Um minuto
com Chico Xavier

por Regina Stella Spagnuolo

 

Em dezembro de 1934, o rapaz fechou os olhos e fincou o lápis no papel. As frases apareceram velozes e nada evangélicas. Eram endereçadas a ele mesmo:

“Meu amigo, há mais de um decênio que não me preocupo com as parvoíces da Terra. Nem presumia a possibilidade de enviar novamente para aí a minha futilíssima correspondência, quando alguém me insinuou a ideia de vir ditar-te as minhas sandices. Acometeu-me o desejo incoercível de atirar um dos meus petardos de troça ao gênero bípede e estalar uma boa gargalhada, sonora e sã. Foi o que fiz. Tentei a prova.

Focalizei no meu pensamento a ideia de vir ter contigo e bastou isso para que as minhas raras faculdades de fantasma me conduzissem a esse maravilhoso recanto sertanejo em que vives, esplendor de canto agreste, quase selvagem... Busquei aproximar-me de tua individualidade.

Vi-te finalmente. Lá surgias ao fim de uma rua bem cuidada, onde se alinhavam casas brancas e arejadas, brasileiríssimas, abarrotadas de ar, de saúde, de sol; vinhas com o passo cansado, pele suarenta a derreter-se dentro de roupas quase ensebadas, com os pés metidos em legítimos socos do Porto, obrigando-me a evocar o cais de Lisboa...

Sem que pudesses observar-me, submeti-te a demorado exame. Procurei a tua bagagem de pensamento, encontrando na tua mocidade tudo quanto a tristeza criou de mais sombrio; em tua alma amargurada, vi apenas porções de sofrimentos, pedaços de angústia esterilizadora, recordações tristonhas, lágrimas cristalizadas... Vi-te e ri-me. Não de ti. Ri-me da estultice do cérebro desequilibrado do asno humano, com o seu volumoso e pesado arquivo de baboseiras.”

Cansado das lamúrias de Chico Xavier, o remetente da carta recomendava o bom humor como arma:

“Convence-te de que se comete um ato desarrazoado, uma inqualificável imprudência, em chorar tolamente, em derreter-se inutilmente. Abandona essa exótica preocupação aos mais parvos do que tu. Ri-se o mundo de nós? Riamo-nos dele. Achincalhemos os seus arremedos aos gorilas, ridicularizemos as suas intuições, onde predominam a bandalheira, os seus pulos de cabra-cega; traduzamos a admiração que tudo isso nos desperta com o riso bom, que sempre apavorou os tímidos e insuficientes”.

O recado tinha a assinatura de Eça de Queiroz. O escritor português, autor de

"pecados" como O Crime do Padre Amaro, dava mostras não só de sarcasmo como também de boas doses de informação sobre a polêmica em torno do Parnaso de Além-Túmulo.

Após listar a série de teorias usadas pelos críticos para decifrar o enigma Chico Xavier – consciência, mediunidade, psicopatia, loucura, simulação, anormalidade, fenômeno, estupidez, espiritomania, o autor invisível não resistiu e voltou à boa e velha ironia: "Vai continuando até que te receitem a enxovia ou o manicômio. No cárcere ou no sanatório, alcançarás um período de repouso. Não te apavores".

 

Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita