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por Gebaldo José de Sousa

 

Lições da vida


“Se buscásseis somente a volúpia que uma ação boa proporciona, permaneceríeis sempre no caminho do progresso espiritual.” 1


1 – Sou seu irmão!

O fato se deu num tempo em que a vida era mais descontraída: as muretas que envolviam as residências eram baixas e rosas se multiplicavam, a perfumar os jardins.

À época ainda se podia ir a passeio com as crianças às praças, para o sorvete, para as pipocas; e, anos antes, para ouvir a banda de música nos coretos. Até parece que já lá vai longo tempo! Mas não é tão antigo assim. Naqueles dias, pais e professores eram tratados com respeito, admiração e carinho!

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Portões de acesso à rua permaneciam abertos por longo tempo. E foi o que ele fez, pela pressa em guardar as compras que lhe abasteceriam a despensa da casa. Casa, por sinal, sempre acolhedora. Ao regressar de seu interior, deparou-se com um mendigo próximo à porta, e assustou-se com o estranho, dizendo-lhe, com agressividade na voz:

– O que o Sr. está querendo?

O velhinho – era um velhinho – sujo, maltrapilho, sofrido, com ar de tristeza e fome trazia saco imundo às costas. Este o olhou com piedade e respondeu-lhe:

Por que o Senhor está me agredindo? Sou seu irmão!

E, ato contínuo, desceu das costas sua trouxa, dela retirando bela laranja, ofertando-a ao dono da casa, a dizer-lhe:

Eis um presente, para que saiba que sou seu irmão... Pode pegar! Comprei com meu dinheiro!

Ou seja, era de sua propriedade. Não tinha origem escusa. Podia oferecê-la. Não era desonesto, como supusera o prezado amigo. E mais, era sumamente generoso, pois compartilhava o pouco que possuía até com um homem abastado, para exemplificar fraternidade!

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A essa altura, nosso companheiro, muito emotivo e arrependido de gestos e palavras, trazia os olhos úmidos de emoção. E, ainda que sem intenção, agrediu-o novamente ao retrucar-lhe:

– Fica o senhor com ela, pois que precisa mais do que eu... O senhor me perdoe. Em que posso servi-lo?

2 – A dor do remorso

Chegara do sítio sábado à tarde e recolhia à casa o que de lá trouxera.

Ao retornar de seu interior, viu que homem sujo, maltrapilho e barbudo, entrara até o jardim e recolhia laranjas espalhadas pela grama, pois que o saco que as continha, ao cair, abrira-se. Fazia-o, silenciosamente, alheio ao mundo e à noção de posse.

Que era alguém perturbado mentalmente, concluiu depois, na hora do remorso, do arrependido pela forma agressiva com que o tratara, ao vê-lo a catar os frutos.

Naquele instante não analisou nada. Sentiu apenas que o estranho era um intruso, um ladrão, a roubá-lo. E expulsou-o asperamente, sem levar em conta seu aspecto doentio:

– Saia daqui, seu ladrão! Deixa essas laranjas aí e suma; senão, chamo a polícia!

O outro abandonou-as na relva e, humilde e lentamente, buscou a rua, sem olhar para trás.

Aparentemente, o caso estava resolvido: cena prosaica, nos dias que vivemos, onde tantas criaturas perambulam pelas cidades.

Nosso amigo, passado o instante, pôs-se a refletir: fora enérgico demais; era um pobre homem. Além disso, quanta laranja estava a apodrecer na chácara! Não lhe custaria nada deixá-lo levar algumas e até lhe oferecer algo mais.

Assim pensando, reuniu várias frutas numa sacola e saiu a procurá-lo em muitas direções, em vão. Em instantes, desaparecera.

Só não se lhe apagara, a importuná-lo, a lembrança daquele personagem e de sua ação desagradável.

A partir daí, perdera o sossego, a paz de espírito. Não mais se concentrava em nada: nem na leitura do jornal, nem na tela da televisão. A todo instante, na mente, aquela imagem a lhe perturbar a consciência.

Sofreu, dias e dias, o arrependimento de não o haver tratado fraternalmente. Sua precipitação e egoísmo foram a causa de tudo. O remorso agora o atormentava.

Como sanar o problema?

Expôs o fato a um amigo e lhe pediu que sugerisse caminhos para livrar-se de vez daquela angústia que o não abandonava, embora passados muitos dias.

Sugeriu-lhe que guardasse a lição para as próximas oportunidades em que outros sofredores lhe viessem ao encontro. O passado era irremediável. Talvez jamais reencontrasse aquele pobre homem! Mas havia o futuro, no qual poderia agir de outra forma. Que a partir daí fosse generoso!

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Deus nos concede, a todo momento, inúmeras oportunidades para o exercício da fraternidade! A vida, sempre sábia, é pródiga em lições.

Com todos podemos aprender: com velhos e crianças, com a natureza e até com mendigos.

O primeiro deles, por exemplo, a vida não lhe dera a fortuna, mas ensinara-lhe a ser fraterno até com alguém que o maltratara.

Como irmãos que somos, cabe-nos respeitar o próximo, de qualquer idade e ou condição social e em todas as circunstâncias.

Mendigos e laranjas, nas variadas circunstâncias, podem simbolizar fraternidade!

Inúmeros ‘infortúnios ocultos’ se exibem à nossa volta. Que tenhamos olhos de ver e corações sensíveis para socorrê-los, amenizando-lhes as dores acerbas!

Quem aprende essa arte do verdadeiro amor, não só aproveita as ocasiões que se lhe apresentam para consolidar essa virtude, mas usufrui a alegria e a paz, como recompensa.

É o que nos diz O Evangelho segundo o Espiritismo2:

“Oh! se pudésseis compreender tudo o que encerra de grande e de agradável a generosidade das almas belas, esse sentimento que faz a criatura olhar as outras como olha a si mesma, despindo-se, jubilosa, para cobrir o seu irmão! (...)

Compreendei as obrigações que tendes para com os vossos irmãos! Ide, ide ao encontro do infortúnio; ide em socorro, sobretudo, das misérias ocultas, por serem as mais dolorosas! Ide, meus bem-amados, e recordai-vos destas palavras do Salvador: ‘Quando vestirdes a um destes pequeninos, lembrai-vos de que é a mim que o fazeis!’ (...)

´É na caridade que deveis buscar a paz do coração, o contentamento da alma, o remédio contra as aflições da vida”.

3 – Caridade moral: oferecer a outra face

Lemos adesivo num carro que recomendava: ‘Seja cristão também no trânsito’.

Nele, a vida é pródiga de oportunidades.

Ilustrando, eis fato narrado por jovem amiga:

A mãe dela, agredida no trânsito por alguém rude e mal-educado, viu o agressor emparelhar o próprio carro ao seu, no próximo semáforo, e endereçar-lhe com a mão gesto obsceno.

Ela podia ser mãe dele e, não só por isso, merecia o respeito que devemos ao próximo, sobretudo quando se trata de uma senhora – ainda mesmo que houvesse cometido qualquer falha.

Serena e cristãmente, ela abaixou o vidro do próprio carro e disse a ele:

– Que Deus o abençoe!

O semblante do outro transformou-se em puro constrangimento, eis que não esperava por ação extremamente generosa, vinda de uma desconhecida!

Alimentaria a indelicadeza do jovem motorista (?) se lhe houvesse dito: – Você não tem mãe para ensinar-lhe boas maneiras?

Não se nivelou à ignorância daquele a quem ainda falta aprender lições preciosas para quem vive em sociedade: a civilidade e a tolerância!

Demonstrou ela, com esse significativo gesto, que é possível vivenciar o que nos ensinou Jesus, ao nos recomendar oferecer a outra face!

 

Referências:

1. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1ª. impr. Brasília: FEB, 2013. Cap. 13, it. 12, p. 181.

2. ____, ____, Cap. 13 (Não saiba a vossa mão esquerda o que dá a vossa mão direita), item 11, p. 179 e 180.
 


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita