A. Há exemplos de fácil compreensão que
demonstrem a influência da alma ou espírito
sobre o corpo físico?
Sim. A esse respeito Flammarion lembra-nos que
um súbito terror se comunica ao coração e
acelera ou retarda o pulso, podendo mesmo
paralisá-lo numa síncope. A tristeza e a alegria
produzem lágrimas. O trabalho mental fatiga o
cérebro, o sangue se empobrece, a fome se faz
sentir. Uma forte emoção, como sabemos, pode
elevar subitamente a pressão arterial e, em
certos casos, afetá-la para sempre. Esses são
alguns dos exemplos que todos podemos com
facilidade compreender. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
B. Como Flammarion se refere à medula e aos
nervos?
A medula, diz Flammarion, mais não é que
poderosos feixes de fibras nervosas, nervos que
partem desse veio, irradiando em todos os
sentidos para a superfície do corpo, e nos quais
existe uma corrente análoga à corrente elétrica.
Quanto aos nervos, são como fios telegráficos
que transmitem à consciência as impressões
recebidas. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
C. Pode-se dizer que as leis e forças
espirituais existem independentemente das
corporais?
Sim; pelo menos é o que Flammarion afirma nesta
obra. A força de vontade é bem distinta da força
muscular. A ambição difere da fome, o desejo
distingue-se da sede. Onde encontrar as leis
morais que regem a consciência? Que têm de comum
as noções de justo e injusto com o ácido
carbônico? Em que um triângulo, um círculo, um
quadrado podem afetar a bondade, a generosidade,
a coragem? (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
Texto para leitura
617. Ainda comentando a influência do espírito
ou alma sobre o corpo, Flammarion lembra-nos que
um súbito terror se comunica ao coração e
acelera ou retarda o pulso, podendo mesmo
paralisá-lo numa síncope. A tristeza e a alegria
produzem lágrimas. O trabalho mental fatiga o
cérebro, o sangue se empobrece, a fome se faz
sentir. Todas estas, e grande número de
observações outras, induzem-nos a crer que o
pensamento, que é imaterial, tem sede no
cérebro, que lhe serve tanto para receber os
despachos do mundo exterior como para levar-lhe
suas ordens. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
618. Ademais, como ninguém ignora, o cérebro e a
medula mais não são que poderosos feixes de
fibras nervosas, nervos que partem desse veio,
irradiando em todos os sentidos para a
superfície do corpo, e nos quais existe uma
corrente análoga à corrente elétrica. Os nervos
são fios telegráficos que transmitem à
consciência as impressões do interior, enquanto
os músculos executam as ordens do cérebro. Ora,
Dubois-Reymond mostrou que toda atividade
nervosa manifestada nos músculos, a título de
movimento, e no cérebro, a titulo de sensação, é
seguida de uma alteração da corrente
neuroelétrica. Contudo, dizer que a consciência
não passa de produto da transmissão desses
movimentos, é cometer uma ingenuidade, como se
pretendêssemos que a correspondência telegráfica
diariamente trocada entre os gabinetes de
Londres e Paris tivessem por causa a passagem de
uma nuvem tempestuosa, ou de uma bobina de
indução para o manipulador, e que o receptor de
si mesmo recambiasse a resposta dos despachos
inteligentes[i].
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
619. Proclamar que não há no homem mais que um
produto da matéria, assimilá-lo a um composto
químico e deduzir que o pensamento é uma
produção química de certas combinações
materiais, é um erro monstruoso. Todos sabemos
que o pensamento não é ingrediente de oficina.
Espírito e matéria são entidades tão estranhas
uma à outra, que todas as línguas, de todos os
tempos, sempre as conceituaram diametralmente
opostas. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. O Cérebro.)
620. As leis e forças espirituais existem
independentemente das corporais. A força de
vontade é bem distinta da força muscular. A
ambição difere da fome, o desejo distingue-se da
sede. Onde encontrareis as leis morais que regem
a consciência? Que têm de comum as noções de
justo e injusto com o ácido carbônico? Em que um
triângulo, um círculo, um quadrado podem afetar
a bondade, a generosidade, a coragem? Seria
justo dizer que Cromwell tinha 2,231, Byron
2,238 e Cuvier 1,829 gramas de inteligência, por
serem tais os pesos de seu cérebro? Na verdade,
quando se procura sondar o assunto a fundo,
fica-se admirado de ver que homens de pensamento
tenham chegado a confundir num só objeto o mundo
espiritual e o material. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
621. Também perguntamos se esses
experimentalistas[ii]
aprofundaram bem o sentido de suas palavras ao
anunciarem proposições tais como as basilares de
suas doutrinas:
– Todas as faculdades que denominamos atributos
da alma não passam de funções da substância
cerebral. Os pensamentos estão para o cérebro,
mais ou menos como a bílis para o fígado e a
urina para os rins[iii].
– A secreção do fígado, dos rins – diz outro
escritor que não ousa atingir inteiramente a
mesma comparação – verifica-se à nossa revelia e
produz uma matéria palpável, ao passo que a
atividade cerebral não se pode verificar sem a
consciência integral e esta não segrega
substância, mas forças[iv].
(Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
622. Que vem a ser segregar forças? Ficaríamos
gratos a quem no-lo explicasse. Por que não
segregar horas ou quilômetros? Mas há mais:
– O que denominamos quantidade consciencial, é
determinado pelos elementos constitutivos do
sangue. Uma prova de que a produção de forças
mentais depende diretamente de permutas
químicas, está em que os produtos usados pelo
sangue, e filtrados nos rins, variam segundo a
natureza do trabalho cerebral[v].
– O pensamento é um dinamismo da matéria.
Movimentos materiais, ligados nos nervos a
correntes elétricas, são percebidos no cérebro
como sensação e esta sensação é o conhecimento
de si mesmo, é a consciência. A vontade é a
expressão necessária de um estado do cérebro,
produzida por influências exteriores. Não há
livre-arbítrio. (Moleschott – Kreislaf des
Lebens, 2º, 156, 181.)
– A mesma relação existe (segundo Huschke) entre
o pensamento e as vibrações elétricas dos
filamentos do cérebro, qual a da cor com as
vibrações do éter.
– O pensamento é uma secreção do cérebro, já o
dissera Cabanis há mais de meio século.
– Todos os atos humanos são frutos fatais da
substância cerebral, afirmava Taine ainda há
pouco; vício e virtude valem por vitríolo e
açúcar. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. O Cérebro.)
623. A estas, juntaremos uma última proposição,
que parece formulada para explicar todas as
outras: é a de Nicole, quando assevera
justamente que as maiores tolices encontram
sempre inteligências a elas proporcionadas.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
624. Kant tivera a lembrança de substituir a
realidade do mundo exterior pelas ideias
puramente subjetivas do espírito e, em
compensação, o autor de Koerper und Ceiat,
Sr. H. Scheffler, ensaia explicar a gênese do
espírito pela matéria. Não lhe citaremos o
processo, um tanto trabalhado, mas o testemunho
crítico que lhe concedeu o defensor atual do
animismo, Sr. Tissot. “Nesta hipótese – di-lo
este – é uma força da matéria, não uma simples
força, mas uma resultante das forças simples da
matéria, reunidas para (quanto mistério nestas
duas palavras!) formar o organismo humano. O
espírito não atinge o estado fenomenal senão
quando a matéria se tem organizado em corpo
humano (que abismo tão grande, que não se pode
sequer entrever!), mas a tendência para esta
organização ou para a produção espiritual não
existe na matéria.” (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
625. A necessidade de admitir a ação da força
ressalta, em que lhes pese, de todas as suas
definições. E que definições! Julguem-nas pela
precedente. Mais, eis um traço de luz que pode
juntar-se ao fogo de artifício: “O pensamento,
diz Büchner, espírito e alma, nada tem de
material, não é matéria (bravo), mas (ouvide
isto) é um complexo de forças heterogêneas,
formando uma unidade; é o efeito da ação
concomitante de muitas substâncias materiais,
dotadas de forças ou propriedades”. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
626. Segundo a judiciosa conclusão do Dr.
Hoefer, aí temos uma explicação digna de
emparelhar com a resposta de Sganarelle:
Ossabundus, nequeis, nequer, potarium, quipsa
milus, ou “eis o que faz seja muda a vossa
filha”. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. O Cérebro.)
627. Sábios! Já Epicuro tinha dito que a
natureza de uma pedra é cair, porque ela cai...
mas isto não é mais ciência, é comédia. As
galimatias que nos impingem como definição
d’alma são uma pilhéria detestável. Adiante.
Cada qual com o seu paladar. Comparável a estas
definições, só mesmo a proposição de Hegel sobre
a identidade de corpo e espírito. Ei-la: “A
matéria não é senão espírito; e o espírito não é
senão matéria. Logo, são um e outra a mesma
coisa!” (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. O Cérebro.)
628. Este alto raciocínio, que o seu autor
qualifica de irrefutável, lá está na sua Grande
Lógica. Famosa lógica, a demonstrar que o puro
materialismo está real e efetivamente puro de
todo o espírito! Como vemos, não faltam
definições. Somente estamos ainda a perguntar
que é o que elas definem. Mas valem, ainda
assim, para nos provar que toda essa gente sabe
tanto quanto nós da natureza da alma. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
629. Assim, neste capítulo, acabamos de ver que,
se de um lado a constituição física do cérebro
está de harmonia com a alma e maravilhosamente
apropriada para que essa alma receba, de modo
integral, as impressões do mundo exterior,
julgue-as e transmita as suas próprias
determinações; por outro lado, a anatomia do
cérebro desautoriza a concluir não passe a alma
de produto orgânico, ao passo que a Filosofia
deslinda, na trama de incertezas e contradições
do materialismo, a ação evidente do espírito
sobre a matéria. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. O Cérebro.)
630. Vimos que a loucura não é afecção orgânica,
porém psíquica, e que a alma tem o seu mundo de
dores e de alegrias: A determinação é patente.
Será crível, entretanto, que, depois de
considerar a loucura uma enfermidade
fisiológica, ousassem equipará-la ao gênio,
havendo, já agora, muitos médicos que a
consideram uma nevrose? (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. O Cérebro.)
631. Só a nossa época era capaz destas ousadias.
“A constituição de muitos homens de gênio – diz
Moreau (de Tours) – é bem, e realmente a mesma
dos idiotas”[vi].
Desenvolvendo desmesuradamente uma tese do Dr.
Lelut, o autor sustenta que o gênio não pertence
aos domínios do espírito, mas do corpo! Mas, em
que base se firma ele? No fato de (dizem) certos
homens de gênio manifestarem esquisitices,
excentricidades, distrações, ou serem
enfermiços, raquíticos, adiposos, surdos, gagos,
ou ainda passíveis de alucinações.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
632. É realmente singular aferir o gênio pela
singularidade das opiniões, pela originalidade,
pelo entusiasmo ou pelo delírio. A nós nos
parece que ele consiste, antes, na sublimidade
do pensamento, na elevação da alma aos cimos do
estudo científico, na plena posse de si mesma,
em face das contemplações intelectuais. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
633. Esta singular identificação do gênio com a
loucura foi valorosamente refutada pelo Sr.
Paulo Janet, no seu valioso trabalho sobre O
Cérebro e o Pensamento. “Esta teoria – diz
ele – tomou a aparência como realidade, o
acidente pela substância, os sintomas mais ou
menos variáveis, pelo fundamental e essencial. O
que constitui o gênio não é o entusiasmo (pois
este pode existir nos espíritos mais medíocres e
vazios) e sim a superioridade do racionalismo. O
homem de gênio é o que vê mais claro, o que
percebe maior contingente de verdade, o que pode
relacionar maior número de fatos a uma ideia
geral, o que encadeia todas as partes de um todo
a uma lei comum, e que, mesmo quando cria, qual
se dá na poesia, não faz mais que realizar, pela
imaginação, a ideia que a sua inteligência
concebeu. A característica do gênio está no
possuir-se a si mesmo e não em ser arrastado por
uma força fatal e cega; está em governar suas
ideias e não em ser subjugado por imagens; está
em ter consciência nítida do que quer e vê, e
não em perder-se num êxtase vazio e absurdo,
semelhante ao dos faquires indianos.” (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. O
Cérebro.)
[i]
Em que pesem algumas experiências
interessantes, a eletricidade animal não
é um fato averiguado. Nada prova que os
efeitos observados não tenham por causa
um outro agente. Os eletróforos ainda
não puderam constatar na tremelga, na
enguia, etc., nenhum vestígio de tensão
de polaridade de atração. Humphry-Davy
não pôde reconhecer nenhum desvio da
agulha imantada, nem a menor
decomposição da água pelas tremelgas, ou
peixes outros. Não há, portanto, que
precipitar conclusões e apregoar com
tanta ênfase a identidade da
eletricidade com a vida e, sobretudo,
com o pensamento.
[ii]
Lendo as Leçons sur i’Homme de
Karl Vogt, não duvidamos, mercê dos
eloquentes exemplos evidenciados, que
essas lições eram professadas contra o
Espírito. Mas, apesar disso, em muitos
pontos dignos de atendo, elas
demonstraram que a ação espiritual por
sua atividade, progresso, atuação
permanente, influi de modo considerável
no volume, forma e peso do cérebro.
[iii]
Karl Vogt – Physiolosgische Briefe
für Gebiidete aller Ständ, 206.
[iv]
Büchner – Kraft un Stoff.
[v]
Spencer – First Principles, 282.
[vi]
La Psychologie Morbide.