A outra face
Alguns ensinos de Jesus soam estranhos aos nossos
ouvidos. Um exemplo: “Se alguém te ferir na tua face
direita, oferece-lhe também a outra” ¹. Aquele
que já recebeu um golpe no rosto deve aceitar com
naturalidade um novo insulto?
Jesus se valia das circunstâncias da vida social para
tirar lições que pudessem chegar ao espírito dos que o
ouviam. Evidente que esse pensamento, como todos os
outros que emitiu, tem um fundo exclusivamente moral.
Qual é a essência desse ensinamento? Conforme análise de
Allan Kardec n’O Evangelho segundo o Espiritismo,
capítulo XII, aquele que for agredido, usurpado nos seus
direitos, material ou moralmente, não deve revidar, “dar
o troco”, vingar-se.
Sugerindo uma atitude pacífica, Jesus não proibiu o
direito de defesa a quem se sinta ofendido, o que seria
um despropósito. Teríamos então um comportamento
masoquista se o indivíduo lesado uma vez se permitisse
continuar a sê-lo.
O princípio de autodefesa, além de ser um direito, é um
recurso sustentado pelo instinto natural de conservação,
através do qual zelamos pela nossa integridade física e
moral contra qualquer tipo de agressão.
Por outro lado, esse princípio de autodefesa não dá
motivo ao prejudicado de impor ao outro o mesmo
prejuízo, de violar os seus direitos, de “fazer justiça
com as próprias mãos”.
Mas há aqueles que ainda pensam como os homens do tempo
de Moisés (3.500 anos atrás), em que o “olho por olho,
dente por dente” era lei. São os orgulhosos, de
exagerado personalismo, cheios de preconceito, que acham
que “levar desaforo pra casa” é desonra, aceitar a
sugestão evangélica é ser covarde. Eles estão longe de
compreender que é melhor suportar um insulto do que
revidá-lo.
Quando se suporta o insulto, a injustiça, a perseguição
sem revide ou vingança, se está fortalecendo o coração
com o exercício da humildade, numa visão pacífica de
situações adversas que muitas vezes não se tem como
modificar ou alterar. Há nessa atitude aparentemente
passiva de não revidar a essência da caridade e uma
grande coragem moral. Do ponto de vista espiritual, não
revidar já é uma defesa.
A vingança alimenta o ódio, nos igualando ao agressor,
nos enredando a ele, fazendo arrastar um conflito, uma
desavença por muito tempo, nessa vida ou “fora dela”.
“Jesus não proibiu a defesa, mas condenou a vingança”,
reflete Allan Kardec. “Oferecer a outra face”, por
extensão, significa não retribuir o mal com o mal, e que
é preferível ser ofendido, injustiçado, perseguido,
arruinado, que ser a causa do infortúnio de alguém.
¹
Mateus, V: 38-42.