Clássicos
do Espiritismo |
|
por Angélica Reis |
Deus na Natureza
Camille
Flammarion
(Parte 13)
Continuamos o
estudo metódico
e sequencial do
livro Deus na
Natureza,
de autoria de Camille
Flammarion,
escrito na
segunda metade
do século 19, no
ano de
1867.
Questões preliminares
A.
Considerando o fato de que a matéria é passiva e incapaz
de coordenar-se por si mesma, Flammarion propôs diversas
questões aos materialistas de sua época. Quais são essas
questões?
Ei-las: 1) Como pode a matéria, cega, ter desígnios e
tender para uma finalidade? 2) Como, ininteligente,
teria engendrado seres inteligentes? 3) Como se
governaria por leis sábias, se não conhece o que seja
sabedoria? 4) Como reinar uma ordem majestosa entre as
suas partes, se ela não conhece a ordem? 5) Como, enfim,
essa utilidade sensível e perceptível em todas as suas
operações, se ela, de fato, não tem alvo? Aí estão,
escreveu Flammarion, uns tantos problemas a que os
materialistas hodiernos vão tentar responder em detalhe
nas suas discussões.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
B. Em que situação, na obra da Natureza, a inteligência
criadora aparece com tanta evidência?
Diz
Flammarion que no céu como na Terra a força rege a
matéria, a harmonia é constituída pelo número e este
leva consigo, por toda a parte, o cunho intelectual. Em
parte alguma, porém, a inteligência criadora aparece tão
evidente como na organização da vida e na existência do
homem. E é isso que ele buscará apresentar ao longo
desta obra.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
C. Segundo a lei geral que preside à vida no Universo,
os seres que preenchem nosso orbe não guardam nenhuma
relação uns com os outros?
À
primeira vista, parece que sim. Afinal, que relação pode
haver entre o trigo, a vinha e os peixes? Ou entre a
águia, o condor e os frutos dos nossos pomares? A
realidade, no entanto, é que a vida de todos os seres
terrícolas – homens, animais, plantas - é uma e única,
sujeita a um mesmo sistema, tendo por ambiente o ar e
por base o solo. E essa vida universal outra coisa não é
senão uma permuta constante de matéria. Todos os seres
se formam das mesmas moléculas, a passarem sucessiva e
indiferentemente de uns a outros, de sorte que nenhum
ser dispõe de um corpo propriamente seu.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
Texto para leitura
267.
Diante da organização regular dos seres terrestres, não
nos cabe mais que repetir a resposta, já de um século,
dada ao Sistema da Natureza. A matéria é passiva e
incapaz de coordenar-se por si mesma num todo regular.
Contudo, ela é dotada de umas tantas propriedades que a
fazem suscetível de obediência às leis. Ora, como pode a
matéria cega ter desígnios e tender para uma finalidade?
Como, ininteligente, teria engendrado seres
inteligentes? Como se governaria por leis sábias, se não
conhece o que seja sabedoria? Como reinar uma ordem
majestosa entre as suas partes, se ela não conhece a
ordem? Como, enfim, essa utilidade sensível e
perceptível em todas as suas operações, se ela, de fato,
não tem alvo?
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
268.
Aí estão uns tantos problemas a que os materialistas
hodiernos vão tentar responder em detalhe nas suas
discussões[i].
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
269.
Assim, para resumir o estado da questão e os princípios
de nossa refutação do ponto de vista do mundo
inorgânico, temos estabelecido que, no céu como na
Terra, a força rege a matéria, que a harmonia é
constituída pelo número e que este leva consigo, por
toda a parte, o cunho intelectual. Em parte alguma,
porém, a inteligência criadora aparece tão evidente como
na organização da vida e na existência do homem. É o que
vamos verificar nos capítulos seguintes.
(Deus na Natureza – Primeira Parte. A Terra.)
270.
A vida – O poder que rege os astros e desata os
esplendores de sua riqueza na imensidão dos céus; a
força que regula a construção de minerais e plantas, na
Terra; a ordem que espalha a harmonia no mundo, vão
apresentar-se-nos agora sob um outro aspecto, dando-nos
testemunho não menos irresistível do princípio
inteligente que preside os nossos destinos.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
271.
Enquanto o olhar penetrante do telescópio vara os
espaços infinitos, a visão analítica do microscópio
visita os habitáculos minudentes da vida na superfície
da Terra. Aqui, já não é apenas a grandeza e o caráter
formidando da energia que nos vão falar, mas, antes, o
engenho, a beleza do plano, a delicadeza de sua execução
e, sobretudo, a sabedoria sobre-humana que domina a
matéria e a molda às leis de uma vontade onipotente.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
272.
Quando penetramos com os olhos da Ciência o espetáculo
do mundo, toda a Natureza nos aparece à feição de imenso
dinamismo, em cujo seio se associam ou se transformam as
forças extraordinárias da Física e da Química. Fenômenos
efêmeros, que ao vulgo parecem isolados,
apresentam-se-nos entramados numa rede única, cujos fios
são mantidos por uma força misteriosa. O mundo
envolve-se em grande unidade, nenhum elemento está
isolado, nem na extensão presente, nem na História.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
273.
São irmãos a luz e o calor, quer se nos mostrem juntos,
numa união indefectível, quer mutuamente se façam o
sacrifício de sua própria existência. A afinidade e o
magnetismo casam-se nos mistérios do mundo mineral. A
ponta inquieta do ímã procura incessantemente o polo. A
planta eleva-se apaixonada para a luz. A Terra volta
para o Sol o seu rosto matinal. Estende o crepúsculo o
seu manto sobre a noite e os tépidos perfumes dos vales
aquecem os pés gelados da noite. Em aproximando-se a
aurora, o beijo do orvalho deixa o seu traço na corola
entreaberta das flores. Átomos e mundos são levados por
um só impulso universal. Na atmosfera mil ondulações se
entrecruzam, mil variedades de força se combinam. Noite
e dia, tarde e manhã, em todas as estações, o mesmo
movimento simultaneamente insensível e grandioso, que a
nossa vista não apreende e que, aberrante de qualquer
avaliação numérica[ii],
se vai exercendo no laboratório do cosmos. Pois o
resultado desse movimento é a Vida.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
274.
Fora deste resultado, o mundo só oferece uma atração
medíocre aos espíritos curiosos. É pelos aspectos ou
pelas sensações da vida que o ser pensante se liga à
Natureza. Se a contemplação dos céus, por noites
silenciosas, nos causa uma tristeza indefinível; se o
aspecto de vastos desertos calcinados por um sol ardente
nos deixa impassíveis; se o estudo das mais
extraordinárias combinações químicas, operadas numa
retorta, nos impressiona menos intimamente do que a
visão de um pássaro em seu ninho, ou ainda a de uma
violeta vicejando humildemente ao pé de um tronco, é
porque essas manifestações não revelam uma vida
imediata.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
275.
Nossa alma é sobretudo acessível às impressões provindas
de seres viventes como nós e, dentre estes, os que mais
se aproximam da nossa natureza. O timbre de uma voz
amada tem maior ressonância em nosso coração do que o
ribombo de um trovão. Um raio do olhar eleito nos
penetra mais fundo do que um raio de Sol. Um sorriso
adorado tem sempre maior encanto que a mais encantadora
das paisagens. No colo, nos braços, nos cabelos da
mulher idolatrada, não há diamantes nem safiras,
esmeraldas e pérolas, cujo brilho se não degrade ao de
simples pedrarias decorativas. É que neste caso,
sobretudo, a vida nos aparece sob a sua mais bela e mais
esquisita manifestação terrestre, pois que ela – a vida
– é bem verdadeiramente a grande atração da Natureza.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
276.
Mas a característica que mais vivamente impressiona o
observador, no conjunto da vida terrestre, é a lei geral
que preside à vida do Universo. À primeira vista,
afigura-se-nos que todos os seres estão isolados. O
abeto que colma os cimos alpestres parece nada ter de
comum com a lebre que corre nas planuras. Certo que a
rosa dos nossos jardins não conhece o leão dos desertos.
Águia e condor dos altiplanos asiáticos jamais provaram
o fruto dos nossos pomares. Trigo e vinha em nada parece
ligarem-se à vida dos peixes. E se nos cingirmos a
divisões menos marcantes, ninguém suspeitará qualquer
relação imediata entre a vida do homem e a do vegetal
que matiza os campos e as florestas.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
277.
A verdadeira realidade, no entanto, é que a vida de
todos os seres terrícolas – homens, animais, plantas - é
uma e única, sujeita a um mesmo sistema, tendo por
ambiente o ar e por base o solo. E essa vida universal
outra coisa não é senão uma permuta constante de
matéria. Todos os seres se formam das mesmas moléculas,
a passarem sucessiva e indiferentemente de uns a outros,
de sorte que nenhum ser dispõe de um corpo propriamente
seu.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
278.
Pela respiração e pela alimentação, nós absorvemos, cada
dia, uma certa porção de alimentos. Pela digestão, pelas
secreções e excreções, perdemos outra determinada porção
de alimentos. Assim, renova-se o corpo e, depois de
algum tempo, já não possuímos um só grama do corpo
material de antes. Sua renovação foi total, completa.
Mediante essa permuta é que se entretém a vida.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
279.
Enquanto o movimento renovador se opera em nós, a mesma
coisa se dá com animais e plantas. Os milhões e bilhões
de seres viventes na superfície do globo mantêm-se,
portanto, em permuta constante de seus organismos. O
átomo de oxigênio, que ora respiramos, foi ontem,
possivelmente, expirado por alguma das árvores que orlam
o bosque, além. O átomo de hidrogênio que, neste
momento, umedece a pupila vigilante do leão do deserto,
será o mesmo que, não há muito, molhava os lábios da
mais pudica donzela da austera Albion. O átomo de
carbono que neste instante arde em meu pulmão, ardeu
talvez na candeia que serviu a Newton para as suas
experiências de ótica; e as fibras mais preciosas do
cérebro de Newton talvez se encontrem, agora, na concha
de uma ostra ou numa dessas miríades de animálculos
microscópicos, que povoam os mares fosforescentes. O
átomo de carbono que se escapa, no momento, da combustão
do vosso charuto, terá talvez saído, há alguns anos, do
túmulo de Cristóvão Colombo, que demora, como sabeis, na
catedral de Havana.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
280.
Toda a vida não passa de uma constante permuta de
elementos materiais. Fisicamente falando, nós nada
possuímos de nós mesmos. Só o ser pensante é o nosso
eu. Só ele é que nos constitui verdadeira,
imutavelmente. Quanto à substância que nos forma o
cérebro, os nervos, os músculos, ossos, membros, carne,
essa não a retemos; vai, vem, passa de um ser a outro.
Sem metáfora, podemos dizer que as plantas são nossas
raízes, que por elas extraímos dos campos a albumina do
sangue, a cal dos ossos. O oxigênio de sua respiração
nos dá vigor e beleza, assim como, reciprocamente, o
ácido carbônico que restituímos à atmosfera vai cobrir
de verdura os vales e as colinas.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
281.
Quando se tem a convicção profunda dessa permuta
universal da matéria, que irmana, do ponto de vista da
composição orgânica, a fronde e o pássaro, o peixe e a
plaga, o homem e a fera, considera-se a Natureza sob a
impressão da grande unidade que preside à marcha das
coisas. Ela, a Natureza, se nos apresenta, então,
completamente transfigurada e não deixa de ser com um
interesse mais íntimo que encaramos o sistema geral da
vida planetária.
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
282.
Humboldt traçou a sua fisionomia num esboço amplo, que
tem o mérito de reivindicar considerações especiais a
respeito:
“Quando o homem interroga com argúcia penetrante a
Natureza – diz ele[iii]
– ou quando mede, na sua imaginação, os vastos espaços
da criação orgânica, de todas as emoções experimentadas
a mais poderosa e profunda é a da plenitude da vida,
universalmente difundida. Por toda a parte, até nos
polos congelados, o ar repercute o canto das aves e o
zumbido dos insetos.
A
vida transpira, não somente nas camadas inferiores da
atmosfera, onde flutuam pesados vapores, mas, também,
nas regiões serenas, eterizadas. Todos quantos
remontaram, quer as cumeadas da cordilheira Andina, quer
os píncaros do Monte Branco debruçados sobre o lago de
Genebra, jamais deixaram de aí encontrar seres animados.
No Chimborazo, e numa altitude excedente de 2600 metros
ao pináculo do Etna, vimos borboletas e outros insetos
alados. Mesmo supondo que houvessem sido levados por
correntes aéreas, e que lá errassem como estrangeiros,
naquelas paragens a que só o ardente desejo de conhecer
conduz os homens, a sua presença atesta, todavia, que,
mais flexível, a organização animal resiste além dos
limites traçados à vida vegetal. Muitas vezes vimos o
rei dos abutres – o condor – planar acima de vossa
cabeça, em altitudes excedentes aos picos nevados dos
Pireneus, e mesmo dos indianos. O possante carnívoro
alado era, naturalmente, atraído pelos sedosos vigonhos,
que às manadas procuram aquelas pastagens coalhadas de
neve.”
(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)
[i]
Proclamando alto e bom som que a força governa a
substância, não o fazemos a ponto de pretender,
com certos metafísicos, que não existe
substância e sim, unicamente, a força. É um
exagero para nós tão falso como o dos
materialistas. Ouçamos por momentos uma
demonstração metafísica da incoexistência dos
corpos e da extensão. (É de Magy, em Science
et Nature.) “Se supusermos que a extensão,
assim como a força, convém aos objetos da
experiência e torna-se dela um elemento
inseparável, então, como as propriedades da
primeira são precisamente inversas das da
segunda, chega-se a admitir implicitamente que
as contraditórias possam coexistir num mesmo
objeto – erro típico que caracteriza de si mesmo
o absurdo. Mas, se, ao contrário,
reconhecermos que só a força é real, de uma
realidade absoluta e substancial, enquanto que a
extensão não passa de ato psicológico, que só
pelo fato de aparecer sob o olhar da consciência
requer umas tantas condições
físico-fisiológicas, logo se desvanece a
contradição. De modo que nossa resposta à
questão de saber qual a realidade objetiva da
noção de extensão, tão estranha à primeira
vista, é, no fundo, a única verdadeiramente
racional, visto não admitir recusa sem colidir,
por assim dizer, com a razão em si mesma.
Mas, objetar-se-á, esta resposta está em
contradição expressa com a experiência, pois ela
reduz a extensão a uma simples aparência
psicológica, ao passo que a vista e o fato,
relativamente a todos os corpos que podem
atingir, nos atestam uma extensão peculiar a
cada qual e, manifestamente, exterior à alma.
Não são extensos esses objetos com os quais
estou em relação, ou sejam: este mesmo corpo a
que me ligo pela alma, esta mesa na qual me
debruço, esta casa, esta terra, este sol que me
aclara, todo o Universo, enfim? Será possível e
mesmo concebível uma ilusão tão geral e tão
constante? Esta objeção pressupõe justamente o
que está em jogo, responde o filósofo. De fato,
que nos ensinam a vista e o tato, sobre o grau
de realidade da extensão corporal? Nada,
absolutamente, pois uma vez percebido um corpo,
é sempre lícito indagar se a imagem dimensória
que acompanha a percepção não seria uma simples
aparência. Trata-se dessa aparência, aqui, no
sentido da existente em alguns fenômenos
astronômicos, tal como o movimento solar, de que
nos podemos certificar tão facilmente pela
rotação da Terra como do Sol. Quanto à própria
experiência, literalmente neutra no caso, o seu
pretenso desacordo com a nossa tese procede, não
dos fatos invocados, mas do sentido arbitrário
que implicitamente lhes atribuem. Os elementos
constitutivos da matéria são, necessariamente,
inextensivos e puramente dinâmicos. Os mesmos
princípios que nos conduziram à verdadeira
teoria da extensão corporal, nos sugerem,
igualmente, a explicação da extensão incorpórea,
ou seja, do espaço. A extensão corporal é
simples fenômeno que acompanha a reação natural
dessa força hiperorgânica chamada alma, contra a
ação das forças que constituem os corpos brutos,
e das quais é advertida pelas forças orgânicas
do nosso corpo. Mas, se as forças orgânicas, de
que o corpo humano é o sistema, suscitam em nós
a aparência de extensão, quando operam como
intermediárias entre a alma e o mundo exterior,
também poderiam, por sua atuação incessante
sobre a alma, a que estão tão intimamente
ligadas, poderiam, dizemos, não provocar um
fenômeno análogo, cujos caracteres específicos
seria difícil assinar “a priori”, mas que devem,
infalivelmente, encontrar-se entre os fenômenos
psicológicos? Ora, isto é o que precisamente
acontece e a consciência nos informa
incessantemente. A reação permanente da alma
contra as forças orgânicas engendra a todo
instante um fenômeno homogêneo ao da extensão
corporal. É o fenômeno da extensão corporal ou
do espaço puro, no qual localizamos naturalmente
todos os corpos. O movimento no espaço, como
qualquer outro fenômeno sensível, não é mais que
o sinal visível de ações invisíveis e de
permutas não menos inacessíveis aos nossos
órgãos, no modo de coexistência das forças. Mas,
de todas as soluções armadas ao problema, a mais
notável, sem contestação, é a de Kant. Este
grande pensador, que tanto meditara as condições
primordiais do pensamento entre as quais a noção
de espaço lhe pareceu, com razão, uma das
principais, foi o primeiro a suspeitar que ele –
o espaço – não poderia ser um objeto extrínseco
ao ser, qual o presumem os físicos, nem a ordem
de coexistência das coisas, como pretendia
Leibnitz, mas, verdadeiramente, um simples modo
do ser pensante. “A Geometria – diz – é uma
ciência que determina as propriedades do espaço
sinteticamente e, todavia, “a priori”. Ora, qual
deverá ser a representação de espaço para que
tenhamos a respeito um conhecimento possível?
Uma intuição primitiva. O espaço para Kant, como
para nós – conclui o escritor –, é, pois,
essencialmente, uma afecção psicológica. Por um
lado, segundo a lei objetiva do conhecimento,
todas as ideias científicas se ligam às noções
de força e extensão, Únicas verdadeiramente
primordiais e irredutíveis; e por outro lado,
segundo o aprofundado exame a que acabamos de
submeter essas duas noções, a de força
representa o elemento substancial dos seres e a
de extensão um modo puramente subjetivo de nossa
natureza. Assim se expressam, ainda, os
partidários da interpretação puramente
subjetiva. Pode-se fazer, a respeito, um reparo
assaz curioso e suficiente para responder a essa
teoria algo exagerada e vem a ser que, se a
extensão não existisse, os corpos não tinham
como ocupar um lugar, tal como o ensina a
Física. Daí se conclui que nós não ocupamos
lugar e que não estamos em parte alguma! Quanto
ao primeiro ponto, que se precatem os
teatrólogos; e, quanto ao segundo, que dele se
valham os malfeitores, se bem lhes prouver, para
justificarem a sua metafísica. Estes argumentos
muito se assemelham ao dos fraseólogos modernos,
que levantam contendas de palavras acreditando
discutir fatos. Neste caso, por exemplo, os que
repetem com Broussais que Deus e alma não
existem, porque a linguagem humana os designa,
algumas vezes, em termos negativos! O mesmo
valeria dizer da matéria, qualificada
impenetrável nos seus atributos, por ser uma
expressão negativa. Efetivamente, pura
logomaquia.
[ii]
Pudesse o homem apreciar as forças diariamente
acionadas na Natureza e ficaria confundido, em
sua admiração. Para não citar mais que um
exemplo fácil de entender, digamos que o vapor
d’água a elevar-se do solo para formar nuvens,
essas nuvens que se resolvem em chuva, parece
não acusar, à primeira vista, um deslocamento de
energias colossais. No entanto, admitido que
caia anualmente, em toda a superfície terráquea,
uma camada d'água da espessura de um metro e que
a altura média das nuvens seja de 3000 metros,
seria preciso para esse trabalho uma força de
1500 bilhões de cavalos, a trabalharem 7 horas
diárias. E a Terra não teria como alimentá-los!
[iii]
Tableaux de la Natura, parte 4ª.
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