Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 21)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.


Questões preliminares


A. A Ciência, ao invés de esclarecer, pode mesmo causar-nos  dúvidas?

Sim. Pelo menos era esse o pensamento do Sr. Langel, exposto em sua obra Science et Philosophie, em que ele afirma que a Ciência pode arrastar-nos à dúvida, a negações espantosas, tendo ela mesma os seus mistérios insondáveis às vistas humanas. Não nos fala a Química, constantemente, de afinidade? E não temos aí uma força hipotética, uma entidade tão pouco tangível quanto a vida, ou quanto a alma? No simples fenômeno de uma combinação, no arrastamento que precipita dois átomos que se procuram e se reúnem, escapando aos compostos que os aprisionavam, não há o suficiente para nos confundir a inteligência? (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

B. Sobre as limitações do método experimental utilizado na ciência, que observação fez o Sr. Langel em sua obra?

Segundo ele, as ciências analisam as relações, aferem medidas, descobrem as leis que regulam o mundo fenomenal; mas não há fenômeno algum, por insignificante que seja, que não as coloque em face de duas ideias, sobre as quais o método experimental carece de eficiência, a saber: 1º - a essência da substância modificada pelos fenômenos, e 2º - a força que provoca essas modificações. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

C. A força vital escapa ao domínio da Química?

Sim. Lembra Flammarion que em parte alguma a planta mais rudimentar ou o animal mais ínfimo da escala zoológica nasceram do concurso das afinidades químicas. E afirma que, por maiores progressos que faça a Química orgânica, ela será sempre detida pela impossibilidade de originar a força vital, de que não dispõe. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)


Texto para leitura


412. Quando a Química deixou adivinhar no ser humano um alambique no qual o ácido procura a base, as moléculas se agrupam de acordo com as leis de que falamos na primeira parte; quando fizeram ver que o animal vivo não passa de um vaso de reações e que as forças químicas e físicas nele se entregam a perpétuo combate em campo fechado; quando mostraram que os fenômenos da fecundação, da nutrição e da própria morte mais não são que fermentações ordinárias, já se não sabe mais onde residem essas forças misteriosas que denominamos vida, instinto e consciência, quando se trata de criaturas humanas. Não tardaremos a entrar no âmago desta grave questão. Por enquanto, confessamos com o Sr. Langel[i] que a Ciência pode arrastar-nos à dúvida, a negações espantosas, tendo ela mesma os seus mistérios insondáveis às vistas humanas. Também ela se contenta com palavras, sempre que não pode penetrar a essência mesma dos fenômenos. Não nos fala a Química, constantemente, de afinidade? E não temos aí uma força hipotética, uma entidade tão pouco tangível quanto a vida, ou quanto a alma? (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

413. Ainda segundo o Sr. Langel, a Química recambia à Fisiologia a ideia da alma e recusa-se a tratar do assunto, mas, perguntamos, a ideia em torno da qual se desdobra a Química tem algo de mais real? Essa ideia é, muitas vezes, inapreensível, não só na essência como nos efeitos. Pode-se, por exemplo, meditar um instante nas leis conhecidas como leis de Berthelot, sem compreender que se está em face de um mistério impenetrável? No simples fenômeno de uma combinação, no arrastamento que precipita dois átomos que se procuram e se reúnem, escapando aos compostos que os aprisionavam, não há o suficiente para nos confundir a inteligência? (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

414. Observa o Sr. Langel que, quanto mais estudamos as ciências na sua metafísica, mais nos podemos convencer que esta nada tem de inconciliável com a mais idealista filosofia: as ciências analisam as relações, aferem medidas, descobrem as leis que regulam o mundo fenomenal; mas não há fenômeno algum, por insignificante que seja, que não as coloque em face de duas ideias, sobre as quais o método experimental carece de eficiência, a saber: 1º -   a essência da substância modificada pelos fenômenos, e 2º -     a força que provoca essas modificações. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

415. Concluindo, diz ele: “Só conhecemos e vemos, por fora, as aparências; a verdadeira realidade, a realidade substancial, a causa, nos escapa. Digno é de uma alta filosofia considerar todas as forças particulares, cujas manifestações são analisadas pelas diversas ciências, como oriundas de uma força primária, eterna, necessária, fonte de todo o movimento e centro de toda a ação. Em nos colocando neste ponto de vista, os fenômenos e os próprios seres não são mais que formas mutáveis de uma ideia divina”. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

416. Pode a unidade a que tende a Química fazer-nos pressupor que o mundo animado e o inanimado sejam regidos por leis idênticas? Deveremos lisonjear-nos com ideia de poder um dia, não apenas refazer artificialmente todas as matérias orgânicas, mas reproduzir “ad libitum” as condições em que hajam de aflorar a vida vegetal ou animal? Não, certamente. Tais pretensões seriam ilusórias. Não dispomos da vida. Fisiologia e Química são domínios que se extremam e se distinguem. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

417. Em parte alguma, a planta mais rudimentar ou o animal mais ínfimo da escala zoológica nasceram do concurso das afinidades químicas. Por maiores progressos que faça a Química orgânica, ela será sempre detida pela impossibilidade de originar a força vital, de que não dispõe. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

418. Diante dessa constatação, os materialistas revidam com gratuitas suposições: “Para sustentar uma força vital original – dizem eles – invoca-se amiúde a nossa impossibilidade de criar plantas e animais; e nada obstante, se pudéssemos senhorear a luz, o calor, a pressão atmosférica, tanto quanto as relações de peso da matéria, não somente ficaríamos aptos a recompor corpos orgânicos, como capacitados a preencher as condições que engendram o nascimento desses corpos”. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

419. E, sem perceber que suas palavras reforçam a nossa causa, complementam: “Desde que os elementos ditos carbono, hidrogênio, oxigênio, azoto se encontram organizados, as formas fixas daí resultantes têm o poder de conservar-se no seu estado e, tal como no-lo ensina a experiência até hoje adquirida, elas persistem através de centenas e milhares de anos. Por meio de sementes, de brotos e de ovos, essas formas reaparecem numa sucessão determinada”. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

420. Por outros termos, duas proposições se evidenciam: a primeira é que não poderíamos engendrar a vida senão como legado potencial da Natureza e a segunda é que a vida se mantém, persistente e transmissível, graças a uma virtude que lhe é própria. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

421. Tal é, verdadeiramente, a questão, e de duas uma: ou o homem é, ou não é (nem será) capaz de originar a vida. Neste último caso, as pretensões materialistas estão irremissivelmente condenadas e, no primeiro, por si mesmas se condenam, da seguinte forma: Laborando na organização da vida, somos forçados a nos submeter às leis ordenadas e as aplicar passivamente, sem as contrariar de qualquer forma. Então, já não seríamos nós a originar a vida e sim as leis eternas, das quais nos arvoraríamos, por um instante, em simples mandatários. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

422. Ademais, dado que os precedentes raciocínios não sejam suficientes para caracterizar o erro dos materialistas, consentimos, ao termo desta exposição sobre a circulação da matéria, em admitir que a Natureza emprega, para construir seres vivos, os mesmos processos do homem, isto é: – trata simplesmente pela química as matérias inorgânicas. Ora, ainda nesta hipótese, não haveria como negar a necessidade, para o construtor, de saber o que pretende fazer, ou de operar com um plano determinado. Pois uma natureza inteligente, ou o ministro de uma inteligência, substitui o químico. A obra do gênio consiste, precisamente, em fazer derivar de um pequeno número de princípios, facilmente formuláveis, as mais engenhosas aplicações, os inventos mais extraordinários. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

423. Esse gênio, do qual as mais portentosas inteligências humanas não representam senão partículas infinitesimais, reduziu à extrema simplicidade, à maior simplicidade possível, todas as operações da Natureza. A divina inteligência apresenta-se-nos como a consciência de uma lei única, abrangendo o todo universal, e cujas aplicações indefinidas engendram uma multidão de fenômenos que se aglutinam por analogia, regidos pelas mesmas leis secundárias, decorrentes da lei primordial. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

424. Certo, o químico ainda não substitui a vida, nem sabe formar o embrião em que o germe representa um papel tão maravilhoso. Em seus atos, contudo, ele se esforça por substituir a Natureza. E como? – pela inteligência. Um elemento existe, absolutamente indispensável: a inteligência. Soberana, ela se impõe ao raciocínio de quantos estudam a Natureza. E torna-se visível nessas regras que podem ser previamente determinadas, calculadas, combinadas, uma vez que guardam entre si um encadeamento admirável e são imutáveis em condições idênticas, porque receberam a inflexibilidade da infinita sabedoria. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

425. Está, portanto, demonstrado, à saciedade, que a circulação da matéria não se efetua senão sob a direção de uma força inteligente. Mas, seja qual for o rumo que trilhemos, voltamos sempre, a despeito de tudo, à formação da Natureza, à causa causal de quanto existe, e aqui o campo se torna mais vasto ainda. Os processos humanos já não embaraçam a vista. No extremo de todas as avenidas, chegamos ao ponto capital e trata-se, agora, de examinar a origem mesma da vida na Terra. Estarão os seres vivos encerrados na superfície do globo? Teriam aí surgido em seis dias, ao toque da vara de um mágico? Despertaram a súbitas do seio das florestas, da margem dos rios, nos vales adormecidos? (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

426. Que mão teria conduzido o primeiro homem do céu aos bosques do Éden? Que mão pudera abrir-se no ar e soltar a chusma canora de lindas plumagens? Seriam as forças físico-químicas, que, num espasmo fecundo, teriam dado nascimento aos habitantes de mares e continentes? Nós não encontramos seres que não tenham nascido de um casal, ou cujo nascimento não se ligue às leis estabelecidas para a reprodução. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)

427. Como teriam surgido na Terra as espécies vegetais e animais? Eis a questão que atualmente nos interessa. Depois de observar a plateia e o comentário dos espectadores, levantemos o pano que oculta o verdadeiro cenário e apreciemos a peça. A Natureza é sempre o maquinista invisível. Tentemos surpreendê-la, na esperança de que ela não seja bastante atilada para subtrair-se à nossa perquirição. (Deus na Natureza – Segunda Parte. A Vida. Circulação da Matéria.)


 

[i] Science et Philosophie.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita