Na caminhada matinal,
vê o amigo
vilaboense e sua
esposa. Fazem,
quase sempre,
o mesmo trajeto.
Contudo, o casal
inicia esse exercício mais cedo do que ele, mas, às vezes,
tem o prazer de
cumprimentá-los, acompanhando-os por alguns passos.
Num desses encontros, apresentou-lhe uma questão
ligada
à vida da
cidade
de Goiás, por
ele
muito amada,
pois que lá nasceu e viveu boa parte
de sua
existência. Tem raízes
bem fincadas naquele
chão, na sua
querida
Vila Boa de Goiás (antiga Capital do
Estado, também chamada Goiás ou Cidade de Goiás).
É sabido o amor que dedicam àquela bucólica
urbe! Esta é
peculiaridade
que os engrandece, pois
que, amando
aquele
pedacinho do Brasil, não
amam menos nossa pátria. Pelo contrário: quem
ama o coração,
ama o todo
com muito
mais razões.
[O disco LP ‘Modinhas
Goianas’ – produzido por Discos Marcus Pereira
–, gravado por Maria Augusta
Calado, traz os
versos
de uma delas que
particularmente
o tocam, pela
beleza
singela, pela
pureza e pela
felicidade com
que fala
de uma doce e
poética
paixão, mas, sobretudo, por sua origem:
no encarte
que
apresenta as letras
das canções, há a afirmação de que
era "cantada
pelo já
desaparecido bobo
de rua, Xará".
Essas canções podem ser ouvidas no YouTube; para isso,
clique aqui.
A questão se desdobra em
duas partes: quem
terá conseguido que o 'bobo'
aprendesse tal
letra e música?
E indaga-lhe mais:
seria mesmo ele um bobo, já que a
reproduz – com a
malícia
de quem entende
os mistérios
do amor –, no
seu
lirismo
encantador,
espontâneo?
São coisas que nem os homens nem a Ciência explicam, mas
que podem ser compreendidas por aqueles que sabemos que
passamos por vidas sucessivas!
Eis os versos da modinha
intitulada ‘Encontrei Maria’:
I
Encontrei Maria
no seu jardim.
Tá panhano frô
prá jogá ni mim!
II
Bem que eu tô sabeno
que ocê é meu.
Tá panhano frô
prá jogá ni eu!
III
E eu oiêi prá ela
E ela oiô prá ieu:
E eu doidim mode ela,
E ela doidim mode ieu!
IV
Bem que eu tô sabeno
que ocê é meu.
Tá panhano frô
prá jogá ni eu!
É claro que o
amigo não me
ofereceu resposta. Mas que ficou a matutar, lá isso ficou!
*
Eis outra encantadora modinha que faz parte daquele
disco LP:
Rosas
(Tradicional)
Rosa colhia sozinha
Lindas rosas no jardim.
Porque nas faces já tinha
As rosas da cor de carmim!
Cheguei e lhe disse: – Oh! Rosa,
Qual destas rosas me dás:
As da face, primorosas,
Ou as que colhendo estás?
Ela fitou-me sorrindo,
De leve se enrubesceu.
Depois, ligeira, fugindo,
De longe me respondeu:
– “Não dou-te as rosas da face,
Nem as que trago na mão.
Daria, se me estimasses,
As rosas do coração”.
Ainda a propósito das
estórias
de Goiás, aquele amigo contou-lhe de
um cego que por lá viveu.
Para quem não sabe,
muitas das ruas
daquela bela cidade são calçadas com pedras,
apresentando inúmeras
irregularidades. Calçamento feito
por mãos
escravas, nos
tempos
que já
se foram, eis
que
fundada no século
XVIII, por bandeirantes.
Pois bem. Aquele homem andava por
aquelas ruas,
com
uma gamela na
cabeça, a vender
bananas.
Quando alguém, em qualquer daqueles becos
e vielas o
chamavam, ele, de onde
estivesse, respondia, dizendo o respectivo nome da
pessoa! Identificava-a pela voz! Conhecia
não só
as pedras do
lugar,
mas também
seus habitantes.
E mesmo
deficiente, trabalhava e
era útil.
E, na falta da
visão, exercitava
seus outros
sentidos. Assim,
desenvolveu mais
sua
capacidade
auditiva.
Por isso é que se
diz popularmente
que
'Deus
tira
os dentes e abre
a garganta!'.
Que Deus o tenha e o ampare, onde
quer que
esteja!
*
Quantas
estórias, jocosas umas, tristes outras, não
haverá por
aquelas bandas,
que mesmo
nossa querida
Cora Coralina,
com
seu talento
e carinho
não
registrou todas, pois
são
tantas, no seu
riquíssimo folclore!