procedimentos
realizados por
meio da
introdução de
uma agulha na
cavidade
amniótica. Esta
é guiada através
do exame de
ultrassom, para
evitar que se
direcione para
um local
diferente do
desejado pelo
médico. Devido
ao conhecimento
e prática
necessários, os
procedimentos
são realizados
apenas por
equipes
especializadas
em Medicina
Fetal. Além
disso, podem
trazer
complicações,
como aborto,
ruptura da
membrana
amniótica,
trabalho de
parto prematuro,
descolamento de
placenta, entre
outras. Por
isso, tem
indicação
específica e o
casal, junto com
o médico, deve
avaliar a
relação
custo-benefício
de tais riscos.
Como destacamos
até aqui, o feto
é um indivíduo
com sensações.
Por isso, ao
“invadirmos” seu
espaço com algo
tão agressivo
como uma agulha,
é importante
explicar-lhe o
que está
acontecendo e
porque essa
atitude é tão
importante.
Observações com
base no
ultrassom têm
demonstrado que
o feto foge ou
tenta
defender-se da
agulha, quando
ela atinge a
cavidade
amniótica
abruptamente.
Entretanto,
quando seus pais
lhe explicam que
isso é
necessário, ele,
em alguns casos,
até se afasta
dela, ajudando,
assim, o médico.
Quais são os
tipos de exame
invasivos?
Esses exames
são:
- Biópsia de
Vilo Corial:
coleta de
fragmentos da
placenta
(vilosidades
coriônicas).
Como as células
do bebê e da
placenta se
originam de um
mesmo zigoto, o
estudo de seus
cromossomos pode
ser utilizado na
tentativa de
identificar os
cromossomos
(cariótipo) do
bebê.
- Amniocentese:
acesso à
cavidade
amniótica com o
objetivo de
introduzir algo
em seu interior
ou retirar
determinada
quantidade de
líquido. Essa
técnica adquiriu
importância
ímpar na prática
da Medicina
Fetal, pois a
análise do
líquido
amniótico é
capaz de
fornecer
inúmeras
informações
sobre as
condições de
saúde do feto. A
amniocentese
também pode ser
utilizada para
procedimentos
específicos
como:
amnioinfusão –
quando, por
indicações
precisas, é
necessário
introduzir soro
fisiológico, ou
Ringer Lactato,
na cavidade
amniótica; e
amniodrenagem –
retirada do
excesso de
líquido da
cavidade
amniótica, com o
objetivo de
evitar
complicações na
gestação ou
aliviar
desconfortos
maternos.
- Cordocentese:
retira-se uma
amostra do
sangue fetal,
através dos
vasos de seu
cordão
(preferencialmente
artéria).
Permite o
diagnóstico de
alterações
cromossômicas,
bioquímicas ou
infecciosas no
feto. Também é a
principal via de
acesso para
transfusões de
sangue
intraútero.
-
Neurossonografia
Fetal - consiste
na avaliação
detalhada do
Sistema Nervoso
Central fetal
por médicos
treinados e com
conhecimentos
específicos,
mediante uso de
aparelhos de
ultrassonografia
sofisticados.
Este tipo de
exame, por vezes
complementado
por
ultrassonografia
tridimensional,
é indicado em
gestações com
risco aumentado
de anomalias do
sistema nervoso
central.
- Ressonância
Magnética Fetal
- Um dos exames
mais avançados,
para auxiliar a
Medicina Fetal
na
caracterização
de malformações
fetais,
principalmente
do Sistema
Nervoso. Não é
um exame
substituto ou
concorrente do
ultrassom, mas
um valioso
instrumento para
complementar o
diagnóstico e
programar
intervenções
cirúrgicas.
Os
profissionais de
saúde envolvidos
neste processo
de acolhimento e
esclarecimento
já dão o suporte
necessário?
Atualmente,
existe um grande
conflito nessa
situação. De um
lado, temos
profissionais
sendo treinados
em Medicina
Fetal que, como
especialidade,
seguem
predominantemente
o modelo
bioético
pragmático
utilitarista,
onde o indivíduo
só tem valor
para a sociedade
se for capaz de
produzir algo
para ela. Do
outro, está mais
de 90% da
população
brasileira, que,
segundo o censo
de 2010, possui
uma ou mais
religiões. Para
esses pais, o
modelo bioético
que melhor
atenderia suas
necessidades
diante do
diagnóstico de
malformação
fetal é o
personalista,
que garante a
permanente
dignidade de
todas as
pessoas.
A capacidade do
profissional de
ter empatia com
eles é o que
fará toda a
diferença. Até
aquele instante,
quando uma
notícia ruim
chegou, ali
havia um bebê
festejado.
Muitas vezes com
um nome,
acompanhado de
planos e sonhos.
Como, em uma
questão de
segundos,
transformá-lo em
um amontoado de
células? em algo
que deve ser
resolvido,
interrompido,
apagado? Talvez
seja mais
simples pra quem
foi treinado a
pensar dessa
forma. Ou pra
quem prefere não
pensar naquilo
sobre o que não
seja capaz de
compreender ou
dominar! Médicos
ou semideuses
podem fazer isso
mais facilmente;
não pais que
amam seus
filhos.
É certo que,
durante um
atendimento de
agenda de
ultrassonografia,
não temos tempo
para conversas
prolongadas com
a paciente
diante das
dúvidas que
surgirão com o
diagnóstico de
uma malformação.
Mas o mínimo que
precisamos fazer
é, através da
empatia,
tratá-la com o
respeito e
cuidado que
gostaríamos de
receber se
estivéssemos em
uma situação
como essa,
oferecendo os
encaminhamentos
a profissionais
que possam dar a
assistência
necessária nos
passos seguintes
de diagnóstico
e/ou tratamento.
Quais são os
aprendizados
emocionais,
psíquicos e
mesmo
espirituais que
essas situações
trazem tanto
para o médico
como para os
familiares?
Em uma situação
de malformação
fetal, todos os
envolvidos,
pais, familiares
e profissionais,
estão diante de
uma oportunidade
única de
aprendizado.
Através do
exercício de
nobres
sentimentos como
amor, paciência,
resignação,
determinação,
fé, entre
outros, faz
sentido algo que
aparentemente
não tem
explicação. Para
tanto, basta que
estejam
dispostos a
abrir mão do
controle de algo
que não lhes diz
respeito, a VIDA
HUMANA. Ela pode
por nós ser
observada,
amparada e
auxiliada. Mas a
razão de sua
existência,
mesmo que
perene, vai além
da compreensão
de nossa ainda
limitada
ciência. Porém,
seus
aprendizados já
podem, sim, ser
quantificados.
Basta
estudá-los.
Quais outras
colocações você
gostaria de
deixar sobre sua
vivência no
diagnóstico
intraútero de
malformação?
O diagnóstico de
uma malformação
fetal é algo
extremamente
desagradável.
Para muitos, a
primeira
impressão é a
destruição de um
sonho... o sonho
do filho
saudável, com um
futuro perfeito
pela frente...
Cada um lidará
com essa notícia
de forma
distinta, de
acordo com suas
próprias
vivências e com
a gravidade dos
achados que o
feto apresentar.
Contudo, a única
certeza que
deveriam ter em
seus corações é
a de que estão
sendo assistidos
para que tudo
transcorra da
melhor forma
possível.
O plano
espiritual sabe
os sacrifícios
envolvidos em
uma gestação de
uma criança
malformada.
Certamente
acrescentar a
dor em um
momento que
deveria ser
apenas de
alegria não
passaria
despercebido a
quem nos ama e
ampara para que
sejamos bem
sucedidos em
nossas promessas
reencarnatórias.
Em minha
prática, vi mães
cansadas por
cuidarem de seus
filhos
deficientes, mas
todas gratas
pelos
aprendizados que
os mesmos lhes
proporcionaram
ao longo de tão
pesada jornada.
Conheci mães
tristes porque
perderam seus
bebês
malformados
ainda intraútero
ou poucos dias
após o parto,
mas com os
corações
aliviados por
terem oferecido
a eles todo o
amor que puderam
durante o tempo
que tiveram com
eles.
Pude também,
contudo,
encontrar
tristes mulheres
que carregavam
em seus corações
as feridas de
terem arrancado
de seus úteros
seus filhos
antes de seu
tempo haver-se
concluído. Por
mais que
tentassem para
mim ou para si
mesmas
racionalizar tal
decisão, seus
corpos mostravam
que algo ainda
doía e doeria
por muito tempo.
A vida, mesmo
que imperfeita,
tem sua beleza e
nos gera empatia
e amor em seus
movimentos.
Movimentos esses
que já somos
capazes de ver
ao ultrassom em
seu coração com
apenas seis
semanas. Não há
como ser
responsável por
sua interrupção
sem que isso nos
traga dor na
alma. E essa
dor, cedo ou
tarde, se
manifestará em
nosso espírito.
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