Cinco-marias

por Eugênia Pickina

 Pai faz de tudo


As pessoas são o que elas amam
. Rubem Alves


Isto foi há tempo, em uma Londrina dos anos 1980, quando havia numerosas festas de família e a criançada brincava sem medo na rua.

21 horas. O pai tranquilo vê TV na sala. No quarto do filho, a mãe lê em voz alta a história de O Cavalinho Azul:

“Vicente era um menino pobre que tinha um pangaré.

O pangaré era marrom, bem feio, bem magro e bem velho…”

Lá pelas tantas, a mãe parou e tossiu, a voz estava baixa e rouca.

– Não vai continuar?

A mãe não consegue prosseguir. O menino, desamparado, lê às pressas, engasgando com as palavras, pois é ainda mal letrado.

Com receio, mas tomado de curiosidade, corre à sala chamando o pai para ler.

– Leio! Mas do começo – disse, sentencioso, o pai do século XX.

E todos na casa suspiram aliviados e agradecidos.

O menino cresceu. Gente grande, matemático e professor, casou-se. Tem uma filha de cinco anos. A esposa é médica, trabalha em uma clínica e também atende na emergência do hospital da universidade.

Mais um dia de plantão. A mãe sai cedinho. Enquanto a filha dorme, o pai prepara o desjejum, porque paternidade é construção diária.

No retorno da escola, na hora do almoço, o pai diz à filha:

– Vou fazer a salada, enquanto você arruma a mesa.

Fim do dia, um vento frio ao longo das janelas, o pai afirma com carinho:

– Hora do banho, senhorita!

– Mas já? Não quero! – retruca a criança, correndo esconder-se em um quarto da casa, nos fundos uma palmeira alta.

O pai sorri e, usando empatia, convence a filha de que nem tudo que a gente faz é por puro gosto…

À noite, abajur aceso, o pai pergunta:

– Você acha que o cavalo azul existe?

A menina sorri, é a hora da história.

– Leio! Mas do começo – diz o pai deste nosso século, disposto a participar…

A mãe aparece no quarto, abraço terno de boa noite. Fazem a prece juntos.

Felizmente, a nova realidade familiar demonstra que o pai contemporâneo precisa fazer de tudo, tecendo no dia a dia – muitas vezes sozinho – um vínculo positivo e saudável com a criança.

Abraços, ótima semana!


Notinha


Cf. O cavalinho azul. Machado, Maria Clara. Ilustrações Graça Lima. SP: Nova Fronteira, 2010.

Hoje em dia o pai divide com a mulher as tarefas domésticas, vai às reuniões da escola, leva os filhos ao pediatra etc., fica em casa quando os filhos estão doentes ou quando a mãe precisa ausentar-se, sobretudo por motivo de trabalho. Este novo pai cada vez mais tem participado, de forma igualitária, nas atividades lúdicas e de cuidado da criança. A presença do pai na vida de um filho é tão fundamental quanto a presença da mãe, ajudando a criança, por exemplo, a explorar o mundo com segurança e a relacionar-se melhor com os outros. Sem dúvida, a criança necessita do par conjugal adulto para construir dentro de si uma imagem positiva das trocas afetivas e da convivência. O pai contemporâneo, portanto, realmente precisa fazer de tudo...

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita