Clássicos
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 34)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de 1867.


Questões preliminares


A. Há exemplos de fácil compreensão que demonstrem a influência da alma ou espírito sobre o corpo físico?

Sim. A esse respeito Flammarion lembra-nos que um súbito terror se comunica ao coração e acelera ou retarda o pulso, podendo mesmo paralisá-lo numa síncope. A tristeza e a alegria produzem lágrimas. O trabalho mental fatiga o cérebro, o sangue se empobrece, a fome se faz sentir. Uma forte emoção, como sabemos, pode elevar subitamente a pressão arterial e, em certos casos, afetá-la para sempre. Esses são alguns dos exemplos que todos podemos com facilidade compreender. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

B. Como Flammarion se refere à medula e aos nervos?

A medula, diz Flammarion, mais não é que poderosos feixes de fibras nervosas, nervos que partem desse veio, irradiando em todos os sentidos para a superfície do corpo, e nos quais existe uma corrente análoga à corrente elétrica. Quanto aos nervos, são como fios telegráficos que transmitem à consciência as impressões recebidas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

C. Pode-se dizer que as leis e forças espirituais existem independentemente das corporais?

Sim; pelo menos é o que Flammarion afirma nesta obra. A força de vontade é bem distinta da força muscular. A ambição difere da fome, o desejo distingue-se da sede. Onde encontrar as leis morais que regem a consciência? Que têm de comum as noções de justo e injusto com o ácido carbônico? Em que um triângulo, um círculo, um quadrado podem afetar a bondade, a generosidade, a coragem? (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)


Texto para leitura


617. Ainda comentando a influência do espírito ou alma sobre o corpo, Flammarion lembra-nos que um súbito terror se comunica ao coração e acelera ou retarda o pulso, podendo mesmo paralisá-lo numa síncope. A tristeza e a alegria produzem lágrimas. O trabalho mental fatiga o cérebro, o sangue se empobrece, a fome se faz sentir. Todas estas, e grande número de observações outras, induzem-nos a crer que o pensamento, que é imaterial, tem sede no cérebro, que lhe serve tanto para receber os despachos do mundo exterior como para levar-lhe suas ordens. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

618. Ademais, como ninguém ignora, o cérebro e a medula mais não são que poderosos feixes de fibras nervosas, nervos que partem desse veio, irradiando em todos os sentidos para a superfície do corpo, e nos quais existe uma corrente análoga à corrente elétrica. Os nervos são fios telegráficos que transmitem à consciência as impressões do interior, enquanto os músculos executam as ordens do cérebro. Ora, Dubois-Reymond mostrou que toda atividade nervosa manifestada nos músculos, a título de movimento, e no cérebro, a titulo de sensação, é seguida de uma alteração da corrente neuroelétrica. Contudo, dizer que a consciência não passa de produto da transmissão desses movimentos, é cometer uma ingenuidade, como se pretendêssemos que a correspondência telegráfica diariamente trocada entre os gabinetes de Londres e Paris tivessem por causa a passagem de uma nuvem tempestuosa, ou de uma bobina de indução para o manipulador, e que o receptor de si mesmo recambiasse a resposta dos despachos inteligentes[i]. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

619. Proclamar que não há no homem mais que um produto da matéria, assimilá-lo a um composto químico e deduzir que o pensamento é uma produção química de certas combinações materiais, é um erro monstruoso. Todos sabemos que o pensamento não é ingrediente de oficina. Espírito e matéria são entidades tão estranhas uma à outra, que todas as línguas, de todos os tempos, sempre as conceituaram diametralmente opostas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

620. As leis e forças espirituais existem independentemente das corporais. A força de vontade é bem distinta da força muscular. A ambição difere da fome, o desejo distingue-se da sede. Onde encontrareis as leis morais que regem a consciência? Que têm de comum as noções de justo e injusto com o ácido carbônico? Em que um triângulo, um círculo, um quadrado podem afetar a bondade, a generosidade, a coragem? Seria justo dizer que Cromwell tinha 2,231, Byron 2,238 e Cuvier 1,829 gramas de inteligência, por serem tais os pesos de seu cérebro? Na verdade, quando se procura sondar o assunto a fundo, fica-se admirado de ver que homens de pensamento tenham chegado a confundir num só objeto o mundo espiritual e o material. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

621. Também perguntamos se esses experimentalistas[ii] aprofundaram bem o sentido de suas palavras ao anunciarem proposições tais como as basilares de suas doutrinas:

– Todas as faculdades que denominamos atributos da alma não passam de funções da substância cerebral. Os pensamentos estão para o cérebro, mais ou menos como a bílis para o fígado e a urina para os rins[iii].

– A secreção do fígado, dos rins – diz outro escritor que não ousa atingir inteiramente a mesma comparação – verifica-se à nossa revelia e produz uma matéria palpável, ao passo que a atividade cerebral não se pode verificar sem a consciência integral e esta não segrega substância, mas forças[iv]. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

622. Que vem a ser segregar forças? Ficaríamos gratos a quem no-lo explicasse. Por que não segregar horas ou quilômetros? Mas há mais:

– O que denominamos quantidade consciencial, é determinado pelos elementos constitutivos do sangue. Uma prova de que a produção de forças mentais depende diretamente de permutas químicas, está em que os produtos usados pelo sangue, e filtrados nos rins, variam segundo a natureza do trabalho cerebral[v].

– O pensamento é um dinamismo da matéria. Movimentos materiais, ligados nos nervos a correntes elétricas, são percebidos no cérebro como sensação e esta sensação é o conhecimento de si mesmo, é a consciência. A vontade é a expressão necessária de um estado do cérebro, produzida por influências exteriores. Não há livre-arbítrio. (Moleschott – Kreislaf des Lebens, 2º, 156, 181.)

– A mesma relação existe (segundo Huschke) entre o pensamento e as vibrações elétricas dos filamentos do cérebro, qual a da cor com as vibrações do éter.

– O pensamento é uma secreção do cérebro, já o dissera Cabanis há mais de meio século.

– Todos os atos humanos são frutos fatais da substância cerebral, afirmava Taine ainda há pouco; vício e virtude valem por vitríolo e açúcar. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

623. A estas, juntaremos uma última proposição, que parece formulada para explicar todas as outras: é a de Nicole, quando assevera justamente que as maiores tolices encontram sempre inteligências a elas proporcionadas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

624. Kant tivera a lembrança de substituir a realidade do mundo exterior pelas ideias puramente subjetivas do espírito e, em compensação, o autor de Koerper und Ceiat, Sr. H. Scheffler, ensaia explicar a gênese do espírito pela matéria. Não lhe citaremos o processo, um tanto trabalhado, mas o testemunho crítico que lhe concedeu o defensor atual do animismo, Sr. Tissot. “Nesta hipótese – di-lo este – é uma força da matéria, não uma simples força, mas uma resultante das forças simples da matéria, reunidas para (quanto mistério nestas duas palavras!) formar o organismo humano. O espírito não atinge o estado fenomenal senão quando a matéria se tem organizado em corpo humano (que abismo tão grande, que não se pode sequer entrever!), mas a tendência para esta organização ou para a produção espiritual não existe na matéria.” (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

625. A necessidade de admitir a ação da força ressalta, em que lhes pese, de todas as suas definições. E que definições! Julguem-nas pela precedente. Mais, eis um traço de luz que pode juntar-se ao fogo de artifício: “O pensamento, diz Büchner, espírito e alma, nada tem de material, não é matéria (bravo), mas (ouvide isto) é um complexo de forças heterogêneas, formando uma unidade; é o efeito da ação concomitante de muitas substâncias materiais, dotadas de forças ou propriedades”. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

626. Segundo a judiciosa conclusão do Dr. Hoefer, aí temos uma explicação digna de emparelhar com a resposta de Sganarelle: Ossabundus, nequeis, nequer, potarium, quipsa milus, ou “eis o que faz seja muda a vossa filha”. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

627. Sábios! Já Epicuro tinha dito que a natureza de uma pedra é cair, porque ela cai... mas isto não é mais ciência, é comédia. As galimatias que nos impingem como definição d’alma são uma pilhéria detestável. Adiante. Cada qual com o seu paladar. Comparável a estas definições, só mesmo a proposição de Hegel sobre a identidade de corpo e espírito. Ei-la: “A matéria não é senão espírito; e o espírito não é senão matéria. Logo, são um e outra a mesma coisa!” (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

628. Este alto raciocínio, que o seu autor qualifica de irrefutável, lá está na sua Grande Lógica. Famosa lógica, a demonstrar que o puro materialismo está real e efetivamente puro de todo o espírito! Como vemos, não faltam definições. Somente estamos ainda a perguntar que é o que elas definem. Mas valem, ainda assim, para nos provar que toda essa gente sabe tanto quanto nós da natureza da alma. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

629. Assim, neste capítulo, acabamos de ver que, se de um lado a constituição física do cérebro está de harmonia com a alma e maravilhosamente apropriada para que essa alma receba, de modo integral, as impressões do mundo exterior, julgue-as e transmita as suas próprias determinações; por outro lado, a anatomia do cérebro desautoriza a concluir não passe a alma de produto orgânico, ao passo que a Filosofia deslinda, na trama de incertezas e contradições do materialismo, a ação evidente do espírito sobre a matéria. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

630. Vimos que a loucura não é afecção orgânica, porém psíquica, e que a alma tem o seu mundo de dores e de alegrias: A determinação é patente. Será crível, entretanto, que, depois de considerar a loucura uma enfermidade fisiológica, ousassem equipará-la ao gênio, havendo, já agora, muitos médicos que a consideram uma nevrose? (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

631. Só a nossa época era capaz destas ousadias. “A constituição de muitos homens de gênio – diz Moreau (de Tours) – é bem, e realmente a mesma dos idiotas”[vi]. Desenvolvendo desmesuradamente uma tese do Dr. Lelut, o autor sustenta que o gênio não pertence aos domínios do espírito, mas do corpo! Mas, em que base se firma ele? No fato de (dizem) certos homens de gênio manifestarem esquisitices, excentricidades, distrações, ou serem enfermiços, raquíticos, adiposos, surdos, gagos, ou ainda passíveis de alucinações. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

632. É realmente singular aferir o gênio pela singularidade das opiniões, pela originalidade, pelo entusiasmo ou pelo delírio. A nós nos parece que ele consiste, antes, na sublimidade do pensamento, na elevação da alma aos cimos do estudo científico, na plena posse de si mesma, em face das contemplações intelectuais. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)

633. Esta singular identificação do gênio com a loucura foi valorosamente refutada pelo Sr. Paulo Janet, no seu valioso trabalho sobre O Cérebro e o Pensamento. “Esta teoria – diz ele – tomou a aparência como realidade, o acidente pela substância, os sintomas mais ou menos variáveis, pelo fundamental e essencial. O que constitui o gênio não é o entusiasmo (pois este pode existir nos espíritos mais medíocres e vazios) e sim a superioridade do racionalismo. O homem de gênio é o que vê mais claro, o que percebe maior contingente de verdade, o que pode relacionar maior número de fatos a uma ideia geral, o que encadeia todas as partes de um todo a uma lei comum, e que, mesmo quando cria, qual se dá na poesia, não faz mais que realizar, pela imaginação, a ideia que a sua inteligência concebeu. A característica do gênio está no possuir-se a si mesmo e não em ser arrastado por uma força fatal e cega; está em governar suas ideias e não em ser subjugado por imagens; está em ter consciência nítida do que quer e vê, e não em perder-se num êxtase vazio e absurdo, semelhante ao dos faquires indianos.” (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)


 

[i]     Em que pesem algumas experiências interessantes, a eletricidade animal não é um fato averiguado. Nada prova que os efeitos observados não tenham por causa um outro agente. Os eletróforos ainda não puderam constatar na tremelga, na enguia, etc., nenhum vestígio de tensão de polaridade de atração. Humphry-Davy não pôde reconhecer nenhum desvio da agulha imantada, nem a menor decomposição da água pelas tremelgas, ou peixes outros. Não há, portanto, que precipitar conclusões e apregoar com tanta ênfase a identidade da eletricidade com a vida e, sobretudo, com o pensamento.

[ii]    Lendo as Leçons sur i’Homme de Karl Vogt, não duvidamos, mercê dos eloquentes exemplos evidenciados, que essas lições eram professadas contra o Espírito. Mas, apesar disso, em muitos pontos dignos de atendo, elas demonstraram que a ação espiritual por sua atividade, progresso, atuação permanente, influi de modo considerável no volume, forma e peso do cérebro.

[iii]   Karl Vogt – Physiolosgische Briefe für Gebiidete aller Ständ, 206.

[iv]   Büchner – Kraft un Stoff.

[v]    Spencer – First Principles, 282.

[vi]   La Psychologie Morbide.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita