Candeia
Dizem que as coisas são mais difíceis para começar, mas
depois deslancham. Assim foram também os encontros com a
menina ruiva. Bastava entrar em sintonia, canalizar boas
energias e meditar profundamente que logo era
transportado ao seu encontro.
Assim me vi envolto a um denso nevoeiro. Não estava
escuro demais ou muito claro, apenas não era possível
ver nada que estivesse a mais de um metro de distância.
Pela experiência que havia adquirido nos diversos
encontros com a “menina-de-olhos-de-estrelas” sabia que
nada era por acaso. Por certo, naquela névoa teria de
haver algum propósito, algum significado. Como nada
podia ser visto, tentei ouvi-la.
Chamei-a:
– Christina! Você está aqui?
– Sim – respondeu ela.
Sua voz estava tão próxima que parecia que eu poderia
tocá-la, se esticasse minha mão. Comentei:
– Que cerração, não?
– Sim. A Terra ainda está envolta à densa camada de
nevoeiro em sua atual fase de desenvolvimento
espiritual...
Sua voz pareceu-me um pouco triste. Logo percebi que
tinha razão em relação àquele nevoeiro: seria mais um
aprendizado. Agucei mais a minha mente e percepção para
absorver o que viria pela frente. Esfreguei meus olhos e
consegui vê-la, quase em minha frente, a pouco mais de
braço de distância.
Logicamente, a primeira coisa que vi faiscando na névoa
opaca eram aquelas duas centelhas estelares que eram os
seus olhos, em tom branco-violeta-prateado. Depois
consegui enxergar o seu rosto emoldurado por suas
madeixas vermelho-rosáceas. Ela esboçava um lindo
sorriso e percebi que me enganara a respeito da tristeza
em sua voz, ou então o que imaginara ser tristeza era
apenas a seriedade que o assunto impunha. Ela
prosseguiu:
– Foi por isso, por essa névoa que foi escrito sobre a
candeia...
Percebi a associação e entendi que ela se referia à
parábola evangélica: “não coloque a candeia debaixo do
alqueire, mas, sim, sobre o candeeiro”, se bem me
recordava as palavras lidas outrora... Indaguei-a:
– Mas se a candeia deve ser posta acima, a fim de
iluminar as trevas da ignorância, por que dizer tudo em
parábolas de difícil interpretação?
A menina ruiva apertou os olhos, mirando-me fixamente,
parecendo gostar da pergunta, esboçando um sorriso
enigmático. Disse:
– A parábola é muito democrática. Ela informa
proporcionalmente ao entendimento da pessoa.
– Entendo... Então há algo de esotérico nos ensinamentos
do Mestre?
– De maneira alguma. Seu ensinamento é claro,
transparente e para todos. O que difere é o grau de
compreensão do aprendiz, apenas. Você acha que
poderíamos ensinar, por exemplo, física quântica a
alunos do jardim de infância? De certo que não
entenderiam nada. Por isso que o Mestre contava suas
parábolas. Se o aluno estava em um grau de
aperfeiçoamento baixo entenderia a história ao pé da
letra, ao passo que um aluno avançado entenderia o
sentido figurado, leria nas entrelinhas. Assim, todos
poderiam tirar o proveito que lhes cabiam do mesmo
ensinamento. Porém, apenas o conhecimento não basta.
Ainda há um componente essencial ao aprendizado. Sabe
qual é?
Tentei buscar no fundo de minha alma a resposta: “Qual
seria este componente essencial?” Então pensei: “Qual
seria a coisa mais essencial do Universo? Qual era a
mais essencial ‘substância’ com a qual o próprio Deus
era composto?” A resposta me surgiu óbvia:
– O amor?
A menina se iluminou em um radiante sorriso.
– Muito bem! O amor é o componente essencial. O produto
do aprendizado, ou seja, do conhecimento, com o amor,
resulta o que o Mestre tinha em abundância: SABEDORIA!
Marco Melo é estudante de Jornalismo, trabalha com
design gráfico e diagramação na Editora EME.