Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 19)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.


Questões preliminares


A. Conforme as descobertas da Química, quais são os quatro elementos químicos presentes em todas as substâncias orgânicas?

São o carbono, o oxigênio, o hidrogênio e o azoto ou nitrogênio. As pesquisas levaram os químicos à conclusão de que esses quatro corpos são os princípios básicos elementares de todas as substâncias orgânicas e se encontram, muitas vezes, combinados com alguns outros corpos simples e diversos sais minerais. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

B. É verdade que os quatro elementos químicos citados podem ser encontrados na atmosfera da Terra?

Sim. Segundo Flammarion, os quatro elementos existem inteiramente formados na atmosfera. O ar é um composto de oxigênio e azoto, associados a pequena porção de ácido carbônico, ou seja de carbono combinado com o oxigênio. Mas a atmosfera tem também, em suspensão, o vapor d'água e ninguém ignora que a água é um composto de oxigênio e hidrogênio. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

C. Pode-se dizer que um dos objetivos da presença do homem na Terra é conhecer a Natureza e senhorear a matéria?

Sim. Pelo menos é o que diz Flammarion. O homem está na Terra para conhecer a Natureza e senhorear a matéria. O conhece-te a ti mesmo dos antigos se traduz em nossos dias pelo estudo do mundo exterior e é por esse estudo fecundo que verdadeiramente aprenderemos a conhecer-nos a nós mesmos. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)


Texto para leitura


382. É interessante deter-nos, por um instante, nas decisivas manipulações de nossos ilustres químicos. A partir dos fins do último século (séc. 18), como adverte Alfredo Maury
[i], tem-se reconhecido que as matérias que se desenvolvem nos vegetais e nos animais, recolhidas dos seus restos, encerram quase exclusivamente carbono, oxigênio, hidrogênio e azoto(1). Daí se concluiu serem estes quatro corpos os princípios básicos elementares de todas as substâncias orgânicas e que se encontram muitas vezes combinados com alguns outros corpos simples e diversos sais minerais. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

383. Este primeiro resultado nos ensinou que, se vegetação e vida são forças à parte, insusceptíveis de se confundirem com o simples movimento, com a afinidade e a coesão, elas de si nada criam e apenas apropriam o material do reino mineral que as rodeia. De fato, os quatro elementos orgânicos existem inteiramente formados na atmosfera. O ar é um composto de oxigênio e azoto, associados a pequena porção de ácido carbônico, ou seja de carbono combinado com o oxigênio. A atmosfera tem, ao demais, em suspensão, o vapor d'água e ninguém ignora que a água é um composto de oxigênio e hidrogênio. Portanto, as matérias orgânicas tiram dessa massa fluídica e inorgânica que as envolve e compenetra o nosso globo os elementos de sua composição. Quanto às outras substâncias encontradas, por assim dizer, acidentalmente, em sua trama, são apropriadas do solo. As plantas os sugam e os animais, nutrindo-se das plantas, os assimilam. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

384. A Química pode criar imediatamente esses elementos orgânicos e foi o Sr. Büchner o primeiro a proclamá-lo, com entusiasmo. Os químicos fizeram o açúcar de uva bem como vários ácidos orgânicos. Criaram, dizem, diferentes bases orgânicas e entre elas a ureia, substância orgânica por excelência, em desmentido aos médicos que os arguiam de incapazes de obter produtos do organismo. Dia a dia vemos aumentarem as experiências químicas no sentido de criar combinações. O Sr. Berthelot conseguiu engendrar, de corpos inorgânicos, os derivados das combinações de carbono e hidrogênio e esta descoberta, mau grado ao seu desacordo com a natureza orgânica, forneceu um ponto de partida para a composição artificial dos corpos orgânicos. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

385. Hoje se fabricam o álcool e perfumes preciosos do carvão vegetal; da ardósia extraem-se velas; o ácido prússico, a ureia, a taurina e quantidade de corpos outros, havidos outrora por só criados de substâncias vegetais ou animais, tornam-se obteníveis de simples elementos da Natureza inorgânica. Assim, apagou-se, graças a essas manipulações, a clássica distinção entre a Natureza orgânica e inorgânica. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

386. Em 1828, produzindo ureia artificial, Woehler derrubou a velha teoria que sustentava só possíveis as combinações orgânicas engendradas por corpos orgânicos. Em 1856, Berthelot criou o ácido fórmico com substâncias inorgânicas, isto é, óxido carbônico e água, aquecendo estas matérias com a potassa cáustica e sem cooperação de planta ou animal qualquer. Logo após, conseguiram diretamente desses elementos a síntese do álcool. Chegaram mesmo a produzir a gordura artificial do ácido oleico e da glicerina, duas substâncias que se podem obter por processos exclusivamente químicos, e aí temos um dos resultados mais extraordinários até hoje conseguidos na Química sintética. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

387. Desses dados, o autor de Força e Matéria concluiu que importa banir da vida e da Ciência a ideia de uma força orgânica, produtora dos fenômenos da vida, por maneira arbitrária e independente das leis da Natureza. Tal como ele, também repelimos o arbitrário, mas guardamos a força. Ele nos garante que a pretendida distinção rigorosa entre o orgânico e o inorgânico é meramente arbitrária. Mas, nisso, tem contra si os representantes da vida terrena, em sua totalidade. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

388. Sem embargo, Carl Vogt acrescenta que “alegar a força vital não passa de circunlóquio para mascarar ignorância, espécie de alçapões de que a Ciência está cheia e pelos quais se salvam sempre os espíritos superficiais, que recuam ante o exame de uma dificuldade, para somente se contentarem com milagres imaginários”. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

389. Neste caso, a doutrina da força vital representaria hoje uma causa perdida. Nem os esforços dos naturalistas místicos, no intuito de reanimar essa sombra; nem os lamentos dos metafísicos esconjurando as pretensões e a irrupção iminente do materialismo fisiológico e contestando-lhe o contingente filosófico; nem as vozes isoladas que assinalam fatos da Fisiologia ainda obscuros; nada disso pode salvar a força vital de próxima e completa ruína. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

390. Há alguns anos, Bunsen e Playfer mostraram – diz o autor de A Circulação da Vida, e Rieken confirmou logo após – que é possível obter cianogênio (combinação de azoto e hidrogênio) à custa de substância inorgânica. Por outro lado, sabemos que o hidrogênio, no momento em que se separa das suas combinações, pode unir-se ao azoto para formar o amoníaco. De resto, pode-se ir do cianogênio ao amoníaco. Basta expor ao ar o cianogênio dissolvido em água, para que se vejam flocos pardacentos desagregando-se do líquido, sinais de decomposição, em seguida à qual encontramos o ácido carbônico, o prússico, amoníaco, oxalato de amoníaco e ureia, dissolvidos no líquido. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

391. “Assim, ficamos agora conhecendo três substâncias – exclama Moleschott –: uma base orgânica – o amoníaco; um princípio acidulante orgânico – o cianogênio, e um ácido orgânico – o oxálico, que podemos fabricar com corpos simples. Não há muitos anos, acreditava-se possível preparar um e outro mediante decomposição de combinações orgânicas as mais complexas, mas ninguém imaginaria obtê-las de elementos simples. No amoníaco temos uma combinação de azoto e hidrogênio, sem partilha de corpos orgânicos. Este enigma, que a esfinge da força vital nos antepunha como espantalho, para impedir o nosso avanço na preparação artificial das combinações orgânicas, foi resolvido por Berthelot. Ele derrubou a esfinge e seus adoradores, substituindo-os por uma plêiade de investigadores, a cujas mãos passou os fios que lhes deverão servir para levar avante a trama das descobertas, a fim de reproduzirem todas as peças do mundo orgânico.” (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

392. Acrescentamos que se obtém hoje o ácido acético, fazendo passar por três estados um combinado de cloro e carbono, que são: percloreto de carbono, ácido cloracético e cloreto de carbono, bem como que a combinação direta de carbono e hidrogênio dá a síntese do acetileno[ii]. Mais fácil ainda é preparar o ácido fórmico com o só auxílio de corpos simples, qual o conseguiu o professor do Colégio de França, operando com a potassa úmida sobre o gás óxido-carbônico, num globo de vidro à prova de fogo e por espaço de setenta e duas horas, à temperatura de 100 graus[iii].(Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

393. De resto, a Natureza extrai as substâncias orgânicas da mesma fonte a que recorrem os químicos em seus experimentos de laboratórios. Certamente, palmeamos a duas mãos (mesmo porque com uma só fora impossível) essas admiráveis tentativas da Ciência e não é a nós que poderiam reprochar embargos ao gênio criador do homem. Ele, o homem, está na Terra para conhecer a Natureza e senhorear a matéria. O conhece-te a ti mesmo dos antigos se traduz em nossos dias pelo estudo do mundo exterior e é por esse estudo fecundo que verdadeiramente aprenderemos a conhecer-nos a nós mesmos. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

394. Acreditamos, com o Sr. Maury, que o alcance de tantas descobertas compensa de sobejo o esforço para as compreender. Que ciência nos poderá mais cativar do que a que nos revela a matéria de que nos constituímos e nos alimentamos; as substâncias com as quais estamos em contacto, os efeitos físicos que se operam dentro e fora de nós, onde transitam e como rejeitamos as partículas incessantemente assimiladas? (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

395. Não são assuntos de somenos, estes, particularistas e momentâneos: antes são problemas que abrangem a humanidade física em sua totalidade, é o mundo dos seres a que pertencemos que está em jogo. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

396. Despendendo amiúde muito trabalho e inteligência para penetrar no dédalo de mesquinhas controvérsias e fatos insignificantes, como descurarmos o que mais interessa, ou seja, esta maravilhosa Natureza no seio da qual nascemos, vivemos e morremos; que nos precede e nos sobrevive, fornecendo a todas as gerações os princípios essenciais de sua própria existência? (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

397. Contudo... Nem por isso nos associamos às pretensas consequências que os senhores materialistas deduzem, consequências que os senhores Berthelot, Pasteur e os químicos práticos são os primeiros a repudiar. Os materialistas presumem ter a chave mais difícil do enigma, uma vez que podem produzir gás artificial com os corpos simples. Misturando-se cianato de potassa e sulfato de amoníaco, a potassa combina-se com o ácido sulfúrico e o ácido ciânico com o amoníaco. Esta última combinação não é cianeto de amoníaco e sim ureia. Admirai agora a ilação: “É graças a esta brilhante descoberta que Liebig e Woehler abriram dilatadas perspectivas nessa via e conquistaram um eterno galardão, dando, um tanto involuntária e despreconcebidamente, a prova de que, doravante, a flama da vida se resolve em forças físicas e químicas”. Que honra para Liebig e Woehler o serem assim arrastados para as nascentes do Aqueronte. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

398. Nossos adversários gostam desse rio e das suas margens sombrias. “Certo – acrescentam –, o químico isento de preconceitos, que não fala a serviço do trono e do altar, contando tranquilamente com a vitória certa, pode sorrir do pobre filósofo, cujo saber não ultrapassa o conhecimento da ureia e que acredita impor limites ao poder do fisiologista.” Que altar e que trono nomeariam ministros uns tais lógicos? A própria Ciência vive retraída em seu santuário e os deixa rondar o tempo, a repicar o sino e fazer evoluções. Que conclusão definitiva tira a escola materialista dessas manipulações? A de que a Química e a Física nos oferecem provas evidentes de que as forças conhecidas, das substâncias inorgânicas, exercem a sua ação, tanto em a Natureza viva como na morta. Pela mesma razão que os obrigou a divinizar a matéria, em substituição a Deus, vemo-los animar, sem cerimônias, a matéria para destronar a vida. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida.)

 

(1) Atualmente, no lugar de azoto, utiliza-se o termo nitrogênio. Na época de Kardec e de Flammarion, azoto era o vocábulo utilizado para designar o elemento químico de número atômico 7. Gramaticalmente falando, trata-se de vocábulos sinônimos.


 

[i]     Revue des Deux Mondes – 1º de Setembro de 1865.

[ii]    Berthelot – Chimie Organique Fondée sur la Synthèse.

[iii]   Sobre os recentes progressos da Química orgânica, convém consultar os interessantes relatos das sessões da Academia, principalmente nestes últimos tempos.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita