Artigos

por Anselmo Ferreira Vasconcelos

  
O crescimento das desigualdades no planeta


Dada a gravidade de certos assuntos que envolvem atualmente a nossa civilização, bem como a incapacidade humana de equacioná-los apropriadamente, nós, articulistas, temos, então, o dever de reexaminá-los de tempos em tempos sob a luz de novos fatos e acontecimentos. Quem sabe surge daí alguma iniciativa meritória ou pelo menos alguma reflexão nessa direção. Afinal de contas, como sabiamente observa o Espírito Joanna de Ângelis, na obra Atitudes Renovadas (psicografia de Divaldo Pereira Franco), “Há muita sombra no mundo, aguardando um raio de luz que sirva de sinal de esperanças apontando rumos”. 

Posto isto, recordamos que ainda continua ecoando com extrema precisão a advertência – e pelo visto assim será por um bom tempo – de Jesus Cristo sobre as enormes dificuldades humanas de praticar o desprendimento das coisas materiais, ou seja, “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus” (Marcos, 10: 25).

O inesquecível Rabi da Galileia referia-se ao quão difícil é para as criaturas humanas de todos os tempos diminuir o anseio de ter em vez de ampliar o patrimônio subjacente às conquistas do ser. Com efeito, as sábias palavras do Mestre continuam absolutamente atualizadas. Na mesma linha de raciocínio, Paulo, o corajoso apóstolo dos Gentios, observou: “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” (I Timóteo, 6: 10).

Nesse sentido, cumpre destacar que as revelações recentes da imprensa mundial a respeito do escândalo denominado de Paradise Papers apenas confirmam tais percepções. O obscuro episódio envolve, essencialmente, conforme apurou o jornal The Guardian, a pura e clássica fraude fiscal ou a busca de esquemas altamente favoráveis para pagamento de impostos por políticos, celebridades, corporações mundiais etc. É tão abrangente o caso que nem mesmo a rainha da Inglaterra escapou. O desafio está em deslindar o que é legal do que é ilegal – já que não há lei internacional que proíbe ninguém de investir em paraísos fiscais (tax heavens). Todavia, a revelação deste caso traz graves implicações éticas, especialmente para os personagens arrolados, que precisam ser consideradas.

A investigação que trouxe a lume mais esse escândalo mundial foi conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação isto é, 382 jornalistas de quase 100 meios de comunicação – e focou em mais de 13 milhões de documentos de paraísos fiscais que abrangem um período de quase 70 anos (1950-2016). Os resultados até aqui obtidos são no mínimo constrangedores para a biografia de pessoas de destaque no planeta (fundamentalmente ricas e badaladas), que deveriam dar bons exemplos pela posição que ocupam. Descobriu-se também que empresas multinacionais gigantescas fazem malabarismos contábeis para pagar menos impostos e assegurar, portanto, mais retorno aos seus acionistas.

No final das contas, o que veio à tona foi a comprovação, uma vez mais, da existência de um enorme fosso entre os ricos e pobres do mundo. Trata-se basicamente de um círculo vicioso que tem gerado profundas e crescentes desigualdades sociais, mas que precisa ser urgentemente enfrentado. Se os mais ricos do mundo se sentem tão incomodados em pagar mais tributos porque consideram as taxas de pagamento de impostos de renda leoninas, que se busque, então, um equilíbrio ou, no jargão dos tributaristas, “justiça fiscal”.

Mas tenhamos em mente que a sonegação e a evasão fiscal só trazem miséria, exclusão social e infelicidade, entre outros males facilmente identificáveis. Basta recordar a massa de deserdados do planeta que está batendo em todas as portas. Afinal, não é o que está acontecendo fortemente na Europa na atualidade?

As pessoas querem ter uma chance de viver dignamente, seja na África, seja na Ásia, seja na América do Norte, seja, enfim, em qualquer lugar. Há poucos dias atrás assisti a uma reportagem na maior emissora de TV aberta do nosso país retratando a situação dos sem-teto do estado do Paraná, que se abrigam às noites, por força das circunstâncias, debaixo de marquises de prédios ou lojas, e que estão sendo expulsos destes locais sem clemência. Qual foi a solução adotada? Os moradores e donos dos imóveis instalaram, assim mostrou a reportagem, toda sorte de dispositivos, vasos, ferros pontiagudos e canos de água sobre tais locais, para afastar “os indesejados vizinhos”.

Nesse afã estão contrariando flagrantemente dispositivos legais, conforme observou a OAB do referido estado. Pode-se argumentar, até com certa razão: e se tal acontecesse na frente da casa do articulista? Você não se sentiria incomodado? Sem dúvida. Na verdade, cabe-me ainda dizer que não estou isento de tal problema, pois ele também me atinge, especialmente nos finais de semana. Como afirmei antes, a miséria está em toda parte. Vencê-la é um desafio de todos nós. E no Brasil ela é altamente perturbadora, pois acaba estimulando atos e ações ilegais, sem falar da violência, que só tornam ainda mais insegura a nossa sociedade.

Por outro lado, já se tornou um truísmo afirmar que boa causa dos males que aqui grassam é decorrente da iníqua concentração de riqueza. De fato, como frisou recentemente um esclarecedor relatório da ONG, OXFAM, em nosso país, a situação é deveras degradante considerando que “apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres”. E essa hecatombe econômica e social não para aí, pois “os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%” (as ênfases são minhas). A distância social é tão significativa que “uma trabalhadora que ganha um salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o equivalente aos rendimentos de um super-rico em um único mês”.

O relatório afirma também que a desigualdade e a pobreza são situações evitáveis. Portanto, não dá mais para ficarmos indiferentes a tão grave problema social. Aceitar passivamente o fato de que “O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo”, não me parece algo que a espiritualidade aguarda de nós.

Analisando essa problemática, o Espírito Joanna de Ângelis, na obra Entregue-te a Deus (psicografia de Divaldo Pereira Franco), pondera que “Há, portanto, um imenso contraste entre os seres humanos, dividindo-os naqueles que tudo possuem e noutros que apenas olham e não dispõem das mesmas possibilidades”.

Como observa o Espírito Emmanuel, na obra Caminho, Verdade e Vida (psicografia de Francisco Cândido Xavier), “O dinheiro não significa um mal”. De fato, o mal está na maneira como lidamos com esse recurso. Ser escravo da riqueza, acumulá-la com cupidez, explorar os que dependem de nós e ludibriar as leis pelo desejo infrene de ter cada vez mais, não nos assegurará um futuro de paz e harmonia n’alma. Pelo contrário.

Como ensina Emmanuel, “O dinheiro que te vem às mãos, pelos caminhos retos, que só a tua consciência pode analisar à claridade divina, é um amigo que te busca a orientação sadia e o conselho humanitário. Responderás a Deus pelas diretrizes que lhe deres e ai de ti se materializares essa força benéfica no sombrio edifício da iniquidade”.

Joanna de Ângelis argumenta, no livro acima citado, que as “gloriosas conquistas da inteligência” ainda não incorporaram as “conquistas morais”. Desse modo, só por meio dessa mudança paradigmática, o ser humano poderá alcançar uma condição plena e ditosa. Concluindo, acumular excessivamente aquilo que não poderemos carregar além-túmulo não é uma atitude inteligente.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita