Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 32)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.


Questões preliminares


A. Uma lesão cerebral pode produzir efeitos espirituais?

Sim. Registram os anais da Fisiologia que no hospital de São Tomás, Londres, um homem gravemente ferido na cabeça entrou a falar, depois de curado, um idioma absolutamente esquecido durante a sua permanência de trinta anos naquela cidade. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

B. As impressões recebidas pelos olhos ou pelos ouvidos exercem influência sobre o ânimo da pessoa?

Evidentemente. Uma pessoa que nos infunde simpatia muda-nos o curso das ideias. A música convida ao sonho; a baunilha, os ovos, o vinho quente exaltam os desejos. Um céu luminoso nos alegra, um céu sombrio nos entristece. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

C. A inteligência guarda relação com o peso do cérebro de uma pessoa?

Flammarion diz que tal ideia, propalada pelos materialistas, não está rigorosamente demonstrada. E, por sinal, lembra que os crânios de Napoleão, Voltaire e Rafael não ultrapassaram a média. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)


Texto para leitura


577. Balzac já tivera a ideia de considerar o fósforo como o elemento mais importante do intelecto. Fuerbach, ampliando a importância deste corpo e referindo-se a um trabalho de Couerbe, que lhe atribuía grande influência no sistema nervoso, o deu como origem do espírito. Huart imagina que essa substância incendeia-se e alumia, com o fogo do cérebro, como se dá com um lampião. Quanto à atualidade, terminemos a observação especial do cérebro com algumas comparações particulares, dignas de interesse para nossa raça. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

578. Em muitas espécies, os crânios masculinos se diferençam tanto que poderiam induzir-nos a classificá-los como de espécies diferentes. Na espécie humana, a diferença é igualmente notória. Assim é que o crânio feminino é menor, tanto na circunferência horizontal como na capacidade interna. O cérebro de menor peso, da mulher, aproxima-se do infantil. O outro fato notável é que a disparidade reinante entre os dois sexos, relativamente à capacidade craniana, aumenta com o aperfeiçoamento da raça, de sorte que o europeu se distancia da europeia, mais que o negro da sua companheira. Carl Vogt comenta essas experiências de Welcker e adverte que é mais fácil mudar uma forma de governo do que a panela tradicional. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

579. O cérebro da mulher pesa, em média, duas onças menos que o do homem[i]. Arístoto há muito o previra e a Ciência experimental verificou que o belo sexo tem um cérebro mais leve do que o nosso! Talvez convenha acrescentar que as medidas não foram tomadas pelas mulheres[ii]. Acrescentaremos, também, que a estatura e o peso médio da mulher, sendo inferiores aos do homem, conviria levar em conta essa diferença, vantajosa para ela, mulher. Mas, nada obstante, as senhoras se nos avantajam tanto, pelos dotes de coração, que lhes não custará ceder-nos a fria superioridade do entendimento. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

580. Outra distinção se patenteia, igualmente, no tamanho do lobo frontal: a circunferência do crânio é, em média, de 546 milímetros para as inteligências vulgares, de 544 para os imbecis, em geral, e de 541 para os do primeiro grau. Estas medidas estão, porém, longe de significar alguma coisa. Uma característica anatômica mais geral consiste em que o cérebro recobre o cerebelo tanto mais completamente quanto mais elevado seja o animal na escala zoológica. Já nos macacos se encontra um bordo estreito que ultrapassa, atrás e em baixo, os hemisférios cerebrais. Nos outros animais ele estende-se ainda, mais a mais. A mesma observação pode ser feita do ponto de vista embriológico. No feto o cerebelo não é recoberto pelo cérebro, senão depois do sétimo mês[iii].(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

581. Longe estamos de negar a existência de uma relação constante, que parece ligar a inteligência à estrutura do cérebro. As cabeças de Vesale, Shakespeare, Hegel, Gothe são exemplos de superioridade manifestada pelo desenvolvimento do lobo frontal. Queremos mesmo crer que algumas exceções sejam devidas ao fato de, nem sempre, o desenvolvimento aparente do cérebro corresponder ao seu peso, e que, em dados casos de idiotia, a água substitui a substância cerebral. Em geral, não é por uma característica particular que se manifesta a superioridade intelectual, e sim pelo conjunto de todas as suas partes. Enfim, podemos admitir, com alguns anatomistas, que o peso do cérebro aumenta até os vinte e cinco anos e se mantém imutável até aos cinquenta, para de novo decrescer consideravelmente na senectude. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

582. O cérebro é insensível, absolutamente, e só os pedúnculos cerebrais e as camadas óticas parece não o serem. Nos profundos ferimentos da cabeça, que apenas interessam este órgão, poderemos tocar-lhe a superfície e mesmo extrair pedaços, sem que o paciente experimente qualquer dor. Em compensação, as experiências feitas neste sentido com as aves, demonstraram que o cérebro é, evidentemente, a sede única da inteligência. Pássaros e pombos, alimentados artificialmente, puderam sobreviver um ano à respectiva ablação do cérebro. O resultado é que o animal, assim privado do cérebro, permanece mergulhado em sono profundo, nada vê, nada ouve, tendo embora olhos e ouvidos. Os movimentos conservam-se e combinam-se, ainda, dentro de certos limites; o animal sente a dor e faz movimentos por evitá-la, mas torna-se estúpido e como num estado de sonho, que exclui a consciência; é um autômato que poderá viver desde que o alimentem por processos mecânicos quaisquer, mas que morrerá de fome com a boca no alimento, visto lhe ser interdito combinar a imagem do alimento e a necessidade de o tomar, com os movimentos necessários a esse fim. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

583. Em se extraindo, camada a camada, os dois hemisférios cerebrais, ver-se-á que a atividade intelectual diminui na razão do volume da massa retirada. Atingindo os ventríloquos, dá-se a perda do conhecimento. A significação e formação dos tecidos são ainda possíveis, mas o animal fica inteiramente inacessível às impressões do mundo exterior. A consciência desapareceu sem deixar traço. Vemos, assim, que, com a retirada sucessiva, e por camadas, das partes superiores do cérebro, as faculdades diminuíram pouco a pouco. Galinhas assim operadas continuaram com vida vegetativa. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

584. A diminuição progressiva da inteligência integral e proporcionada às ablações, antes que de uma que outra faculdade, faz prova negativa da teoria das localizações; mas, perguntamos: – poder-se-á aplicar ao homem o fato observado com o intelecto de uma galinha? Eis o que nos parece duvidoso. Diante destas experiências de Flourens, de Valentim e fisiologistas outros, Büchner exclama: “Poder-se-á exigir prova mais brilhante para demonstrar a conexidade absoluta da alma e do cérebro, do que a fornecida pelo escalpelo demonstrando a alma peça por peça?” (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

585. Uma alteração no cérebro acarreta uma alteração correspondente no pensamento. As enfermidades mentais assinalam-se por umas tantas lesões. Em trezentos e dezoito dissecações de alienados, apenas trinta e duas deixaram de patentear alterações patológicas do cérebro e das membranas, e cinco somente não apresentavam anomalia qualquer. (Romain Fischer.) (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

586. Lesões cerebrais há que produzem, por vezes, efeitos espirituais surpreendentes. Assim, contam os anais da Fisiologia que no hospital de São Tomás, Londres, um homem gravemente ferido na cabeça entrou a falar, depois de curado, um idioma absolutamente esquecido durante a sua permanência de trinta anos naquela cidade. Uma degenerescência de ambos os hemisférios produz sonolência, debilidade mental e mesmo idiotia completa. A superabundância de líquido raquidiano origina a debilidade mental e o estupor. A ruptura de um vaso sanguíneo do cérebro causa o estado patológico chamado apoplexia. Toda gente sabe que a perda da consciência é uma consequência dessa alteração mórbida. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

587. A inflamação do cérebro causada pela replecção dos vasos sanguíneos e uma excessiva exsudação plástica, desfecham a febre cerebral e o delírio. Quando os batimentos do coração fraquejam, a ponto de ocasionar uma síncope, o sangue aflui escassamente ao cérebro. Também a perda dos sentidos acompanha uma síncope. O cérebro dos decapitados morre célere, em consequência da perda de sangue. Sendo o oxigênio condição indispensável ao renovamento do sangue, em lhe faltando este, o encéfalo é o primeiro a se ressentir e sobrevêm, então, as cefalalgias, as vertigens, as alucinações. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

588. O chá influi no discernimento, o café estimula a potência artística do cérebro e o álcool acarreta a embriaguez com as suas consequências[iv]. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

589. Todas as impressões recebidas pelos ouvidos e pelos olhos são influências materiais, transmitidas ao cérebro pelo sistema nervoso, provocando modificações materiais correspondentes. Uma pessoa que nos infunde simpatia, muda-nos o curso das ideias. Quando um pobre habitante dos vales paludosos escala os Alpes, fica deslumbrado com as suas novas impressões. A música convida ao sonho; a baunilha, os ovos, o vinho quente, exaltam os desejos; um céu luminoso nos alegra, um céu sombrio nos entristece. Desde o momento em que somos engendrados, entramos num oceano de matéria em circulação. O que somos, devemo-lo em parte aos nossos avós, à nossa alimentação, ao nosso país, à nossa educação, ao ar, ao tempo, ao som, à luz, ao nosso regime, às nossas vestes[v]. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

590. Tais os fatos positivos, constatados pelas ciências fisiológicas e invocados pela escola materialista, ao declarar que as faculdades intelectuais são produto da substância cerebral. Fizemos este esboço não só no intuito de levantar o combatido adversário, como para fornecer cabedal de reflexão a muitos espiritualistas ingênuos, que acreditam resolvidos todos os problemas. No capítulo seguinte, infligiremos os senhores materialistas, desafiando-os a responderem a três questões solidárias que arrasam de alto a baixo o seu palanque. Mas, enquanto o não fazemos, interessa-nos inquietá-los a pretexto da solidez de suas pretensiosas explicações. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

591. Notemos, antes do mais, que nenhuma lei exclusiva existe, acerca da correspondência do cérebro com o pensamento. Não está rigorosamente demonstrado:

1º - que o peso do cérebro aumenta até à madureza e decai depois (Sommering lhe fixa o desenvolvimento máximo aos 3 anos, Wenzel aos 7, Tledemann aos 8, Gratiolet na velhice, etc.);

2º - que a inteligência esteja em relatividade com o peso (os crânios de Napoleão, Voltaire, Rafael não ultrapassaram a média);

3º - que uma fronte larga seja índice de genialidade (Lelut demonstrou que os idiotas apresentam ordinariamente uma fronte desenvolvida e que é impossível determinar relações exatas entre a inteligência e as dimensões cranianas);

4º - que a loucura provenha sempre de uma lesão cerebral, antes parecendo uma afecção psíquica. (Esquirol, Lelut, Leuret, Georget, Ferrus, constataram que a loucura não é seguida de lesões senão quando coincide com enfermidades orgânicas.) (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

592. Nossos adversários têm consciência das dificuldades que a questão apresenta e procuraram, alhures, a causa material da inteligência, como, por exemplo, no fósforo, a que já aludimos. Acreditaram ter achado 4% de fósforo no cérebro dos alienados, 23% no cérebro normal e 1% no dos imbecis. Haverá, porém, necessidade de frisar que não há lei absoluta, que todas estas explicações não satisfazem e que, em suma, não existem essas diferenças? (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)


 

[i]     Uma onça equivale a 28 gramas e 35 centigramas.

[ii]    O doutor Boyd depois de haver pesado 2086 cérebros de homens e 1061 de mulheres, dá 1285 a 1363 gramas para os primeiros e 1127 a 1238 para os segundos.

[iii]   Tiedemann – Anatomie und Bildungsgeschichte des Gehirns im Foetug des Menschen, etc., página 142. – Pour la mesure du crâne, V. Lelut – Physiologie de la Pensée, t. 2º, página 315.

[iv]   Moleschott, 2º, 151.

[v]    Ob. cit. página 194.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita