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150 anos de A Gênese -
a fidedignidade das primeiras edições
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A edição da Revista Espírita
de janeiro de 1868 anunciava que
o livro A Gênese estaria
à venda no dia 6 de janeiro de
1868.
Com A Gênese completa-se
o quinto volume das chamadas
Obras Básicas da Codificação.
Allan Kardec discorre sobre
questões importantes que destaca
no subtítulo: os milagres e as
predições segundo o Espiritismo;
e analisa a origem do planeta de
acordo com as leis da Natureza e
a interpretação espírita.
O exemplar da Revista
Espírita, de fevereiro de
1868, trazia uma dissertação do
espírito São Luís sobre a nova
obra:
“A religião, antagonista da
Ciência, respondia pelo mistério
a todas as questões da filosofia
céptica. Ela violava as leis da
Natureza e as adaptava à sua
fantasia, para daí extrair uma
explicação incoerente de seus
ensinamentos. Vós, ao contrário,
vos sacrificais à Ciência;
aceitais todos os seus
ensinamentos sem exceção e lhe
abris horizontes que ela supunha
intransponíveis. [...] A questão
de origem que se prende à Gênese
é para todos uma questão
apaixonada. Um livro escrito
sobre esta matéria deve, em
consequência, interessar a todos
os espíritos sérios.”1
Ao longo do ano de 1868
transcreveu vários trechos dessa
nova obra na Revista Espírita.
Surgem notícias sobre duas novas
edições: 2a
edição (março) e 3a
edição (abril). Até a
desencarnação de Kardec (1869),
constam referências a três
edições dessa Obra Básica do
Codificador.1,2
A maioria das traduções para o
português foi feita a partir de
edição francesa do ano de 1870,
ou seja, após a desencarnação de
Kardec, como as edições da FEB
do IDE. Apenas a editora do
Centro Espírita Léon Denis, do
Rio Janeiro, lançou uma tradução
da edição francesa de 1868.
Há dúvidas e polêmicas a
respeito das edições dessa obra
em francês, lançadas logo após a
desencarnação do Codificador.
Recentemente, a Confederação
Espírita Argentina (CEA)
providenciou a edição em
espanhol de versão pioneira de
A Gênese, isto é, a
lançada em janeiro de 1868. Ao
mesmo tempo a CEA divulgou o
resultado de estudos que
estimulou, e divulgou em
publicação lançada em Buenos
Aires em outubro de 2017 e
distribuiu uma carta explicativa
durante reunião da Comissão
Executiva do Conselho Espírita
Internacional, ocorrida em
Bogotá (Colômbia), em outubro de
2017, com divulgação de carta do
presidente da Confederação
Espírita Argentina. Consta a
informação de que a tradução de
A Gênese teria sido
motivação de um questionamento
em um momento da reunião do
Conselho Federativo Nacional da
FEB, em novembro de 2017.
A nosso ver são louváveis as
providências do presidente da
Confederação Espírita Argentina
em divulgar o resultado do
estudo que apoiou e em levar a
questão ao CEI.
A CEA solicitou uma pesquisa à
sra. Simoni Privato Goidanich,
junto aos Arquivos Nacionais da
França e na Biblioteca Nacional
da França, localizadas em Paris,
assim como na própria CEA e na
Associação Espírita Constancia,
de Buenos Aires. A conclusão da
pesquisa é que um único
exemplar, publicado em 1868, foi
depositado legalmente durante a
existência física de Allan
Kardec na Biblioteca Nacional da
França. Assim o Codificador não
teria modificado o conteúdo.4
Estes esclarecimentos se
encontram no livro El legado
de Allan Kardec, de autoria
de
Simoni Privato Goidanich, lançado
na sede da C.E.A., em Buenos
Aires, aos 3/10/2017.5
Assim, reaparecem dúvidas que já
existiam sobre a fidedignidade
da versão francesa que serviu de
base para as traduções de A
Gênese.
Há
suspeitas de que alguns trechos
de A Gênese poderiam ter
sido alterados provavelmente por
Pierre-Gaëtan Leymarie
(1827-1901). Com
a desencarnação de Kardec, este
dirigente
passou a exercer as funções de
redator-chefe e diretor da "Revue
Spirite" (1870 a 1901),
gerente da "Librairie Spirite"
(1870 a 1897)
e foi presidente
da
“Sociedade para a Continuação
das Obras Espíritas de Allan
Kardec”.2,6
Passou a cuidar das
edições e autorizações de
traduções de obras de Kardec.2
Inclusive, há o caso das
traduções pioneiras das obras de
Kardec, em nosso país. No
princípio do ano de 1875,
Pierre-Gaëtan Leymarie
autorizou em carta ao dr.
Joaquim Carlos Travassos a
tradução das obras de Allan
Kardec para o português, cuja
correspondência foi publicada na
Revista Espírita. Com
exceção de A Gênese,
Joaquim Carlos Travassos
(1839-1915) utilizando o
pseudônimo de "Fortúnio",
traduziu para o português quatro
obras básicas da Codificação,
publicadas pela Editora
B. L. Garnier,
do Rio de Janeiro,
em 1875 e 1876.6 Fato
interessante foi o comentário de
Zêus Wantuil em biografia sobre
o tradutor Travassos: “[...]sem
nos referirmos ao bom estilo do
tradutor, é o judicioso
esclarecimento, de fundo
rustenista, que vem na obra ‘O
Céu e o Inferno’...”6
Há correspondências de Leymarie
com a então novel Federação
Espírita Brasileira e a 1a
edição da revista Reformador,
de janeiro de 1883, noticia que
ele representou a França em
congresso ocorrido em Bruxelas,
objetivando a criação de uma
União Espiritualista Universal.7
Muitos fatos ressurgem agora com
a tradução para o português de
livro histórico e esgotado de
autoria Berthe Fropo -
Beaucoup de Lumière (1884)
-, disponibilizado em edição
digital bilíngue: a tradução em
português e o original em
francês. A autora
foi espírita atuante, fiel aos
ideais de Allan Kardec, muito
amiga de Amélie Boudet, vizinha
e apoiadora desta depois da
desencarnação do codificador do
Espiritismo.2 Nesta
obra fica clara a ação polêmica
de Leymarie, que inclusive foi
envolvido no histórico “processo
dos espíritas”, relacionado com
exploração das chamadas fotos de
espíritos, em que foi condenado.
No referido livro, Berthe Fropo
aborda pontos destacados do
desvirtuamento doutrinário
ocorrido no movimento espírita
francês logo após a
desencarnação de Kardec,
comprometendo a continuação das
obras do Codificador da
Doutrina; fica claro que “com o
aval de Amélie Boudet, Gabriel
Delanne e Berthe Fropo se
lançaram numa investida para
reavivar os planos de
continuação das obras de Kardec,
que nas mãos de Leymarie haviam
sido deturpados, por influência
de ideologias outras, como o
roustainguismo e — ainda mais
fortemente — a mística doutrina
da Teosofia de Madame Blavatsky
e do Coronel Olcott.”2
Portanto, há indícios que
robustecem as suspeitas sobre
eventuais alterações promovidas
por Leymarie em itens de A
Gênese.
Nas edições da FEB, apenas a
traduzida pelo Evandro Noleto
Bezerra, também a partir da 5a
edição francesa de 1870, traz
uma nota de rodapé no item 67 do
capítulo XV, anotando que há uma
diferença com relação à edição
de 1868, com Kardec ainda
encarnado. Justifica que “ao
revisar a obra com vistas à 4a
edição, Allan Kardec houve por
bem suprimir o item 67 que
constava nas edições
anteriores”. Nessa nota de
rodapé, de número 124, o
tradutor Evandro transcreve o
item suprimido em outras versões
“pelo seu inestimável valor
histórico, o item 67 das três
primeiras de edições de A
Gênese”.8 Porém
como fica a afirmação de revisão
da 4a edição,
feita por Allan Kardec?
Na edição do Centro Espírita
Léon Denis, a tradutora
Albertina Escudeiro Sêco, se
baseia numa 4a
edição francesa, de 1868.
Essa tradutora do CELD introduz
o item 67 original, a saber:
“67. A que se reduziu o corpo
carnal? Este é um problema cuja
solução não se pode deduzir, até
nova ordem, exceto por
hipóteses, pela falta de
elementos suficientes para
firmar uma convicção. Essa
solução, aliás, é de uma
importância secundária e não
acrescentaria nada aos méritos
do Cristo, nem aos fatos que
atestam, de uma maneira bem
peremptória, sua superioridade e
sua missão divina. Não pode,
pois, haver mais que opiniões
pessoais sobre a forma como esse
desaparecimento se realizou,
opiniões que só teriam valor se
fossem sancionadas por uma
lógica rigorosa, e pelo ensino
geral dos espíritos; ora, até o
presente, nenhuma das que foram
formuladas recebeu a sanção
desse duplo controle. Se os
espíritos ainda não resolveram a
questão pela unanimidade dos
seus ensinamentos, é porque
certamente ainda não chegou o
momento de fazê-lo, ou porque
ainda faltam conhecimentos com a
ajuda dos quais se poderá
resolvê-la pessoalmente.
Entretanto, se a hipótese de um
roubo clandestino for afastada,
poder-se-ia encontrar, por
analogia, uma explicação
provável na teoria do duplo
fenômeno dos transportes e da
invisibilidade. (O Livro dos
Médiuns, caps. IV e V.).” E
surge um item 67, em geral
ausente nas várias versões, e
com uma renumeração aparece o
item 68, identificado como item
67, nas demais traduções.9
De qualquer maneira persistem os
recentes questionamentos que
mencionamos. O ideal seria que
as editoras das obras de Allan
Kardec somassem esforços para se
esclarecer as dúvidas que vêm
sendo aventadas. Os 150 anos do
lançamento de A Gênese,
poderiam ter como marco a clara
definição sobre a fidedignidade
das versões das primeiras
edições desta obra em francês e
se acrescentar nota(s)
explicativa(s) nas edições
traduzidas para o português.
Referências:
1)
Kardec, Allan. Trad. Bezerra,
Evandro Noleto. Revista
Espírita. Ano XI. No. 1.
1868. Rio de Janeiro: FEB.
2)
Fropo, Berthe. Trad. Lopes, Ery;
Miguez, Rogério. Muita luz.
1.ed. Edição digital:
www.luzespirita.org.br;
acesso em novembro de 2017.
3)
Kardec, Allan. Trad. Martínez,
Gustavo N. La génesis.
1.ed. Buenos Aires:
Confederación Espiritista
Argentina. 2017.
4) Carta
do presidente da
Confederación Espiritista
Argentina, Sr. Gustavo N.
Martínez, de 14/10/2017,
distribuída em reunião do
Conselho Espírita Internacional,
em Bogotá (Colômbia).
5)
Goidanich, Simoni Privato.
El legado de Allan Kardec.
goo.gl/Pgdiad;
acesso em novembro de 2017.
6)
Wantuil, Zêus. Grandes
espíritas do Brasil. 1.ed.
Cap. Joaquim Carlos Travassos.
Rio de Janeiro: FEB. 1969.
7)
Reformador,
Ano I, n.1, 21 de Janeiro de
1883, p.1-4.
8) Kardec,
Allan. Trad. Bezerra, Evandro
Noleto. A gênese. 1.ed.
Cap. XV. Item 67. Rio de
Janeiro: FEB. 2010.
9)
Kardec, Allan. Trad. Sêco,
Albertina Escudeiro. A gênese.
3.ed. Cap. XV. Itens 67-68. Rio
de Janeiro: Ed. CELD. 2010.
O autor é ex-presidente da FEB e
da USE-SP.