A. Na declaração feita por fisiologistas adeptos
da tese materialista, qual é o significado do
vocábulo alma?
Para os materialistas mencionados, o vocábulo
alma, considerado anatomicamente, exprime o
conjunto das funções cerebrais e da medula
espinhal, e, fisiologicamente, o conjunto das
funções da sensibilidade encefálica. A análise
não encontra na consciência, neste augusto
instinto, nesta Voz imortal, mais que um simples
mecanismo, que se desmonta como qualquer
aparelho. Resumindo: alma é para eles apenas um
conceito, não uma realidade, diferentemente do
que propõem os espiritualistas. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
B. Para os materialistas citados, a criatura
humana não tem consciência de que existe?
Muitos pensam assim. Todavia, não são todos os
materialistas que afirmam que a criatura humana
não tem consciência de que existe. Büchner, diz
Flammarion, não chega a tanto. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
C. O que faz a grandeza das nações: as leis, os
governos ou as instituições?
Nem as instituições, nem as leis, nem os
governos, mas o valor e a conduta dos cidadãos é
que fazem a grandeza das nações. É, pois, da
individualidade dos homens que depende o
progresso dos povos, e não de suas condições
gerais. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Vontade do Homem.)
Texto para leitura
709. Certo, não sabemos o que mais admirar: se a
audácia, se o erro destes fisiologistas,
levando-nos à borda do abismo e dizendo-nos:
saltai! De fato, quem não se admirará de saber
que, como conclusão de fatos mais ou menos
incompletos, quais os precedentes,
apresentem-nos a seguinte e enfática declaração:
– Observações numerosas e experiências feitas em
grande escala, provam que o homem deve, em
parte, a sua privilegiada situação, em relação
aos animais, à faculdade de se alimentar ora de
vegetais, ora de carne[i].
- A matéria é a base de toda a força espiritual,
de toda a grandeza humana e terrestre[ii].
- O vocábulo alma, considerado anatomicamente,
exprime o conjunto das funções cerebrais e da
medula espinhal, e, fisiologicamente, o conjunto
das funções da sensibilidade encefálica[iii].
- A análise não encontra na consciência, neste
augusto instinto, nesta Voz imortal, mais que um
simples mecanismo, que se desmonta como qualquer
aparelho[iv].
(Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade
do Homem.)
710. A estas afirmações não falta
ousadia. Mas, depois das declarações negativas
por nós registradas no capítulo anterior, de
nada mais nos podemos admirar. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
711. Se é verdade que os temperos auxiliam a
digestão - diz Moleschott – e o pão de rala, as
frutas (especialmente figos) ingeridos em jejum
e regados com um copo d'água fria desenvolvem o
ventre; se os rabanetes, o alho, a baunilha,
estimulam o sensualismo, e se o vinho o chá e o
café atuam sobre o cérebro claro está que a
matéria governa o homem. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
712. Sobre isso, não tínhamos dúvidas. Sabeis o
que é preciso para adquirir eloquência? É não
comer nozes nem amêndoas. E como a voz e a
palavra dependem, ao que parece, dos movimentos
musculares da laringe, é preferível o regime
vegetal ao gorduroso. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
713. Quereis uma prova da correlatividade
essencial de pensamento e matéria? Olhai o fundo
da vossa xícara de café. Este, tal como o barco
a vapor e o telégrafo, põe em atividade uma
série de pensamentos, origina uma corrente de
ideias, de empreendimentos com ele. É evidente
que a necessidade oriunda de uma afinidade
eletiva da Humanidade pelo café e pelo chá
tornou-se mais imperiosa e generalizada, à
proporção que aumentaram as exigências
intelectuais da civilização. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
714. Eis ainda um outro fato de importância
capital. Os Kamstchadales e os Tongouses
embriagam-se com o seu aguoric vermelho e parece
que os servos, desejosos de conhecerem a
sensação dessa bebida, não trepidam em beber a
urina dos seus amos. Logo, portanto, é a matéria
que governa o homem – conclui espirituosamente o
Sr. Moleschott. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
715. Num tal sistema, qual já o temos
entrevisto, é claro que o livre-arbítrio fica
completamente aniquilado. O próprio Moleschott o
declara. Não somente o ar que a cada momento
respiramos transforma o sangue venoso em
arterial; não só transmuda os músculos em
creatina e creatinina; o músculo do coração em
hipoxantina; o tecido do baço em hipoxantina e
ácido úrico; o humor vítreo dos olhos em ureia,
como refunde a todo instante a composição do
cérebro e dos nervos. O mesmo ar que respiramos
muda diariamente, não é nas matas o que é nas
cidades, não é sobre os mares o que é no cimo
das montanhas, nem ao nível das ruas o que é no
alto de uma torre. Alimentação, nascimento,
educação, convivência, tudo, em torno de nós,
rola num movimento que se comunica
constantemente. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
716. Proposições estas, se verdadeiras,
provariam que o homem está envolvido no âmago de
um mundo a cujas influências não pode eximir-se,
e provariam também, quem sabe, que o
livre-arbítrio não é tão absoluto quanto afirmam
alguns psicólogos entusiastas. Mas, o que essas
verdades não provam é a inexistência da vontade
humana. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Vontade do Homem.)
717. Não são todos os materialistas que levam
sua excentricidade ao ponto de afirmar que a
criatura humana não tenha consciência de que
existe, para que deixe de ter a liberdade de
seus próprios atos e resoluções. Büchner é menos
exagerado. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
718. Dizemos, com ele, que o homem é obra da
Natureza; que a sua pessoa, ações, pensamento e
mesmo vontade estão submetidos às leis que regem
o Universo. As ações e a conduta do indivíduo
dependem, incontestavelmente, da sua
educação, do caráter, dos costumes, da índole do
povo e da nação a que pertence e esta nação é,
por sua vez, e de certo modo, o produto do
ambiente em que vive e das relações exteriores
que lhe entretiveram o desenvolvimento. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade
do Homem.)
719. Pode-se por exemplo notar, com Deser, que o
tipo americano se desenvolveu com os primeiros
colonos ingleses há dois e meio séculos. É um
resultado que se pode atribuir a influências
climáticas. O tipo americano distingue-se pela
sua compleição, pelo pescoço alto, pelo
temperamento dinâmico e ardoroso. O pouco
desenvolvimento do sistema glandular, que dá às
americanas essa expressão terna e vaporosa; a
espessura, o comprimento e a secura do cabelo
podem provir da secura do ar. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
720. Há quem suponha ter notado que a agitação
dos americanos aumenta com os ventos do
Nordeste. Desses fatos se infere que o grandioso
e rápido progresso dos Estados Unidos seria, em
parte, devido ao meio físico. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
721. Tal como na América, os ingleses originaram
um novo tipo na Austrália, notadamente em a
Nova-Gales do Sul. Aí, os homens são altos,
magros, musculosos, e as mulheres belíssimas,
mas, de uma beleza efêmera. Os “novos colonos”
dão-lhes o apelido de Cornstalks
(palha de trigo). (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
722. O caráter inglês ressente-se do firmamento
nebuloso, do ar pesado, dos estreitos limites da
terra natal. O italiano, pelo contrário, reflete
em tudo o céu sempre belo e o Sol sempre ardente
da sua pátria. (E, contudo, os romanos muito têm
mudado de 2.000 anos a esta parte.) (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
723. As ideias e contos fantásticos do Oriente
estão intimamente ligados à luxuriante vegetação
que lhes moldura o berço. A zona glacial não
produz mais que raquíticos arbustos e, assim
também, uma raça mofina, nada ou pouco acessível
ao progresso. Os habitantes da zona tórrida
também pouco se adaptam a uma cultura superior.
Só nos países onde o clima, o solo e as relações
ambientes oferecem um certo meio-termo pode o
homem equilibrar-se e adquirir um grau de
cultura preponderante sobre os seres e as coisas
que a rodeiam. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
724. Todas estas observações não provam, porém,
que a matéria governe o homem e que a vontade e
a individualidade sejam uma ilusão. Cumpre,
mesmo, advertir ao autor de Força e Matéria
que, antes, são os indivíduos que fazem as
nações e não estas os indivíduos. Qual o dizia
Stuart Mili, o mérito de um Estado está, em
tese, no dos indivíduos que o compõem. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade
do Homem.)
725. Não são as instituições, nem as leis, nem
os governos que fazem a grandeza das nações, mas
o valor e a conduta dos cidadãos. É, pois, da
individualidade dos homens que depende o
progresso dos povos, e não de suas condições
gerais. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Vontade do Homem.)
726. Em vão se dirá que esta individualidade
mais não é que o resultado preciso das
disposições do corpo: – educação, instrução,
exemplo, fortuna, posição social, sexo,
nacionalidade, clima, solo, época etc. No ser
humano existe uma força transcendente a tudo
isso, uma força que os negativistas não querem
ver e procuram ocultar no nevoeiro de sua
paralogia. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
727. Assim como a planta – dizem eles – depende
do terreno em que radica, não somente em relação
à sua existência, mas ainda ao seu tamanho,
forma e beleza; assim também o animal é grande
ou pequeno, manso ou bravo, bonito ou feio,
conforme as influências extrínsecas, assim
também o homem físico e intelectual é o fruto
dos mesmos fatores, dos mesmos acidentes e
disposições, e nunca o ser espiritual,
independente e livre, que os moralistas nos
pintam. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Vontade do Homem.)
728. Esses senhores protestam quando lhes
chamamos espirituais, e nós persistimos na
amabilidade. Mas, sem constituir uma exceção a
seu favor, temos o direito de sustentar a
espiritualidade humana e apagar, com o exemplo
de grandes vontades, essa teoria crepuscular,
que conceitua as resoluções do homem uma função
barométrica. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
729. É preciso fechar voluntariamente os olhos
aos eventos mais belos e respeitáveis da
História, preferir tristes abstrações a verdades
gloriosas, sacrificar venerandos monumentos do
pensamento à quimera de uma ideia fixa, para
ousar assim negar o poder da vontade, o valor de
sua energia, a independência de sua resolução,
os milagres mesmos de sua persistência, e
substituí-lo por uma sombra difusa e vaga,
dependente dum sol teatral. (Deus na Natureza
– Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
730. Na verdade, não vemos a vantagem desta
substituição. É desconhecer a grandeza do homem
o afirmar que os seus atos não passam de
resultado necessário e fatalístico dos seus
pendores físicos, tendências orgânicas e
propensões materiais. É degradar-lhe a dignidade
abaixo do nível da mediania intelectual e é
colocar-se em contradição com os exemplos mais
brilhantes que constelam a fronte da Humanidade
por coroá-la de glória imperecível. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
731. Abordemos, em todas as suas fases, os anais
da Humanidade; consultemos, sobretudo, as
páginas do nosso século, já tão engrandecido de
invenções fecundas e entrevistas possibilidades;
logo nos convenceremos de que o gênio não é
simplesmente resultante de condições materiais e
muito menos de uma enfermidade nervosa, senão
que se afirma por uma força superior a todas as
contingências e que muitas vezes o tem dominado
guiado e vencido. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
732. Longe de encarar o homem como um ser
inerte, cujas obras não passassem de efeitos
instintivos, de hábitos, necessidades apetites e
predisposições orgânicas, nós proclamamos, com a
autoridade dos fatos, que a inteligência governa
a matéria e que o valor do homem consiste,
precisamente, nessa elevação, nessa soberania da
inteligência. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
733. Para ilustrar o asserto e invalidar,
exemplificando, a audaciosa afirmativa desses
campeões da matéria, lancemos um olhar ao
panorama intelectual da Humanidade, e a todos
quantos sentem pulsar-lhe no peito um coração
patriótico apresentemos-lhes o quadro tão grato
aos nossos sentimentos, tão útil às nossas
vistas e tão imponente às nossas aspirações,
desses homens enérgicos saídos das mais ínfimas
camadas sociais, para elevarem-se, pelo próprio
esforço, à conquista do mundo e às culminâncias
do pensamento soberano. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
[i]
Cireulation de la Vie, 2º, 69.
[ii]
Force et Matière, capítulo 5º.
[iii]
Dictionnaire des Sciences Médicales.
[iv]
Taine – Philosophes Français.