Clássicos 
do Espiritismo

por Angélica Reis


Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 38)


Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de1867.


Questões preliminares


A. Os fatos relacionados com o Sonambulismo, o Magnetismo e o Espiritismo revelam a insuficiência das teorias materialistas?

Sim. É isso que Flammarion expõe nesta obra, mas os partidários da tese materialista não davam ao tema a importância devida, como outros sábios, de mente aberta, como William Crookes e tantos outros, deram. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

B. As fraudes e o charlatanismo tiveram influência nessa rejeição por parte dos materialistas?

Com certeza, sim. Segundo Büchner, os cientistas estavam convictos de que todos os presumidos casos de clarividência não passavam de conluios e trapaças. A lucidez, segundo ele, era impossível. E mais: “É imperativo das leis da Natureza que os efeitos dos sentidos se adstrinjam a determinados e intransponíveis limites no espaço. A ninguém é dado adivinhar pensamentos, nem ver de olhos fechados o que se passa em torno”. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

C. Para comprovar a tese de que a matéria governa o homem, os partidários da tese materialista procuravam demonstrar com fatos que a alimentação atua sobre o organismo de uma pessoa. Que diz Flammarion a respeito?

Flammarion diz que, como tema de Fisiologia, esses fatos são interessantes e instrutivos; mas, como tema de Filosofia, eles se afiguram o que possa haver de mais incompleto. Ademais, que relação tem isso com a prova da personalidade humana? Que aclaramento essas experiências trazem ao assunto? Onde e como essa química demonstra a inexistência da alma? (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)


Texto para leitura


689. Encerrando este capítulo concernente à personalidade humana, poderiam ser acrescentadas algumas reflexões sobre uns tantos motivos de estudo, ainda misteriosos e nada insignificantes. O Sonambulismo natural, o Magnetismo e o Espiritismo oferecem aos pesquisadores sérios fatos característicos, que bastariam para mostrar a insuficiência das teorias materialistas. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

690. É triste, confessamo-lo, para o observador consciencioso, ver o charlatanismo descarado intrometer-se, ávido e pérfido, em causas respeitáveis; triste assinalar que noventa por cento dos fatos podem ser falsos, ou imitados. Mas um só fato, bem averiguado, é suficiente para baldar todas as explicações. Ora, qual a atitude de uns tantos doutos diante desses fatos? Negá-los sumariamente. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

691. Diz Büchner:

“A Ciência está convicta de que todos os presumidos casos de clarividência não passam de conluios e trapaças. A lucidez, por motivos de ordem natural, é impossível. É imperativo das leis da Natureza que os efeitos dos sentidos se adstrinjam a determinados e intransponíveis limites no espaço. A ninguém é dado adivinhar pensamentos, nem ver de olhos fechados o que se passa em torno. Verdades são estas buscadas em leis naturais, imutáveis e sem exceções.”(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

692. Em face de tais argumentos, Flammarion indaga: - “Ó senhor juiz! conheceis vós todas as leis naturais? Nada existirá oculto para vós na Criação? Feliz, vós, que ainda não sucumbistes à sobrecarga da vossa ciência! Mas, como? Eis que viro duas páginas e leio: - O Sonambulismo é fenômeno do qual não temos, infelizmente, senão observações muito inexatas, nada obstante carecermos de noções precisas, atendendo à importância que ele tem para a Ciência. E todavia, sem dados certos, é lícito relegar à conta de fábulas todos os fatos maravilhosos extraordinários, que se atribuem aos sonâmbulos. A um só, destes, não é permitido escalar os muros, etc.”. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

693. Sensato que é o vosso raciocínio! E como teríeis bem procedido se, antes de escrever, procurásseis conhecer um pouco os assuntos que abordais!? Os observadores filósofos que nos ouvem sabem que certos fatos da vida psíquica são absolutamente inexplicáveis pela hipótese materialista e que, uma vez rigorosamente comprovados, podem, só por si, desmantelar o bailéu. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

694. Sem que se torne preciso aqui insistir sobre este aspecto da questão, convém notar que é impossível admitir a alma como produto químico, ou dinâmico, quando sabemos que ela manifesta, em dadas circunstâncias, uma personalidade distinta, uma natureza incorpórea e faculdades independentes. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

695. Portanto, voltando às conclusões precedentes, temos: contradição da unidade psíquica com a multiplicidade dos movimentos cerebrais, contradição entre a identidade constante da alma e a mutabilidade incessante dos elementos constitutivos do cérebro, contradição entre o caráter dinâmico da alma e as pretensas secreções orgânicas. Contradições, contradições e sempre contradições! Se os adversários acham que elas não bastam, o exame dos fatos de volição lhes vai facultar um novo discernimento. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Personalidade Humana.)

696. A Vontade do Homem – Escreveu Moleschott:

“Dizia Zélter a Goethe que um dos maiores obstáculos que impediam os alemães de falar o seu idioma tão espontânea e correntemente como outros povos provinha de certa pressão da língua, pelo fato de muito se alimentarem de vegetais e gorduras. É verdade que não temos outra coisa, mas a sobriedade e a prudência muito podem remediar e corrigir”[i].(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

697. É com esta advertência que Moleschott abre o grande capítulo epigrafado: “A Matéria governa o Homem”, sem perceber que a segunda frase do parágrafo traz consigo a condenação que ele vai especar, das correlações alimentares com o estado físico e intelectual do homem. Quando o velho companheiro de Goethe lhe observa que a sobriedade e a prudência podem fazer e corrigir muitas coisas, prova, por isso mesmo, que ele não se julga tão somente uma composição material, mas, também, uma força mental, capaz de tirar de si mesmo resoluções contrárias às tendências da matéria. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

698. Vamos, com efeito, acompanhar a argumentação materialista que, aqui como alhures, peca sempre pela base e não se mantém senão por uma espécie de equilíbrio instável, que um piparote de criança pode desmantelar. O adversário de Liebig pretende demonstrar que a matéria governa o homem, estabelecendo que a alimentação atua sobre o organismo. Como tema de Fisiologia, estes fatos são interessantes e instrutivos, e a nós nos praz o ensejo de os resumir aqui; mas, como tema de Filosofia, eles se nos afiguram o que possa haver de mais incompleto. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

699. Consideremo-lo previamente: O quadro deste capítulo vai oferecer-nos, por sua própria natureza, um duplo aspecto. No verso, desenhado pela Fisiologia contemporânea, notaremos a ação física dos alimentos no organismo, e no reverso veremos que ela está longe de constituir o homem integral e que o ser humano reside numa potência superior às transformações da bílis e do quilo, potência que governa a matéria e longe está de se lhe escravizar. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

700. Invoca-se, em primeiro lugar, a diferença do regime alimentar, vegetariano ou carnívoro. Legumes e hortaliças contêm pouca água, poucas gorduras e quarenta vezes menos albumina que a carne. Analisando os sais contidos nestas substâncias opostas, concluíram que o regime carnívoro aumenta os fosfatos no sangue, e o vegetariano, pelo contrário, desenvolve os carbonatos. De resto, as substâncias albuminosas das partes verdes da planta não são a albumina, nem a fibrina. Preciso é, pois, que elas sofram essa primeira transformação, antes de se incorporarem ao sangue. As gorduras vegetais, por sua vez, não são verdadeiras gorduras, mas tão só adipogenias, ou seja, elementos que originam gordura e, portanto, precisando sofrer uma primeira transformação. Há razão para dizer que a diferença de ação da carne começa a fazer-se sentir no sangue antes dele formado, isto é, na sanguificação, na digestão. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

701. Esses alimentos serão tanto mais facilmente digeridos quanto mais os seus elementos constitutivos se identificarem com os do sangue. Daí resulta que a carne, mais que o pão e os legumes, aproveita à sanguificação. O comprimento dos intestinos relaciona-se com esse processo de digestão, de acordo com as substâncias, permitindo-nos fazer dele uma ideia. Nos morcegos, que só se nutrem de sangue, o tubo intestinal não passa do triplo do comprimento do corpo. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

702. No homem, cujo regime é misto (o que igualmente se indicia pelo sistema dentário, composto de caninos e incisivos), o comprimento do intestino é o sêxtuplo da altura. No carneiro, herbívoro, o intestino é vinte e oito vezes mais longo que o corpo. Todos os animais carnívoros têm estômago pequeno. O estômago humano tem a forma de um reservatório, atravessando a cavidade abdominal, provido de um beco sem saída, maior que nos pré-citados animais. Os ruminantes, por guardarem a forragem, têm um estômago de quatro compartimentos. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

703. O homem tem a construção do onívoro, ou seja, alimenta-se indiferentemente de substâncias animais ou vegetais. De passagem, diga-se, as velhas prescrições pitagóricas, tanto quanto as modernas proposições de Rousseau e de Helvétius a favor do regime animal, devem ser rejeitadas como antinaturais. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

704. Sendo os vegetais menos nutrientes que os animais, o pão ocupa um lugar intermediário. No glúten que o compõe, dois corpos albuminoides se distinguem: albumina vegetal, insolúvel, e cola vegetal. Estas substâncias diferem da fibrina da carne e devem dissolver-se nos sucos, durante a digestão. No pão há menos gordura que na carne, mas há o amido e o açúcar, que devem transformar-se em gordura ao perderem uma parte de oxigênio. Destas comparações decorre que o sangue, e com ele os músculos, os nervos, a carne e todos os tecidos, se renovam mais rapidamente no regime carnívoro.(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

705. Infere-se daí que, sendo o sangue o fator dos tecidos, das secreções e excreções orgânicas, e ainda porque se modela pela alimentação do homem, a diferença primordial, assinalada entre os regimes vegetal e animal, deve estender sua influência a todos os fenômenos da vida. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

706. Detivessem-se eles nesta conclusão e nada teríamos a objetar. Dizemos, com os antagonistas, que o apetite de um homem sadio se apazigua antes com um bife do que com uma salada. Consentimos em admitir que, se as raças de índios caçadores revelam força muscular notável, ao passo que os insulares do Pacífico se apresentam fracos (relativamente), é porque estes se alimentam de ervas e frutos e aqueles de muita carne. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

707. Concedemos, igualmente, que a indolência e falta de caráter dos Hindus prenda-se um tanto ao seu regime herbívoro; – que o filósofo Haller tivesse razão para acusar uma tal ou qual inércia com o vegetarismo de alguns dias; – que, por um efeito inverso, uma divisão do Exército a que pertencia Villermé, na guerra de Espanha, fosse atingida de diarreia, de magreza e debilidade, por ter sido forçado a se alimentar só de carne durante oito dias. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)

708. Concordamos, enfim, sem relutância e sem provas, que “basta comer marmelada ou maçã para alcalinizar a urina” e que os franceses emitem menos ureia que os alemães, aliás muito distanciados dos ingleses – o que prova consumir-se em Londres 1,6% da carne consumida em Paris... Mas, na verdade, que relação tem tudo isso com a prova da personalidade humana? Com franqueza: que aclaramento essas experiências trazem ao assunto? Onde e como essa química demonstra a inexistência da alma? E que fazeis do método científico, que recomenda não proceder senão por induções ou deduções? Que mancebia é essa com a escolástica dos nossos avós?(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)


 


[i]     Briefwchsel Ziwischen Goethe und Zelter, 1º, 113.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita