Lições da vida
“Se buscásseis
somente a volúpia que uma ação boa proporciona,
permaneceríeis sempre no caminho do progresso
espiritual.” 1
1 – Sou seu irmão!
O fato se deu num tempo em que a vida era mais
descontraída: as muretas que envolviam as residências
eram baixas e rosas se multiplicavam, a perfumar os
jardins.
À época ainda se podia ir a passeio com as crianças às
praças, para o sorvete, para as pipocas; e, anos antes,
para ouvir a banda de música nos coretos. Até parece que
já lá vai longo tempo! Mas não é tão antigo assim.
Naqueles dias, pais e professores eram tratados com
respeito, admiração e carinho!
-.-
Portões de acesso à rua permaneciam abertos por longo
tempo. E foi o que ele fez, pela pressa em guardar as
compras que lhe abasteceriam a despensa da casa. Casa,
por sinal, sempre acolhedora. Ao regressar de seu interior,
deparou-se com
um
mendigo próximo à porta, e assustou-se com
o estranho,
dizendo-lhe, com agressividade na voz:
– O que
o Sr. está querendo?
O velhinho – era
um velhinho –
sujo,
maltrapilho, sofrido, com
ar de tristeza
e fome trazia
saco imundo
às costas. Este o
olhou com piedade e
respondeu-lhe:
– Por que o Senhor está me agredindo? Sou seu
irmão!
E, ato contínuo, desceu das costas sua trouxa, dela retirando bela
laranja, ofertando-a ao dono da casa, a dizer-lhe:
– Eis um presente,
para
que saiba
que sou seu
irmão... Pode pegar!
Comprei com
meu
dinheiro!
Ou
seja, era
de sua
propriedade.
Não tinha
origem escusa.
Podia oferecê-la. Não era desonesto, como supusera o
prezado amigo. E mais, era sumamente generoso, pois
compartilhava o pouco que possuía até com um homem
abastado, para exemplificar fraternidade!
-.-
A essa altura, nosso companheiro, muito emotivo e
arrependido de gestos e palavras, trazia os
olhos
úmidos de emoção.
E, ainda que sem intenção, agrediu-o novamente
ao retrucar-lhe:
– Fica o senhor com
ela, pois que precisa mais do que eu... O senhor me
perdoe. Em
que
posso servi-lo?
2 – A dor do remorso
Chegara do sítio sábado à tarde e recolhia à casa o que
de lá trouxera.
Ao retornar de seu interior, viu que homem sujo,
maltrapilho e barbudo, entrara até o jardim e recolhia
laranjas espalhadas pela grama, pois que o saco que as
continha, ao cair, abrira-se. Fazia-o, silenciosamente,
alheio ao mundo e à noção de posse.
Que era alguém perturbado mentalmente, concluiu depois,
na hora do remorso, do arrependido pela forma agressiva
com que o tratara, ao vê-lo a catar os frutos.
Naquele instante não analisou nada. Sentiu apenas que o
estranho era um intruso, um ladrão, a roubá-lo. E
expulsou-o asperamente, sem levar em conta seu aspecto
doentio:
– Saia daqui, seu ladrão! Deixa essas laranjas aí e
suma; senão, chamo a polícia!
O outro abandonou-as na relva e, humilde e lentamente,
buscou a rua, sem olhar para trás.
Aparentemente, o caso estava resolvido: cena prosaica,
nos dias que vivemos, onde tantas criaturas perambulam
pelas cidades.
Nosso amigo, passado o instante, pôs-se a refletir: fora
enérgico demais; era um pobre homem. Além disso, quanta
laranja estava a apodrecer na chácara! Não lhe custaria
nada deixá-lo levar algumas e até lhe oferecer algo
mais.
Assim pensando, reuniu várias frutas numa sacola e saiu
a procurá-lo em muitas direções, em vão. Em instantes,
desaparecera.
Só não se lhe apagara, a importuná-lo, a lembrança
daquele personagem e de sua ação desagradável.
A partir daí, perdera o sossego, a paz de espírito. Não
mais se concentrava em nada: nem na leitura do jornal,
nem na tela da televisão. A todo instante, na mente,
aquela imagem a lhe perturbar a consciência.
Sofreu, dias e dias, o arrependimento de não o haver
tratado fraternalmente. Sua precipitação e egoísmo foram
a causa de tudo. O remorso agora o atormentava.
Como sanar o problema?
Expôs o fato a um amigo e lhe pediu que sugerisse
caminhos para livrar-se de vez daquela angústia que o
não abandonava, embora passados muitos dias.
Sugeriu-lhe que guardasse a lição para as próximas
oportunidades em que outros sofredores lhe viessem ao
encontro. O passado era irremediável. Talvez jamais
reencontrasse aquele pobre homem! Mas havia o futuro, no
qual poderia agir de outra forma. Que a partir daí fosse
generoso!
-.-
Deus nos concede, a todo momento, inúmeras oportunidades
para o exercício da fraternidade!
A vida, sempre sábia, é pródiga em
lições.
Com todos podemos aprender: com velhos e crianças, com a
natureza e até
com mendigos.
O primeiro deles, por
exemplo, a vida
não
lhe dera a
fortuna,
mas ensinara-lhe a ser fraterno até com
alguém que o maltratara.
Como irmãos que
somos, cabe-nos respeitar o
próximo, de qualquer
idade
e ou
condição
social e em
todas as circunstâncias.
Mendigos e laranjas, nas variadas circunstâncias, podem
simbolizar fraternidade!
Inúmeros ‘infortúnios ocultos’ se exibem à nossa volta.
Que tenhamos olhos de ver e corações sensíveis para
socorrê-los, amenizando-lhes as dores acerbas!
Quem aprende essa arte do verdadeiro amor, não só
aproveita as ocasiões que se lhe apresentam para
consolidar essa virtude, mas usufrui a alegria e a paz,
como recompensa.
É o que nos diz O Evangelho segundo o Espiritismo2:
“Oh! se pudésseis compreender tudo o que encerra de
grande e de agradável a generosidade das almas belas,
esse sentimento que faz a criatura olhar as outras como
olha a si mesma, despindo-se, jubilosa, para cobrir o
seu irmão! (...)
Compreendei as obrigações que tendes para com os vossos
irmãos! Ide, ide ao encontro do infortúnio; ide em
socorro, sobretudo, das misérias ocultas, por serem as
mais dolorosas! Ide, meus bem-amados, e recordai-vos
destas palavras do Salvador: ‘Quando vestirdes a um
destes pequeninos, lembrai-vos de que é a mim que o
fazeis!’ (...)
´É na caridade que deveis buscar a paz do coração, o
contentamento da alma, o remédio contra as aflições da
vida”.
3 – Caridade moral: oferecer a outra face
Lemos adesivo num carro que recomendava: ‘Seja cristão
também no trânsito’.
Nele, a vida é pródiga de oportunidades.
Ilustrando, eis fato narrado por jovem amiga:
A mãe dela, agredida no trânsito por alguém rude e
mal-educado, viu o agressor emparelhar o próprio carro
ao seu, no próximo semáforo, e endereçar-lhe com a mão
gesto obsceno.
Ela podia ser mãe dele e, não só por isso, merecia o
respeito que devemos ao próximo, sobretudo quando se
trata de uma senhora – ainda mesmo que houvesse cometido
qualquer falha.
Serena e cristãmente, ela abaixou o vidro do próprio
carro e disse a ele:
– Que Deus o abençoe!
O semblante do outro transformou-se em puro
constrangimento, eis que não esperava por ação
extremamente generosa, vinda de uma desconhecida!
Alimentaria a indelicadeza do jovem motorista (?) se lhe
houvesse dito: – Você não tem mãe para ensinar-lhe boas
maneiras?
Não se nivelou à ignorância daquele a quem ainda falta
aprender lições preciosas para quem vive em sociedade: a
civilidade e a tolerância!
Demonstrou ela, com esse significativo gesto, que é
possível vivenciar o que nos ensinou Jesus, ao nos
recomendar oferecer a outra face!
Referências:
1. KARDEC,
Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo.
Trad. Evandro Noleto
Bezerra. 2. ed. 1ª. impr. Brasília: FEB, 2013.
Cap. 13, it. 12, p. 181.
2. ____,
____, Cap. 13 (Não saiba a vossa mão esquerda o que dá a
vossa mão direita), item 11, p. 179 e 180.
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