Nos anos de 1928 e 29, Chico começou a cobrir páginas e
páginas com poemas. Os melhores poemas escritos por ele
eram obras sem dono. O poeta negava a autoria dos
versos. Eles apareciam quando o rapaz, aflito, sentia
uma pressão na cabeça como se um cinto de chumbo
comprimisse seu cérebro – e um peso no braço direito,
como se ele se transformasse numa barra de ferro e fosse
arrastado por forças poderosas.
Os textos se acumulavam anônimos e repetiam a mesma
cartilha: amor, compreensão, tolerância. Os companheiros
do centro liam a papelada e sugeriam a publicação. Só
havia um problema. Quem assinaria as obras? Chico
consultou o irmão, José Cândido, e eles decidiram pedir
conselhos ao diretor do jornal espírita carioca
Aurora, Inácio Bittencourt. O jornalista convenceu o
rapaz de Pedro Leopoldo a colocar seu nome embaixo dos
poemas. "F. Xavier" começou a aparecer em várias
publicações com o consentimento dos escritores
invisíveis.
Chico nunca se esqueceu de como o soneto "Nossa Senhora
da Amargura" chegou às suas mãos e se espalhou pelo
papel. Uma noite, ele rezava quando viu aproximar-se uma
jovem reluzente. Pediu papel e lápis e começou a
escrever. A aparição chorava tanto que Chico começou a
se debulhar em lágrimas também.
No final das contas, ele já não sabia se os seus olhos
eram os dela ou vice-versa. Muito mais tarde
identificaria a dona daquelas pupilas: a poetisa Auta de
Souza, do Rio Grande do Norte, que morreu em 1901, com
24 anos. Na época, ele assinou embaixo F. Xavier – e se
sentiu culpado quando recebeu de um crítico português
uma carta recheada de pontos de exclamação e adjetivos
entusiasmados. “Recebi elogios por um trabalho que não
me pertencia”, dizia ele.
Em 1931, Chico já não sentia a pressão alucinada na
cabeça nem o enrijecimento doloroso no braço. Tinha
aprendido a se entregar, a não criar resistência. Às
vezes, um volume imaterial aparecia diante de seus olhos
e era dali, daquelas páginas invisíveis, que Chico
copiava os textos do outro mundo. Em outras ocasiões,
escrevia como se alguém lhe ditasse as mensagens e,
enquanto colocava as palavras no papel, experimentava no
braço a sensação de fluidos elétricos e, no cérebro,
vibrações indefiníveis. De vez em quando, esse estado
atingia o auge e Chico perdia a sensação do próprio
corpo. Sem medo, já podia ser o instrumento passivo dos
mortos-vivos.
Um feiticeiro. Um maluco incapaz de separar o sonho da
realidade. Os rumores persistiam na cidade. Um padre de
Belo Horizonte fez um discurso inflamado na igreja de
Pedro Leopoldo contra o Espiritismo e encerrou o sermão
mandando Chico Xavier para o inferno. O rapaz,
impressionado, correu para o colo invisível da mãe,
contou seu drama e ouviu dela o muxoxo:
- E daí? Ele te mandou para o inferno, mas você não vai.
Fique na Terra mesmo...
Poucas semanas depois, um intelectual, também de Minas,
desembarcou na cidade. Chico vestiu sua melhor roupa e,
com a pasta de poemas debaixo do braço, foi levado por
um amigo até o forasteiro. O literato passou os olhos
pelos versos, classificou tudo como "bobagem" e, com os
olhos fixos no autor, encheu a boca:
– Este rapaz é uma besta.
O amigo de Chico defendeu a inteligência dele, sua
dedicação aos espíritos, seu cuidado com os poemas
vindos do outro mundo. O intelectual reviu seu
julgamento:
– É uma besta espírita!
Chico, inconformado, buscou abrigo, mais uma vez, sob as
saias de Maria João de Deus.
– Viu como eu fui insultado?
Ouviu mais um muxoxo materno:
– Não vejo insulto algum. Acho até que você foi muito
honrado. Uma besta é um animal de trabalho. E é valioso
e útil, a serviço do Espiritismo, quando não dá coices.
Do livro As Vidas de Chico Xavier , de Marcel
Souto Maior.