A. O estado da alma e seu perfeito funcionamento
prendem-se ao estado do cérebro?
Sim, sem dúvida. O enfraquecimen-to do cérebro
acarreta o desfalecimento da alma, tanto quanto
uma lesão cerebral pode produzir a perda de
faculdades correspondentes. É fácil compreender
o motivo. Se o melhor músico do mundo só
dispusesse de um piano com falta de algumas
teclas, ou de um instrumento de construção
defeituosa, ele não poderia mostrar seu
reconhecido talento, por lhe faltar condições
para isso, e nem por isso sua arte teria
desaparecido. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
B. Como se pode explicar a loucura?
Duas hipóteses se apresentam para explicar a
loucura. Ou há ou não há uma lesão no cérebro.
No primeiro caso, a falha do instrumento não
demonstra que inexista a alma. No segundo, o
problema pertence à ordem mental. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
C. O organismo exerce, como sabemos, influência
sobre a alma. Esta exerce também influência
sobre o organismo?
É evidente que sim. Não vemos, a todo instante,
mesmo sob o seu aspecto físico, a influência do
espírito sobre o corpo? As paixões refletem-se
no semblante. Se empalidecemos de medo, é que
este sentimento, manifestando-se por um
movimento do cérebro, retrai os vasos capilares
da face. Se a cólera ou a vergonha
purpureiam-nos o rosto, é que os movimentos
engendrados dilatam os ditos vasos, conforme o
indivíduo. Mas aqui, é ainda o espírito que
desempenha o principal papel. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
Texto para leitura
593. Examinaremos em seguida se os fatos provam,
tão clara e peremptoriamente quanto o supõem,
que o pensamento não passa de função fisiológica
e que a alma é atributo da matéria. O nó do
problema está em decidir se o cérebro é um órgão
ao serviço da inteligência, ou se esta é uma
criação do cérebro, filha e escrava da
substância cerebral. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
594. É sempre, sob outro aspecto, a mesma
questão de força e matéria. Domina a força?
Obedece-lhe a matéria? Ou é o contrário que se
dá? (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. O Cérebro.)
595. Esses senhores declararam, sem forma outra
de processo, que, evidentemente, a força é um
atributo da deusa Matéria e a alma não passa de
ilusão de si mesma, a crer na sua personalidade,
quando mais não é que o resultado passageiro de
um movimento do fósforo, ou da albumina, nos
lobos cerebrais. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
596. Se esta grosseira explicação está tão bem
demonstrada e é tão evidente para os nossos
adversários, confessamos que, ao nosso ver, ela
é obscura e nos parece incapaz de algo provar,
na atualidade, a esse respeito. Não somente a
fisiologia cerebral ainda está na sua infância,
como, no parecer mesmo dos fisiologistas mais
eminentes, as relações do cérebro com o
pensamento permanecem profundamente
desconhecidas. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
597. Sem dúvida, o estado da alma prende-se ao
estado do cérebro; certo, o enfraquecimento
deste acarreta o desfalecimento daquela; as
crianças e os velhos (posto que com exceções
numerosas) raciocinam com menos clareza e rigor
que os homens maduros; e concebe-se que uma
lesão cerebral produza a perda de faculdades
correspondentes; mas, que prova tudo isso, uma
vez que o cérebro é, neste plano, o instrumento
necessário, sine qua non, da manifestação
da alma? Se, em vez de ser a causa, ele é apenas
a condição? (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
598. Se o melhor músico do mundo só dispusesse
de um piano com falta de algumas teclas, ou de
instrumento outro de construção defeituosa,
seria lícito negar talento musical a esse músico
só por lhe falhar o instrumento, sobretudo
quando, a seu lado, outros artistas, por
disporem de instrumentos à altura de seus
talentos, se fazem admirar por quem os ouve?
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
599. Este, na verdade, o primeiro ponto a
examinar: - É ou não a alma uma força pessoal
animando o sistema nervoso? Uma primeira
resposta é dada pelo fato, já relatado, de
oferecerem os hemisférios cerebrais tanto mais
sinuosidades, meandros e circunvoluções
irregulares, quanto mais pensante é o portador
desse cérebro. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
600. Não se dirá então, que, precisamente por
ser independente e ativo, o pensamento trabalhou
mais fortemente esse cérebro? Que, por se haver
ele retraído muitas vezes sobre si mesmo, por
ter tremido de angustiosas ânsias, em
constrições de medo e em êxtases de amor; por
haver procurado, meditado, escavado os
problemas; por se haver ora revoltado, ora
submetido; por ter, numa palavra, desempenhado
rudes labores, é que a substância, veículo de
comunicação com o exterior, guardou os traços
desses movimentos e vigílias? Esta é a nossa
opinião e pensamos que seria difícil
demonstrar-nos o contrário. (Deus na Natureza
– Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
601. Alberto, um anatomista de Bonn, dissecou
cérebros de pessoas que se haviam entregado a
trabalhos intelectuais durante alguns anos, e
achou em todos uma substância muito consistente
e a massa parda, bem como os sulcos assaz
desenvolvidos. Se, por outro lado, observamos
com Spurzein, Gall e Laváter, que a cultura das
faculdades superiores do espírito se nos imprime
no crânio e no semblante; se visitarmos o Museu
de Antropologia de Paris e notarmos, através da
coleção de crânios do abade Frêre, que os
progressos da Civilização redundaram na elevação
da parte anterior e na depressão da occipital,
poderemos tirar destes fatos uma conclusão
diametralmente oposta à dos adversários, para
afirmar que o pensamento rege a substância
cerebral. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. O Cérebro.)
602. A propósito de conclusões, não podemos
eximir-nos de admirar a facilidade com que se
podem tirar dos mesmos fatos conclusões
inteiramente contrárias: tudo depende da
disposição de espírito e haveria que desesperar
dos progressos da teoria, se a maioria dos
homens tivesse o caráter mal formado. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
603. Verificariam, por exemplo, em experiências
com alienados, que alguns haviam recuperado a
consciência e a razão pouco antes de morrer.
Concluíram os espiritualistas que as almas
desses infelizes voltavam, após longo
isolamento, ao conhecimento de si mesmas e ao
predomínio do corpo, sendo-lhes permitido, nesse
transe supremo, abrir os olhos da consciência ao
passarem desta para a outra vida. Os
materialistas, ao invés, aproveitaram o fato,
alegando que a aproximação da morte liberta o
cérebro das influências tórpidas e mórbidas do
corpo[i].(Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
604. Mais do que se imagina, a própria Anatomia
fisiológica se embaraça, no concernente à
loucura em relação com o estado do cérebro.
Enquanto num, como os citados, muitos veem;
outros, não menos hábeis, nada encontram.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
605. O alienista Leuret declara que nenhuma
alteração cerebral se encontra, senão nos casos
em que a demência é precedida de qualquer outra
enfermidade, e que essas alterações são tão
variáveis e diferentes que não autorizam ser
apresentadas, afirmativamente, como verdadeiras
causas. Assim também, a propósito das
anfratuosidades há pouco referidas, poder-se-ia
não ver mais que efeitos. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
606. Quando nossos adversários acrescentam que
os casos de demência protestam contra a
existência da alma, não estão melhor aparelhados
para defender o seu sistema. Duas hipóteses se
apresentam para explicar a loucura. Ou há, ou
não há uma lesão no cérebro. No primeiro caso, a
falha do instrumento não demonstra a
inexistência do artista; e, no segundo, o
problema fica pertencendo à ordem mental.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
607. Melhor ainda: o primeiro caso pode
enquadrar-se no segundo, se admitirmos, qual
sugere a experiência, que a loucura – seja a
causada por uma dor súbita, por um grande susto
ou por desesperação profunda – tem, em todos
estes casos, sua fonte no ser mental, que reage
contra o estado normal do cérebro e lhe acarreta
qualquer alteração. Ainda aqui, é evidente, que
quem sofre é o ser pensante, a determinar no
organismo um distúrbio correspondente ao
sofrimento. E de fato, tem-se verificado que as
alterações só se encontram nas loucuras antigas,
como se o espírito aí fora o que é por toda a
parte – o movimentador da substância. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
608. Por outro lado, enquanto os adversários
deduzem da descrição anatômica do cérebro que a
faculdade de pensar não é mais que propriedade
de movimentos do conjunto, nós vemos, na
multiplicidade mesma desses movimentos, uma
submissão do cérebro à grande lei da divisão do
trabalho, por dar a cada órgão a sua função, de
acordo com a respectiva situação, estrutura,
composição, forma, peso, tamanho. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
609. Vemos, nessa variedade de efeitos, um
argumento a favor da independência da alma, de
vez que a hipótese desses fisiologistas não
pode, de maneira alguma, conciliar uma tal
complexidade dinâmica do cérebro com a
simplicidade necessária e reconhecida, do ser
intelectual. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
610. As comparações de crânios encontrados em
antigos cemitérios de Paris, desde quando o
prefeito de Napoleão 3º promoveu a remodelação
da cidade, e, em particular, a diferença entre
crânios das valas comuns e dos túmulos
particulares, estabeleceram novamente que os
indivíduos votados às ciências e artes possuem
uma capacidade cerebral maior que a dos simples
operários. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
611. As mesmas escavações revelaram que a
capacidade craniana dos parisienses aumentara,
de Filipe-Augusto para cá. A capacidade craniana
do negro livre é maior que a do escravo. Eis um
fato significativo que poderia (em dada
circunstância) ser invocado a favor da
liberdade. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
612. Tendo provas de que as impressões
exteriores influem no pensamento, temo-las por
igual de que o pensamento domina os próprios
sentidos. Quantas criaturas não vemos por aí,
cujo cérebro e cujo corpo padecem enfermidade
lenta e rebelde, arrostando uma existência de
misérias e dores e conservando, sem embargo,
fortaleza de ânimo, e guardando a flor da
virtude, sobranceiras à torrente de lodo que as
arrasta, e vencendo pela grandeza do caráter os
elos da adversidade? (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
613. Alguém pode negar que haja dores morais que
residem, lacerantes, nas profundezas insondáveis
da alma? Dores íntimas, não causadas por
acidentes físicos, nem por enfermidade exterior,
nem por alteração do cérebro, mas, tão só, por
uma causa incorpórea, qual a perda de um pai, a
morte de um filho, a infidelidade de um ente
amado, a ingratidão de um protegido, a traição
de um amigo; ou ainda pelo quadro de um
infortúnio, pela derrota de uma causa justa,
pelo contágio de ideias malsãs; por multidão de
causas, enfim, que nada têm de comum com o mundo
da matéria e não se medem geométrica e
quimicamente, mas constituem o domínio do mundo
intelectual? (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
614. Não vemos, assim, mesmo sob o seu aspecto
físico, a influência do espírito sobre o corpo?
As paixões refletem-se no semblante. Se
empalidecemos de medo, é que este sentimento,
manifestando-se por um movimento do cérebro,
retrai os vasos capilares da face. Se a cólera
ou a vergonha purpureiam-nos o rosto, é que os
movimentos engendrados dilatam os ditos vasos,
conforme o indivíduo. Mas aqui, é ainda o
espírito que desempenha o principal papel.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
615. Se alguma vez corastes à impressão
subitânea de um olhar feminino (não há desdouro
em confessá-lo), não sentistes que a indiscreta
impressão se transmitia ao cérebro por
intermédio dos olhos e daí descia ao coração
para remontar ao rosto? Procurai analisar essa
sucessão, e mesmo que não coreis tomado de
qualquer súbito temor, aplicai a mesma análise e
concluireis que, sem o quererdes, as impressões
vos passam céleres pela mente, antes que se
traduzam exteriormente. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
616. O mesmo se verifica com os sentimentos; é
no peito e não na cabeça que uma inexprimível
sensação de plenitude ou de vácuo se manifesta,
quando, em certas horas de melancolia, o
pensamento se nos desprende e voa para o ser
amado. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. O Cérebro.)
[i]
Büchner – Ob. cit., página 126.