Estudando as obras
de Manoel Philomeno
de Miranda

por Thiago Bernardes

 

Entre os Dois Mundos

(Parte 15)


Continuamos nesta edição o estudo metódico e sequencial do livro Entre os Dois Mundos, obra de autoria de  Manoel Philomeno de Miranda, psicografada por Divaldo P. Franco no ano de 2004.


Questões preliminares


A. Laércio foi levado a recordar sua participação nos crimes hediondos que os católicos da França cometeram contra os huguenotes?

Sim. Ele reviu cenas do passado e, tomado de angústia indefinível, gritou, estentórico: “Recordo-me! Revejo-me ao lado do desvairado monarca, rindo e chorando, pedindo mais sangue, mais vidas para o hediondo festival da agonia...” Petitinga informou-o, então, de que ali estava uma de suas muitas vítimas, que prosseguia aferrada ao desforço. Tratava-se de Jean-Jacques de Villiers. (Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)

B. Que atitude teve Laércio ao encontrar-se face a face com sua antiga vítima, hoje seu implacável obsessor?

Transido de angústia e estupor, Laércio (que se chamara naquela ocasião François-Piérre) atirou-se aos pés de sua antiga vítima, suplicando-lhe, em pranto comovedor: “Se não te for possível perdoar-me todo o mal que te fiz, pois reconheço que não o mereço, pelo menos tem misericórdia de mim”. (Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)

C. O obsessor se comoveu com a súplica feita por seu antigo algoz?

Não. Contudo, em seguida, explicou ao doutrinador por que assim agia: “Eu seria até capaz de perdoar o infame, caso a mim somente houvesse tornado desditoso... O hediondo criminoso mandou violar a minha mulher diante de mim, enjaulado e enfurecido, pela soldadesca a seu serviço, enquanto, indiferente, tomando vinho e comendo queijo fétido, sorria. Não poupou os meus dois filhinhos inocentes, acusados de pertencerem ao calvinismo, que zombeteiramente os católicos denominavam como huguenotes. As dores superlativas que os dilaceraram, enquanto gritavam por mim, aguardando um socorro que jamais lhes poderia propiciar, esfacelaram-me todos os sentimentos de compaixão e de misericórdia”. (Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)


Texto para leitura


138. Na sequência do diálogo fraterno com o obsessor, Petitinga o informou de que Laércio estava, por aqueles dias, encerrando sua jornada terrestre. E explicou-lhe: “A nossa preocupação é com você, que será arrastado para a situação deplorável a que ele se atirará. Nossa compaixão por ambos, ante a impossibilidade de socorrê-los igualmente, elege você para ser feliz desde agora, enquanto ele o será mais tarde, bem depois... Não discutiremos, argumentando com lições que você conhece de sobejo. Soou o momento, no qual, com o seu consentimento ou sem ele, a Divindade irá interferir, liberando-os, um do outro, responsáveis que são pelos pa­decimentos que se têm infligido. É conveniente que você se resolva pela conquista da paz, do progresso, avançando para o futuro, desamarrando-se do passado inditoso”. O Espírito, contudo, manteve sua postura e bradou: “Nenhuma força conseguirá libertá-lo de mim!”, ao que o doutrinador, sereno mas enérgico, advertiu: “Engana-se! Advertimo-lo que há leis que se encon­tram acima das nossas paixões e que nos comandam. Aproveite este momento ou descambará em abismos de sombras onde rebolcará inconsolável por tempo indeterminado”. (Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)

139. A psicosfera ambiental fazia-se vigorosa ante as ondas sucessivas de vibrações que vertiam da esfera superior. Fascículos de luz desciam sobre o grupo e eram percebi­dos e sentidos pelo vingador estupefacto e irredutível. Nesse momento, orientado pelo Mentor, Germano des­pertou Laércio, que após alguns segundos percebeu o que estava acontecendo a sua volta, sendo acometido por pranto convulsivo, represado no imo há mais de dois decênios. Trêmulo e esgotado, parecia estar a um passo da lou­cura total, quando Petitinga dirigiu-lhe a palavra, convo­cando-o ao equilíbrio: “É o despertar doloroso da consciência, meu irmão. Controle a emoção e esqueça as mágoas de si mesmo, a fim de beneficiar-se deste raro momento de elevação espiritual de que participa”. Laércio asserenou-se. Petitinga tocou-lhe, então, o chakra cerebral, impondo-lhe com energia e doçura: “François-Piérre, recorde-se do dia 25 de agosto de 1572, após desencadeado o hediondo massacre dos hugue­notes e inimigos, reais ou imaginários, da rainha de Fran­ça... Recorde-se da Câmara privada de Carlos IX, histérico pelo medo e pela sede de mais sangue... Recorde-se... Volte ao passado”. O paciente, tomado de angústia indefinível, gritou, estentórico: “Recordo-me! Revejo-me ao lado do desvairado mo­narca, rindo e chorando, pedindo mais sangue, mais vidas para o hediondo festival da agonia...” Petitinga informou-o, então, de que ali estava uma das suas muitas vítimas, que prosseguia aferrada ao desforço. Tratava-se de Jean-Jacques de Villiers. O Espírito expressou uma fácies de tal horror que o transfigurou completamente.(Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)

140. Laércio, embora tentasse, não conseguiu repetir o nome citado por Petitinga. Enquanto isso, o obsessor prosseguiu desacatando-o com do­estos e acusações sucessivas, mas o doutrinador, sem preo­cupar-se com sua alucinação, explicou ao atormentado que Jesus o enviará até ali, por amor a ambos os litigantes: “Agora soa o seu momento de iniciar a caminhada para a redenção. Nunca é tarde! Sempre surge oportunidade ensejando re­cuperação. Não tergiverse outra vez, malbaratando a ocasião cuidadosamente preparada para a mudança de rumo na conduta que o assinala”. Transido de angústia e estupor, François-Piérre ati­rou-se aos pés da sua antiga vítima, suplicando-lhe, em pranto comovedor: “Se não te for possível perdoar-me todo o mal que te fiz, pois reconheço que não o mereço, pelo menos tem misericórdia de mim”. O obsessor lhe respondeu: “Sim, terei a mesma que me foi aplicada, quando me mandaste empa­lar, miserável, sem que eu houvesse cometido crime algum, na sórdida prisão em que fui atirado. Não me escaparás, pensando em sensibilizar-me com lágrimas de hipocrisia e de medo. Este é o teu momento de chorar, como aquele foi o meu de ser assassinado. A piedade que tiveste para comigo eu a devolverei, sentimento a sentimento...”. Seu rosto enrubescera de cólera e todo ele tremia. Po­dia-se notar-lhe os tentáculos constituídos pelas vibrações de rancor que se exteriorizavam do seu cérebro perispiritual fixados no do paciente. Eram fios tênues, elaborados pelas energias carrega­das de sucessivas irradiações de vingança, uns exteriorizan­do cores quentes, que denotavam o vigor pernicioso, e ou­tros escuros, densos, como se fossem de tecidos materiais. (Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)

141. Embora separados, o obsidiado experimentava os choques produzidos pelo volume dos ressentimentos emitidos pelo seu adversário, abalando-o e desorientando-o. O vigilante Instrutor aproximou-se, então, mais de Laércio e começou a entorpecê-lo com passes específicos, enquanto Petitinga dialogava com o seu verdugo. Poucos momentos transcorridos e o paciente voltou a dormir, estorcegando em convulsões semelhantes às pro­duzidas pela epilepsia, que eram resultado das descargas vibratórias produzidas pelo antagonista consciente do que proporcionava. “Teremos que proceder a uma cirurgia perispiritual em nosso enfermo”, transmitiu mentalmente o orien­tador aos seus companheiros, logo após encerrada a doutrinação de Jean-Jacques. Ao obsessor implacável, Petitinga disse: “É lamentável que um ser lúcido, como o amigo, permaneça em situação lastimável de desforço, esquecido de si mesmo. Quando a loucura do ódio se apossa do espírito anula-lhe o discernimento, que desperta oportunamente, gerando aflição inominável. Não se trata de concordar com as atrocidades por ele praticadas, mas sim de urgente necessidade em favor da sua autoiluminação. Como você se referiu, foram muitos aque­les que lhe experimentaram o guante destruidor. Onde es­tão, neste momento, essas vítimas?! Tomadas por inspiração de sabedoria, livraram-se daquele que as infelicitou e agora rumam para o Infinito, desenhando uma trajetória de paz para si mesmas. Não é crível que seja a sua uma dor maior do que a deles. Reflexione sobre isso”. (Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)

142. Ante as últimas observações de Petitinga, o algoz de Laércio, respondeu: “Cada um experimenta o sofrimento conforme sua capacidade de resistência, e a minha não é grande. Aca­lentei o desejo de vingança por longos anos que pareciam não ter fim. Somente nos últimos decênios é que me tem sido permitida a satisfação de concretizar os meus planos de cobrança. Não é fácil desistir de um programa deste quilate de um para outro instante. O ódio que lhe devoto e a ânsia de vê-lo derreado, totalmente vencido, são-me tão ensandecedores, que me comburem, transformando-se na razão única do meu existir”. À medida que expressava seu desespero, ao invés de produzir revolta em Philomeno e seus colegas, o fato causou-lhes profunda compaixão. Os que participavam da terapia socorrista experimentavam um sentimento de imensa ternura pelo infeliz, por imaginar o que houvera sofrido durante o suplício da empalação. Como se houvesse captado tal pensamento, o desditoso Espírito adiu às suas justificações: “Eu seria até capaz de perdoar o infame, caso a mim somente houvesse tornado desditoso... O hediondo crimi­noso mandou violar a minha mulher diante de mim, enjau­lado e enfurecido, pela soldadesca a seu serviço, enquanto, indiferente, tomando vinho e comendo queijo fétido, sorria. Não poupou os meus dois filhinhos inocentes, acusados de pertencerem ao calvinismo, que zombeteiramente os católi­cos denominavam como huguenotes. As dores superlativas que os dilaceraram, enquanto gritavam por mim, aguardando um socorro que jamais lhes poderia propiciar, esfacelaram-me todos os sentimentos de compaixão e de misericórdia”. (Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)

143. Ante aquele desabafo, Petitinga, como se esti­vesse aguardando esse grito de superlativa angústia, envol­veu-o em vibrações de muita paz, mas sem deixar-se pertur­bar pela emoção do momento, completou: “Já que lhe é impossível perdoar ou desculpar, e nós o entendemos perfeitamente, deixe-o por conta do Criador, nosso Pai, que dispõe dos recursos hábeis para a aplicação da Justiça, sem a necessidade de você gerar novos compro­metimentos na sua execução. Da mesma forma como você foi alcançado pelos vigorosos braços da Divina Lei, con­vocando-o ao resgate de não menores crimes transatos, o nosso irmão também o será, no momento próprio, com a diferença que, nessa vez, não haverá algoz encarregado de exercê-la”. O antagonista pareceu momentaneamente hebetado pela surpresa da proposta, enquanto o sábio terapeuta de desencarnados continuou: “Como você o disse, nasceu, morreu e renasceu vin­culado ao sentimento de desforço, nele fixando-se e experimentando mais dor através dos séculos. Está demonstrado que a reencarnação é o processo especial para a reparação. Como consequência, se você persistir na ideia sumamente infeliz, volverá ao palco terrestre em sofrimentos indescrití­veis, somente pela sua rebeldia ante as leis de Deus”. Pairava no ar uma psicosfera de harmonia produzi­da pela mente superior de nosso caro Dr. Arquimedes que naquele exato momento adentrava o recinto acompa­nhado por uma senhora de rara beleza espiritual seguida de dois outros espíritos igualmente felizes. (Entre os dois mundos. Capítulo 12: Terapia desobsessiva.)


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita