O crescimento das
desigualdades no planeta
Dada a gravidade de certos assuntos que envolvem
atualmente a nossa civilização, bem como a
incapacidade humana de equacioná-los
apropriadamente, nós, articulistas, temos,
então, o dever de reexaminá-los de tempos em
tempos sob a luz de novos fatos e
acontecimentos. Quem sabe surge daí alguma
iniciativa meritória ou pelo menos alguma
reflexão nessa direção. Afinal de contas, como
sabiamente observa o Espírito Joanna de Ângelis,
na obra Atitudes Renovadas (psicografia
de Divaldo Pereira Franco), “Há muita
sombra no mundo, aguardando um raio de luz que
sirva de sinal de esperanças apontando rumos”.
Posto isto, recordamos que ainda continua
ecoando com extrema precisão a advertência – e
pelo visto assim será por um bom tempo – de
Jesus Cristo sobre as enormes dificuldades
humanas de praticar o desprendimento das coisas
materiais, ou seja, “É mais fácil passar um
camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar
um rico no reino de Deus” (Marcos, 10: 25).
O inesquecível Rabi da Galileia referia-se ao
quão difícil é para as criaturas humanas de
todos os tempos diminuir o anseio de ter
em vez de ampliar o patrimônio subjacente às
conquistas do ser. Com efeito, as sábias
palavras do Mestre continuam absolutamente
atualizadas. Na mesma linha de raciocínio,
Paulo, o corajoso apóstolo dos Gentios,
observou: “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de
toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns
se desviaram da fé, e se traspassaram a si
mesmos com muitas dores” (I Timóteo, 6: 10).
Nesse sentido, cumpre destacar que as revelações
recentes da imprensa mundial a respeito do
escândalo denominado de Paradise Papers
apenas confirmam tais percepções. O obscuro
episódio envolve, essencialmente, conforme
apurou o jornal The Guardian, a pura e
clássica fraude fiscal ou a busca de esquemas
altamente favoráveis para pagamento de impostos
por políticos, celebridades, corporações
mundiais etc. É tão abrangente o caso que nem
mesmo a rainha da Inglaterra escapou. O desafio
está em deslindar o que é legal do que é ilegal
– já que não há lei internacional que proíbe
ninguém de investir em paraísos fiscais (tax
heavens). Todavia, a revelação deste caso
traz graves implicações éticas, especialmente
para os personagens arrolados, que precisam ser
consideradas.
A investigação que trouxe a lume mais esse
escândalo mundial foi conduzida pelo Consórcio
Internacional de Jornalismo de Investigação
–
isto é, 382 jornalistas de quase 100 meios de
comunicação – e focou em mais de 13 milhões de
documentos de paraísos fiscais que
abrangem um período de quase 70 anos
(1950-2016). Os resultados até aqui obtidos são
no mínimo constrangedores para a biografia de
pessoas de destaque no planeta (fundamentalmente
ricas e badaladas), que deveriam dar bons
exemplos pela posição que ocupam. Descobriu-se
também que empresas multinacionais gigantescas
fazem malabarismos contábeis para pagar menos
impostos e assegurar, portanto, mais retorno aos
seus acionistas.
No final das contas, o que veio à tona foi a
comprovação, uma vez mais, da existência de um
enorme fosso entre os ricos e pobres do mundo.
Trata-se basicamente de um círculo vicioso que
tem gerado profundas e crescentes desigualdades
sociais, mas que precisa ser urgentemente
enfrentado. Se os mais ricos do mundo se sentem
tão incomodados em pagar mais tributos porque
consideram as taxas de pagamento de impostos de
renda leoninas, que se busque, então, um
equilíbrio ou, no jargão dos tributaristas,
“justiça fiscal”.
Mas tenhamos em mente que a sonegação e a evasão
fiscal só trazem miséria, exclusão social e
infelicidade, entre outros males facilmente
identificáveis. Basta recordar a massa de
deserdados do planeta que está batendo em todas
as portas. Afinal, não é o que está acontecendo
fortemente na Europa na atualidade?
As pessoas querem ter uma chance de viver
dignamente, seja na África, seja na Ásia, seja
na América do Norte, seja, enfim, em qualquer
lugar. Há poucos dias atrás assisti a uma
reportagem na maior emissora de TV aberta do
nosso país retratando a situação dos sem-teto do
estado do Paraná, que se abrigam às noites, por
força das circunstâncias, debaixo de marquises
de prédios ou lojas, e que estão sendo expulsos
destes locais sem clemência. Qual foi a solução
adotada? Os moradores e donos dos imóveis
instalaram, assim mostrou a reportagem, toda
sorte de dispositivos, vasos, ferros pontiagudos
e canos de água sobre tais locais, para afastar
“os indesejados vizinhos”.
Nesse afã estão contrariando flagrantemente
dispositivos legais, conforme observou a OAB do
referido estado. Pode-se argumentar, até com
certa razão: e se tal acontecesse na frente da
casa do articulista? Você não se sentiria
incomodado? Sem dúvida. Na verdade, cabe-me
ainda dizer que não estou isento de tal
problema, pois ele também me atinge,
especialmente nos finais de semana. Como afirmei
antes, a miséria está em toda parte. Vencê-la é
um desafio de todos nós. E no Brasil ela é
altamente perturbadora, pois acaba estimulando
atos e ações ilegais, sem falar da violência,
que só tornam ainda mais insegura a nossa
sociedade.
Por outro lado, já se tornou um truísmo afirmar
que boa causa dos males que aqui grassam é
decorrente da iníqua concentração de riqueza. De
fato, como frisou recentemente um esclarecedor
relatório da ONG, OXFAM, em nosso país, a
situação é deveras degradante considerando que “apenas
seis pessoas possuem riqueza equivalente ao
patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais
pobres”. E essa hecatombe econômica e social não
para aí, pois “os 5% mais ricos detêm a
mesma fatia de renda que os demais 95%”
(as ênfases são minhas). A distância social é
tão significativa que “uma trabalhadora que
ganha um salário mínimo por mês levará 19 anos
para receber o equivalente aos rendimentos de um
super-rico em um único mês”.
O relatório afirma também que a desigualdade e a
pobreza são situações evitáveis. Portanto, não
dá mais para ficarmos indiferentes a tão grave
problema social. Aceitar passivamente o fato de
que “O Brasil é um dos países mais desiguais do
mundo”, não me parece algo que a espiritualidade
aguarda de nós.
Analisando essa problemática, o Espírito Joanna
de Ângelis, na obra Entregue-te a Deus
(psicografia de Divaldo Pereira Franco), pondera
que “Há, portanto, um imenso contraste entre os
seres humanos, dividindo-os naqueles que tudo
possuem e noutros que apenas olham e não dispõem
das mesmas possibilidades”.
Como observa o Espírito Emmanuel, na obra
Caminho, Verdade e Vida (psicografia de
Francisco Cândido Xavier), “O dinheiro não
significa um mal”. De fato, o mal está na
maneira como lidamos com esse recurso. Ser
escravo da riqueza, acumulá-la com cupidez,
explorar os que dependem de nós e ludibriar as
leis pelo desejo infrene de ter cada vez mais,
não nos assegurará um futuro de paz e harmonia
n’alma. Pelo contrário.
Como ensina Emmanuel, “O dinheiro que te vem às
mãos, pelos caminhos retos, que só a tua
consciência pode analisar à claridade divina, é
um amigo que te busca a orientação sadia e o
conselho humanitário. Responderás a Deus pelas
diretrizes que lhe deres e ai de ti se
materializares essa força benéfica no sombrio
edifício da iniquidade”.
Joanna de Ângelis
argumenta, no livro acima citado, que as
“gloriosas conquistas da inteligência” ainda não
incorporaram as “conquistas morais”. Desse modo,
só por meio dessa mudança paradigmática, o ser
humano poderá alcançar uma condição plena e
ditosa. Concluindo, acumular excessivamente
aquilo que não poderemos carregar além-túmulo
não é uma atitude inteligente.
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