A leitora Rosana Caruso, numa mensagem publicada na
seção de Cartas desta edição, escreveu-nos:
Em reunião de estudo de mediunidade foi psicografada uma
carta, a princípio, de um bebê recém-nascido, que se
encontra na UTI por ter nascido um pouco antes do tempo
e apresentar síndrome de Down. A carta tem muita lucidez
e rogava ajuda para a família, que estava apresentando
uma dificuldade muito grande em aceitar a situação. A
família frequenta o mesmo centro onde a carta foi
redigida. Como é um grupo de estudos da mediunidade,
houve um questionamento sobre a possibilidade desse
espírito ter essa condição tão lúcida de escrever.
Gostaria, se possível, de maiores comentários a respeito
desse caso.
A questão proposta envolve dois aspectos relacionados
com a prática mediúnica: a) comunicação mediúnica entre
pessoas vivas, isto é, encarnadas; b) comunicação
mediúnica feita por crianças, encarnadas ou não.
A resposta nos dois casos é afirmativa: 1) O intercâmbio
mediúnico pode dar-se entre duas pessoas encarnadas. 2)
Crianças, encarnadas ou desencarnadas, podem
perfeitamente comunicar-se mediunicamente.
O fundamento para tal conclusão encontramos em três
obras: O Livro dos Médiuns (Allan Kardec),
Comunicações mediúnicas entre vivos (Ernesto
Bozzano) e
Manifestações de Espírito de pessoa viva (Em que
condições elas ocorrem),
de Paulo da Silva Neto Sobrinho.
No capítulo XXV – Das evocações, item 284, d´O Livro
dos Médiuns, Allan Kardec oferece-nos as seguintes
informações relativas ao tema:
37. A encarnação do Espírito constitui obstáculo
absoluto à sua evocação?
“Não, mas é necessário que o estado do corpo permita que
no momento da evocação o Espírito se desprenda. Quanto
mais elevado for em categoria o mundo onde se acha o
Espírito encarnado, tanto mais facilmente ele virá,
porque em tais mundos os corpos são menos materiais.”
38. Pode-se evocar o Espírito de uma pessoa viva?
“Sim, visto que se pode evocar um Espírito encarnado. O
Espírito de um vivo também pode, em seus momentos de
liberdade, se apresentar sem ser evocado,
dependendo da simpatia que tenha pelas pessoas com quem
se comunica.”
39. Em que estado se acha o corpo da pessoa cujo
Espírito é evocado?
“Dorme, ou cochila; é quando o Espírito está livre.”
No prefácio do livro de Ernesto Bozzano a que nos
reportamos, J. Herculano Pires escreveu:
Ernesto Bozzano apresenta nesta obra um dos seus estudos
mais lúcidos e mais pertinentes sobre a natureza dos
chamados fenômenos psi. Tratando das comunicações
mediúnicas entre vivos, demonstra que o psiquismo
independente da criatura humana é o mesmo e age da mesma
maneira nos fenômenos anímicos (ou mentais, como são
hoje classificados) e nos fenômenos espíritas. Vai além,
demonstrando que a simples admissão do extrassensorial prova
que o psiquismo humano não pode ser reduzido às funções
orgânicas. Se podemos ter percepções e comunicar-nos sem
o intermediário habitual dos sentidos físicos é porque
não somos somente materiais.
O livro de Bozzano foi objeto de estudo metódico e
sequencial nas edições 491 a 517 desta revista. Para ler
a primeira parte do estudo, publicada na edição 491,
clique neste link
O assunto foi, de igual forma, o foco específico do
e-book Manifestações de Espírito de pessoa viva (Em
que condições elas ocorrem), de Paulo da Silva Neto
Sobrinho, publicado pela EVOC – Editora Virtual O
Consolador, que os interessados podem baixar
gratuitamente clicando
neste link
Com relação à manifestação de crianças, Paulo Neto
apresenta em sua obra três casos, adiante reproduzidos:
Caso 1
Da Revista Espírita 1865, mês de janeiro, no
artigo intitulado “Evocação de um surdo-mudo encarnado”:
O Sr. Rui, membro da Sociedade de Paris, nos transmite o
fato seguinte:
"Conheci, disse ele, em 1862, um jovem surdo-mudo de
doze a treze anos, e, desejoso de fazer uma observação,
pedi aos meus guias protetores se me seria possível
evocá-lo. Tendo a resposta sido afirmativa, fiz vir essa
criança em meu quarto, e a instalei em uma poltrona, em
companhia de um prato de uva, que se pôs a debulhar com
pressa. Coloquei-me, de minha parte, numa mesa; pedi, e
fiz a evocação, como de hábito, ao cabo de alguns
instantes minha mão tremeu, e escrevi: Eis-me.
"Eu olhei o menino: Ele estava imóvel, os olhos
fechados, calmo, adormecido, o prato sobre os joelhos, e
tinha parado de comer. Dirigi-lhe as seguintes
perguntas:
P.
Onde estás neste momento? – R. Em vosso quarto,
em vossa poltrona.
P.
Queres me dizer por que és surdo-mudo de nascença? –
R. É uma expiação de meus crimes passados.
P.
Quais crimes, pois, cometeste? – R. Fui
parricida.
P.
Podes me dizer se tua mãe, que amas tão ternamente,
não teria sido, seja como teu pai ou tua mãe na
existência da qual falas, o objeto do crime que
cometeste?
"Em vão esperei a resposta; minha mão ficou imóvel.
Levei de novo os olhos sobre o menino; ele acabava de
despertar, e comia avidamente suas uvas. Tendo então
pedido aos meus guias explicar-me o que acabara de se
passar, me foi respondido:
“Ele te deu as informações que desejavas, e Deus não
permitiu que te desse as outras.”
Vejamos o que Kardec coloca em nota:
Nota. – Faremos, de nosso lado, uma outra observação
sobre este assunto. A prova da identidade resulta aqui
do sono provocado pela evocação, e da cessação da
escrita no momento do despertar. Quanto ao silêncio
guardado sobre a última pergunta, prova a utilidade do
véu lançado sobre o passado. […].
Caso 2
Ainda na Revista Espírita 1860, mês de junho,
temos o relato intitulado “O Espírito de um idiota”,
cuja evocação aconteceu a 25 de maio de 1860:
Charles de Saint-G… é um jovem idiota de treze anos,
vivo, e cujas faculdades intelectuais são de tal
nulidade que não reconhece seus pais, e pode, com
dificuldade, tomar ele mesmo seu alimento. Há nele
parada completa do desenvolvimento de todo o sistema
orgânico. Pensara-se que aí poderia estar um
interessante assunto de estudo psicológico.
1. (A São Luís.) Quereis dizer-nos se podemos evocar o
Espírito dessa criança? – R. Podeis evocá-lo como
evocais o Espírito de um morto.
2. Vossa resposta nos faria supor que a evocação poderia
dar-se a qualquer momento. – R. Sim; sua alma liga-se ao
seu corpo por laços materiais, mas não por laços
espirituais; ela pode sempre se desligar.
3. Evocação de Ch. de Saint-G… – R. Sou um pobre
Espírito amarrado à Terra como um pássaro por uma pata.
5. Quando o vosso corpo dorme, e que o vosso Espírito se
desliga, tendes as ideias tão lúcidas como se
estivésseis num estado normal? – R. Quando meu infeliz
corpo repousa, estou um pouco mais livre para elevar-me
ao céu a que aspiro.
7. Lembrai-vos de vossa existência precedente? – R. Oh!
Sim; foi a causa de meu exílio na presente.
8. Qual foi essa existência? – R. Um jovem libertino ao
tempo de Henrique III.
13. Em vosso estado de vigília, tendes consciência do
que se passa ao vosso redor, e isso apesar da
imperfeição dos vossos órgãos? – R. Eu vejo, ouço, mas
meu corpo não compreende nem vê nada.
Comentário de Kardec:
Ninguém desconhecerá o alto ensinamento moral que
ressalta desta evocação. Ela confirma, por outro lado, o
que sempre se disse sobre os idiotas. Sua nulidade moral
não se prende à nulidade de seu Espírito que, abstração
feita dos órgãos, goza de todas as suas faculdades. A
imperfeição dos órgãos não é senão um obstáculo à livre
manifestação das faculdades; ela não as aniquila. É o
caso de um homem vigoroso cujos membros sejam
comprimidos por laços. Sabe-se que, em certos países, os
cretinos, longe de serem um objeto de desprezo, são
cercados de cuidados benevolentes. Esse sentimento não
se prenderia à intuição do verdadeiro estado desses
infortunados, tanto mais dignos de considerações quanto
seu Espírito, que compreende sua posição, deve sofrer
por se ver o resto da sociedade?
Caso 3
Em nota inserida após a questão 57ª do item 284 d´O
Livro dos Médiuns, Kardec escreveu:
Uma senhora que conhecemos, médium, teve um dia a ideia
de evocar o Espírito de seu neto, que dormia no mesmo
quarto. A identidade foi comprovada pela linguagem,
pelas expressões habituais da criança e pela narração
exatíssima de muitas coisas que lhe tinham acontecido no
colégio, mas ainda uma circunstância veio confirmá-lo.
De repente, a mão da médium para em meio de uma frase,
sem que lhe seja possível obter coisa alguma. Nesse
momento, a criança, meio despertada, virou-se várias
vezes em sua cama. Alguns instantes depois, tendo
novamente adormecido, a mão da médium começou a mover-se
outra vez, continuando a conversa interrompida. A
evocação das pessoas vivas, feita em boas condições,
prova, da maneira menos contestável, a ação distinta do
Espírito e do corpo e, por conseguinte, a existência de
um princípio inteligente independente da matéria.
(Vejam-se, na Revista espírita de 1860, muitos
exemplos notáveis de evocação de pessoas vivas.)
Esperamos que as informações acima atendam à expectativa
da leitora, a quem lembramos, a título complementar, que
a comunicação atribuída ao bebê, caso seja realmente
autêntica, pode ter sido transmitida, em nome da
criança, por um dos benfeitores que normalmente assistem
os recém-nascidos, tendo em vista a importância do
conteúdo que a mensagem apresenta.