Corria o ano de 1946, Chico e Wantuil trocavam cartas a
respeito do avanço da Doutrina Espírita e as atividades
administrativas da FEB:
“(...) Continuo fazendo votos a Deus para que tudo aí se
processe calmamente. Sentindo a delicadeza da hora que
atravessamos, rogo a Jesus nos guie na luta e te inspire
na ação. Tenho receio de que se forme uma ala de
descontentes e revoltados em torno de tua administração
que vem produzindo tantos frutos benéficos e
substanciais. Encontro-me, porém, em prece, pedindo ao
Alto nos ajude e ilumine a todos (...). Grato pelas
informações que me envias, quanto ao “Obreiros da Vida
Eterna”. Fizeste muito bem, colocando o texto de acordo
com o quadro de apresentação da capa. A tua ideia de
modificar a expressão foi muito feliz. (...)”
Seis dias depois, Chico escreve novamente a Wantuil e,
logo no início, refere-se às preocupações de ambos em
relação à Assembleia da FEB que se aproximava.
Reconhece, mais do que ninguém, os “frutos benéficos e
substanciais” que a administração de Wantuil de Freitas
produz. Este fato o leva a recear que se forme uma “ala
de descontentes e revoltados”, pois sabe, à saciedade,
que quando o trabalhador se empenha e persevera na obra
do bem os resultados positivos se fazem sentir, mas logo
surgem aqueles que não se afinam com tais resultados.
Que sempre pensam poder fazer melhor. Que sentem inveja
e ciúme. Que se revoltam por não serem responsáveis pelo
êxito. Ou, ainda, aqueles que, tendo uma outra ótica da
tarefa, não se conformam com os métodos adotados.
Intercalando os seus comentários sobre o assunto,
menciona o livro de André Luiz, “Obreiros da Vida
Eterna”, e deixa claro que está de acordo com a
providência de Wantuil quanto a determinado texto em
relação à capa. O mesmo acontece quando ele modifica uma
expressão. A identificação entre os dois se torna, a
cada dia, mais evidente. Wantuil tem condições de
argumentar, sugerir e modificar. Está à altura dessa
tarefa. E consoante o espírito de liberdade existente
entre ambos, quando não estão de acordo sobre algum
ponto não há constrangimento nessa discordância, mas,
sim, troca de ideias até que o pensamento se harmonize
para o bom êxito do labor a que se dedicam.
“(...) Imagino a tua luta nos círculos grandes do
trabalho a que foste chamado. Estou praticamente num
retiro distante, em pleno sertão, e, pelo pouco que vejo
e sinto, às vezes me reconheço quase vencido pela
extensão dos embates morais... Então, passo a calcular o
que será a tua batalha enorme sob o fogo cruzado das
opiniões contraditórias e das atitudes incompreensíveis.
Deus te guarde e te conceda forças para prosseguir.”
Chico avalia a extensão das lutas de Wantuil “nos
círculos grandes do trabalho”. De longe, do “retiro
distante”, que as características do seu labor assim o
exigiam, Chico se mantém sintonizado com a tarefa
ingente encetada por Wantuil de Freitas.
As tarefas dos dois, embora diferentes, se completam.
O trabalho de Chico Xavier para a recepção dos livros,
das mensagens do Mundo Espiritual Maior, exige uma certa
reclusão, um ambiente que não lhe traga problemas de
cunho administrativo, mesmo os de âmbito menor, e um
pequeno grupo de companheiros também afinados com o seu
ministério apostolar, que lhe garanta um mínimo de
tranquilidade imprescindível para levá-lo adiante.
Já Wantuil de Freitas, espírito decidido, culto,
dinâmico, bastante avançado para a sua época, é bem
aquele desbravador que a FEB necessita àquela hora —
para ampliar o trabalho do livro e sedimentá-lo, sem,
contudo, descurar-se de todas as outras imensas
atividades afetas à Federação e que, igualmente, merecem
da sua conhecida competência toda dedicação e empenho
para o seu desenvolvimento constante. Durante a sua
administração, momentos cruciais e decisivos enfrentados
pela FEB, por Chico Xavier e pelo próprio Movimento
Espírita foram por ele superados com o necessário
descortino, zelo e inspiração. Chico descreve muito bem
a posição difícil de Wantuil:
“Então, passo a calcular o que será a tua batalha enorme
sob o fogo cruzado das opiniões contraditórias e das
atitudes incompreensíveis.”
Os encargos administrativos, conquanto por vezes sejam
muito cobiçados, são bastante espinhosos, quando se
deseja realmente servir a Jesus.
Do livro Testemunhos de Chico Xavier, de Suely
Caldas Schubert.