Direitos Humanos, Filosofia, Educação e
Cidadania
A dimensão educacional do homem não é uma questão nova,
mas é um problema atual, que a partir dele se geram
conflitos político-partidários e, até, institucionais.
Há mais de dois mil anos, Platão já afirmava: “São
precisos cinquenta anos para fazer um homem” e, mais
recentemente, Kant produzia, numa das suas máximas, um
princípio inquestionável: “Tratar o homem como fim,
não como meio”. Muitas outras ideias podíamos aqui
trazer, todas válidas, atuais e polêmicas.
Quer queiramos, ou não; quer gostemos, ou não,
movemo-nos num mundo de valores, o homem não pode
negar-se, enquanto ser cultural, apto a transformar a
natureza, ainda que parcialmente, em função das suas
carências, com a possibilidade de poder escolher os
meios e os fins, a partir de valores que a sua cultura
lhe oferece. É em função de tais valores que reagimos,
que vivenciamos certas experiências, sejam físicas ou
psicológicas.
O universo de valores é tão antigo quanto a capacidade
que o homem tem de pensar a respeito das suas ações,
todavia, só no século XIX é que surge uma teoria dos
valores ou axiologia, como disciplina filosófica,
específica, que aborda, sistematicamente, esta temática.
Com muita frequência, e muitas vezes de forma abusiva e
errada, formulamos juízos de valor, quando descobrimos,
em determinadas realidades, um conteúdo que nos provoca
atração ou repulsa, pretendemos, afinal, atribuir um
critério de verdade a partir da nossa observação.
Com efeito: «Os valores não são, mas valem. Uma coisa
é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que
vale, não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é
indiferente. A não indiferença constitui esta variedade
ontológica que contrapõe o valor ao ser. A não
indiferença é a essência do valer». (MORENTE,
1996:296)
Naturalmente que no âmbito da Educação, os valores são o
fundamento de todas as nossas ações, e é impossível não
reconhecer a sua importância na prática educativa,
apesar de nem sempre serem nitidamente tematizados pela
sociedade e, ao nível dos educadores, nem todos pautarem
a sua intervenção por uma axiologia refletida e atenta.
É certo que a educação se tornará mais coerente e eficaz
se conseguirmos implementar os valores que esclareçam as
bases de uma educação moderna, isto é, Humanista, em
que o primado da dignidade da pessoa humana seja uma
constante, como um valor a preservar em quaisquer
circunstâncias, aliás, não haverá teoria da educação que
possa ignorar os valores éticos, morais, políticos e
estéticos.
Evitando uma conceptualização demasiado redutora,
entendemos, hoje, a moral como um conjunto de regras ou
normas de conduta, observadas pelos indivíduos de um
determinado grupo social, com o objetivo de organizar as
relações interpessoais, justamente, segundo os valores
do bem e do mal.
As sociedades, assim organizadas, estimulam um
determinado número de comportamentos, considerados
adequados aos valores em vigor, e sancionam, pela
negativa, aquelas atitudes que não se conformam à moral
vigente, seja através da reprovação declarada, seja pelo
desprezo, indignação ou afastamento.
No âmbito da práxis educativa, não é linear que se possa
ensinar, no sentido acadêmico de dar lições, por
exemplo, sobre o que são: a virtude, a justiça, a
coragem, a piedade, a esperança, a modéstia, o
altruísmo, a obrigação e tantas outras, mas já é
possível revelar a dimensão formal e processual da
constituição da consciência moral, e criar condições
para que as pessoas alcancem altos níveis de moralidade.
O auge da vida moral, no sentido da perfeição, será um
objetivo impossível de alcançar para o ser humano, no
entanto, à medida que o homem se desenvolve pela
inteligência e pela afetividade pode atingir parâmetros
cada vez mais adequados à compreensão racional do mundo
e conseguirá ultrapassar atitudes egocêntricas, pelos
valores da solidariedade, humildade e reciprocidade.
Vivemos num mundo complexo, de contrastes extremos, de
uma certa relativização dos valores fundamentais que
enformam (ou deveriam enformar) a dignidade humana. A
educação vem desempenhando um papel que nós, professores
e formadores, consideramos insubstituível, de uma
importância vital para o desenvolvimento, não
exclusivamente técnico, mas simultaneamente do cidadão,
do saber ser, do saber estar e do saber conviver com os
outros.
A educação deve, assim, atender às exigências
primordiais da formação do cidadão, não tanto fazer
reivindicações de elites, nem expectativas das minorias
privilegiadas, detentoras do poder quase ilimitado,
ainda que democrático, muito embora tenhamos que
reconhecer que nenhuma educação é totalmente neutra.
Na discussão contemporânea a respeito da política, a
democracia é considerada como um objetivo supremo, no
sentido do bem, todavia, este ideal colide, quantas
vezes, com velhas estruturas instaladas; por outro lado,
nas sociedades autoritárias, o poder é exercido por
poucos e exclui a maioria da população da faculdade de
decidir no seu próprio interesse, contrariamente, na
democracia, o poder é distribuído pelos grupos que
compõem a sociedade, sendo este regime o que mais
favorece a cidadania, logo, desejavelmente, os Direitos
Humanos.
A educação desempenha (pode e deve cumprir) aqui um
papel crucial na formação da cidadania, pese, embora, a
circunstância de ter que enfrentar atitudes de
segregação, preconceito, exclusão e tantos outros
comportamentos desviantes, ou então, porque as pessoas
estão acostumadas a obedecer dentro de um regime
autoritário, hierarquizado, coercivo e persecutório.
Neste cenário, não é suficiente a escola, isoladamente
considerada, pois é preciso mobilizar um esforço
conjunto e permanente: dos governos, pais e encarregados
de educação, professores, formadores, alunos, formandos,
coletividades, a sociedade civil em geral.
Educar para a cidadania e Direitos Humanos é, portanto,
uma tarefa árdua, porém gratificante. Devemos
implementar uma ética política que se estenda às
relações de trabalho, à vida familiar, às relações na
escola, exigindo do Estado que cumpra com as suas
obrigações Constitucionais.
Há muito para fazer na educação, desde logo: dar melhor
formação humana, técnica e científica aos professores e
formadores; aceitar os docentes e formadores experientes
na vida quotidiana, dotados de vivências humanas ricas,
sem o preconceito e o normativo dos limites de idade;
escolas bem equipadas; análises e debates
crítico-construtivos, sobre quaisquer situações do mundo
atual. Enfim, uma educação que conduza ao pleno respeito
pelos Direitos Humanos e de plena cidadania.
Ao longo dos trabalhos que têm vindo a ser publicados e
de outros prontos para o mesmo efeito, tem sido
preocupação dominante do autor da presente reflexão
desenvolver as investigações possíveis, numa perspetiva
ecléctica e interdisciplinar, no sentido de destacar a
importância da Filosofia, em particular, e da ciência em
geral, no contributo que pode dar para uma melhor vida
dos cidadãos, num mundo que se pretende de Paz,
Progresso, de Solidariedade, de Democracia e Tolerância,
no pleno respeito pelos Direitos Humanos.
Têm sido abordadas quatro dimensões, de entre outras,
que caraterizam o homem dos nossos dias: a Filosofia, a
Religião, a Ciência e a Educação/Formação para os
valores humanos, porque, verdadeiramente, na transição
do século XX para o XXI, que também coincidiu com a
passagem do segundo para o terceiro milênios, os
problemas que afetam a humanidade exigem que o homem os
resolva: quer pela reflexão ponderada; quer pela
intervenção equilibrada; quer pela formação cívica,
contudo, estas vertentes do conhecimento humano, também
elas reagem às permanentes instabilidades do nosso
tempo, atravessam crises mais ou menos profundas, e
emergem com novos conceitos, com novos paradigmas, com
novos valores que, sendo respeitáveis, há que ajustá-los
às atuais realidades.
Neste período transitório, devemos, todos juntos,
aproveitar as potencialidades dos diversos ramos do
saber, conjugar esforços, reunir sinergias e, entre
filósofos, religiosos, cientistas e
educadores/formadores, construirmos os padrões da
insubstituível dignidade humana, para podermos vencer os
inúmeros desafios que nós próprios nos colocamos, uns
aos outros.
O trabalho que agora desenvolvo, da minha exclusiva
responsabilidade, poderá ser um modesto e ínfimo
contributo para, quanto mais não seja, ao nível da
comunidade nacional, poder melhorar a minha intervenção,
não só como cidadão, como professor, formador, mas
principalmente como homem e, nesse sentido, pesem embora
as crises por que passam as áreas disciplinares aqui
abordadas, creio estar na hora de ultrapassarmos velhas
querelas, velhas rivalidades, e resolvermos os problemas
das nossas populações. Será, certamente, no respeito
pelos direitos e deveres de cada um que se chegará a
consensos alargados.
Podemos abordar a problemática dos Direitos do Homem a
partir de várias possibilidades estratégicas,
metodológicas ou mesmo teleológicas, contudo, numa forma
simples e clara, parece-me pertinente invocar o
princípio segundo o qual: «Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para
com os outros em espírito de fraternidade» (ONU, 1948
Artº 1º), ao qual se acrescentaria a máxima: «Não
se deve perder a fé na humanidade: a humanidade é um
oceano limpo e um par de pingos sujos não sujam o
oceano»
(Gandhi).
Aproxima-se a comemoração do 69º aniversário da
aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(1948-2017). Infelizmente com o recrudescimento de
conflitos e fundamentalismos diversos, deve constituir
real incentivo, e preocupação, para que as problemáticas
dos Direitos (e Deveres) Humanos comecem a ser tratadas
com o devido e merecido discernimento e seriedade que
merecem; sendo sabido que hoje, ainda que,
possivelmente, menos que ontem, os Direitos Humanos, que
abarcam um conjunto muito vasto das dimensões da vida
humana, continuam a ser discutidos como carta de
“boas intenções”, concretamente por interesses
econômicos ou burocracias instaladas, por ditaduras e
repressões políticas, geoestratégicas, econômicas e,
eventualmente, outras.
A manifesta indiferença com que os Direitos Humanos são
invocados é, cada vez mais, alvo de denúncia por parte
das Organizações Não Governamentais, do olhar indiscreto
da Mídia, dos bilhões de pessoas que sentem na vida
diária a miséria, o analfabetismo, a intolerância, as
discriminações, a violência e a guerra.
A este propósito veja-se a situação portuguesa (2008)
que, de acordo com o Jornal Nacional da TVI de 11 de
julho de 2008, segundo o qual: cerca de dois terços dos
portugueses, à época, viviam com muitas dificuldades, um
milhão, com aproximadamente dez euros por dia e cerca de
duzentos e cinquenta mil com cinco euros diários. Hoje,
felizmente, algumas situações alteraram-se, para melhor.
Por outro lado, novos desafios apareceram: eutanásia,
tráfico de órgãos, clonagem, degradação e delapidação do
meio ambiente, até mesmo o processo de globalização das
economias.
A subordinação dos cidadãos à influência resultante dos
poderes econômico, bélico, recursos naturais
privilegiados e outros, que em alguns casos se
transforma no poder dos que “querem, podem e mandam”,
verifica-se, em todos os cantos do mundo. Os Relatórios
da Anistia Internacional, das Organizações Não
Governamentais e denúncias dramáticas da própria Igreja
Católica são a prova insofismável de que ainda há “muitos
pingos sujos a sujarem o oceano da humanidade” que
se pretende livre, justa, digna e pacífica!
A problemática dos Direitos do Homem é, obviamente,
muito complexa, porque a noção de Direitos do Homem é
tão frequentemente utilizada, como raramente
esclarecida, mas é indispensável clarificá-la, porque
coloca tais direitos no centro da política, no seio das
relações entre o Poder e a Pessoa, o que determina,
deste modo, a política dos direitos, isto é, a conduta
dos homens em sociedade, face aos seus possíveis
direitos, ou, dito de outro modo: «Os Direitos do
Homem são a resultante principal e o sinal mais
revelador da relação entre o poder e a pessoa, ou seja,
da primeira relação política. Assim, a sua problemática
é a do próprio Poder. No seu conjunto, a Filosofia
política negligenciou, durante muito tempo, a pessoa e
as suas prerrogativas para se interessar,
preferencialmente, pelo Poder, dirigindo-se à pessoa
apenas por via indireta» (MOURGEON, 1982:34).
Naturalmente que a conduta dos homens, em sociedade, tem
a ver, necessariamente, com o reforço da
responsabilidade individual, tanto mais indispensável
quanto mais livre essa sociedade for. A responsabilidade
individual aparece, assim, associada ao tema
“liberdade”, ou, se quisermos, a liberdade anda sempre
associada à responsabilidade.
Na verdade: «A necessidade de liberdade e de
autonomia é tão congênita ao homem como a do Poder,
constituindo ambas as componentes principais da
política, num antagonismo permanente. A tragédia da
política e dos Direitos do Homem está toda na divisão da
pessoa e, a partir daí, da sociedade, entre a obediência
e a libertação» (Ibid.:38).
Hoje, não podemos falar de responsabilidade individual,
sem referência a valores, e da origem destes, os quais
nasciam, tradicionalmente, na sociedade e eram apoiados
pela família e pela Igreja, afinal, a preservação do
Estado Democrático, em cujos vértices se situam a
liberdade, a responsabilidade e os valores capazes de
fundamentar, nos membros da sociedade, a vontade de
defender e consolidar a liberdade.
Tais valores que se identificam com o amor da liberdade,
com as virtudes cívicas (verdade, solidariedade,
lealdade, aplicação ao trabalho, deveres e Direitos
Humanos), cuja diversidade de aplicação comporta, enfim,
uma dualidade de propensões simultâneas: «A Tendência
para a reivindicação dos direitos face ao Poder e a
Tendência para a organização dos direitos pelo Poder,
levadas às últimas consequências: a primeira é a mãe das
resoluções; a segunda origina repressões»
(Ibid.:43).
Invoca-se, atualmente, com demasiada frequência
(correndo-se o risco de cair na banalização) a
propósito, e algumas vezes a despropósito, os Direitos
Humanos, contudo, nem todos sabemos, objetivamente, o
que isto é, e vários conceitos surgem em função de
determinadas ideologias político-institucionais, dizendo
que: «se trata de prerrogativas concedidas ao
indivíduo/grupo, tidas por essenciais, que toda a
autoridade política (e todo o poder em geral) teria
obrigação de garantir o seu respeito, constituindo os
Direitos do Homem as proteções mínimas que permitem ao
indivíduo/grupo viver numa vida digna desse nome,
defendido das usurpações do arbítrio estatal»
(HAARSCHER, 1993:13).
Será oportuno afirmar-se que os Direitos do Homem
representam as regras do jogo mínimas, que devem ser
respeitadas pelos governos e pelos governados, para que
uma vida digna desse nome seja possível numa sociedade
civilizada.
Indiscutivelmente que os Direitos Humanos pressupõem
valores, que a Sociedade Organizada, e convencionada,
procura respeitar, destacando-se a liberdade, qualquer
que seja a perspectiva, isto é, consideremos a liberdade
de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de
educar.
A civilização ocidental, neste domínio, tem sido
pioneira, aliás, poderá parecer um lugar comum
afirmar-se que: «O ocidente foi fundado por dois
acidentes históricos, o milagre grego e o cristianismo.
Podemos expressar isto com a palavra “sorte” porque
estes fenômenos não foram planeadamente criados,
simplesmente surgiram» (PEREIRA, 1993:175).
Bibliografia:
MORENTE, M. G., (1996). Fundamento de Filosofia –
Lições Preliminares. 2a Ed. São Paulo:
Mestre Jou.
MOURGEON, Jacques, (1982). Os Direitos do Homem.
Lisboa: Publicações Europa-América.
ONU-ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (1948) Declaração
Universal dos Direitos do Homem, Lisboa: Amnistia
Internacional, Secção Portuguesa, 1998;
PEREIRA, Júlio César Rodrigues, (1993). Epistemologia
e Liberalismo: (uma introdução à Filosofia de Karl R.
Popper). PUC/RS, Porto Alegre/RS, Edipucrs.