A. Qual é a fórmula aritmética da liberdade
proposta por Holbach?
As ações do homem são sempre um misto de energia
própria e dos seres que sobre ele atuam e o
modificam. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
B. Qual o comentário de Flammarion à
fórmula concebida por Holbach?
Diz Flammarion que, sem nos investir de um
arbítrio absoluto, uma vez que as influências
exteriores atuam constantemente para atenuar
esse absoluto, nem por isso deixa de nos dar uma
liberdade real, uma responsabilidade íntima, um
livre-arbítrio incontestável. O assunto é,
admite ele, mais complexo do que parece aos
profanos e temos uma permanente manifestação de
sua dificuldade na sucessão secular das crenças
religiosas, que oscilam entre o fatalismo e a
graça divina. Maomé arvorou o estandarte do
fatalismo; Calvino só vê a predestinação,
enquanto Lutero consagra o livre-arbítrio
absoluto. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
C. Dentre as condições fundamentais da
liberdade, qual a que, segundo Flammarion, deve
ser considerada em primeiro lugar?
A condição precípua da liberdade é a
inteligência ou a faculdade de conhecer e
escolher os motivos. Quanto mais ativa a
inteligência, mais ampla a liberdade. Os idiotas
natos, as crianças até uma certa idade, têm, às
vezes, desejos muito enérgicos, mas ninguém os
considera livres, visto não possuírem
inteligência bastante para distinguir o falso do
verdadeiro. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
Texto para leitura
787. No suposto diálogo entre um cristão com um
discípulo de Holbach, que rejeita a tese do
livre-arbítrio, diz o primeiro: – Pois muito
bem: voltando ao nosso suicídio, dissestes que
eu teria escolhido um gênero de morte
determinado por uma causa qualquer. Ora, isso é
claro, pois de outro modo, para falar com
franqueza, escolher sem causa determinante, é
estúpido. Mas, como podem tais causas atuar
materialmente? – Por um revés da sorte perdeis a
tranquilidade e o bem-estar. Habituado à fartura
e a todos os regalos do corpo e do espírito,
encontrais-vos de chofre na maior miséria. O
constrangimento, as restrições do vosso
organismo, a alteração de hábitos, atuam sobre o
cérebro, que, ante a perspectiva de morte lenta
e miserável, decide antecipá-la desde logo. São
sempre, como vedes, movimentos físicos. – Mas...
se forem desgostos de família, decepções
amorosas, temor da desonra, causas de ordem
moral, em suma? – Não existe ordem moral. – Já
esperávamos por essa. E é assim que pretendeis
nada afirmar sem provas? É assim que presumis
interpretar fielmente o ensino da Ciência?
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
788. O cristão formula então um outro exemplo: -
Eis aqui, em descanso, minha mão direita; nada
me obriga a erguê-la... Agora, contudo, quero
fazê-lo e faço... Agi livremente, ou não? – Não.
Houve uma razão determinante, qual a de provar o
vosso alvedrio e suscitada pela vossa conversa
anterior. Esta, por sua vez, originando-se de
fatos precedentes, desde que nascestes. A vida
mental, como a material, ou por melhor dizer –
única, não passa de uma sucessão necessária de
causas e efeitos a entrosarem-se naturalmente.
– Vede ainda: tenho a mão suspensa. Agora,
imaginai que a movimento num círculo e a
espalmo, chapada, na vossa face. Tendes uma
sensação de ardor, exaltamento imediato e já
ruborizado, gritareis: que é isso? Mas, antes
que possais reagir de fato, digo-vos: – De que
vos admirais? Então, este sopapo não é
consequência inevitável do movimento da mão, da
fantasia desse lobo que opera acima do ouvido,
junto das zonas protetoras da apófise mastoidea
e da sutura occipto-parietal, etc.? E tal não se
dá, de sucessão em sucessão, desde os primórdios
do mundo? (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
789.
O discípulo de Holbach, encerrando o suposto
diálogo, é peremptório no seu dogmatismo: “Todo
o movimento cerebral nos vem do exterior, pelos
sentidos e a excitação do cérebro; o pensamento
é um fenômeno material, como o próprio
pensamento. A vontade é expressão necessária de
um estado cerebral produzido por influências
exteriores. Não há vontade livre; não há
concretização de vontade independente da soma de
influências que a todo instante inspiram o homem
e impõem, ainda, aos mais poderosos limites
infranqueáveis”. Ele assim falaria, porque assim
falam os discípulos de Holbach. No parecer deste[i],
“a liberdade não é mais que a necessidade
encerrada dentro de nós. Não há diferença entre
o homem que se atira voluntariamente e o que é
atirado de uma sacada abaixo, senão que ao
primeiro a impulsão lhe vem de dentro e ao
segundo chega de fora do seu maquinismo”.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
790. Flammarion rebate tais ideias lembrando que
o livre-arbítrio é evidente em certos casos,
como, por exemplo, na atitude de um homem que,
possuído de grande sede, repele dos lábios o
copo d'água, logo que se lhe diga que esta
contém veneno. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
791.
Holbach concebeu uma fórmula aritmética da
liberdade: As ações do homem são sempre um misto
de energia própria e dos seres que sobre ele
atuam e o modificam[ii].
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
792. A tal ideia Flammarion responde que, sem
nos investir de um arbítrio absoluto, de vez que
as influências exteriores atuam constantemente
para atenuar esse absoluto, nem por isso deixa
de nos dar uma liberdade real, uma
responsabilidade íntima, um livre-arbítrio
incontestável. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
793. O assunto – diz Flammarion – é mais
complexo do que parece aos profanos e temos uma
permanente manifestação de sua dificuldade na
sucessão secular das crenças religiosas, que
oscilam entre o fatalismo e a graça divina.
Maomé arvorou o estandarte do fatalismo; Calvino
só vê a predestinação, enquanto Lutero consagra
o livre-arbítrio absoluto. (Deus na Natureza
– Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
794.
A verdade, para Flammarion, está entre os
extremos. O número de partes teológicas
concernentes à graça divina é incontável e
compreende-se que, nesta época, é tempo perdido
o que se emprega nestas elucubrações. Contudo, é
sempre útil saber o que devemos pensar da
liberdade. Assim o considera Flammarion, de
acordo com Spurzheim, quando a respeito escreveu
aquelas páginas judiciosas quando pondera o
controvertido assunto[iii].
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
795. A palavra liberdade é empregada num sentido
mais ou menos lato. Há filósofos que atribuem ao
homem uma liberdade ilimitada. A seu ver, o
homem cria, por assim dizer, a sua própria
natureza, adquire as faculdades que deseja e age
independente de qualquer lei. Uma tal liberdade
está em contradição com um ser criado. Tudo
quanto possam dizer a seu favor não passará de
declamações enfáticas, desprovidas de senso e de
vendicidade. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
796. Outros há que admitem uma liberdade
absoluta, em virtude da qual o homem age sem
motivo. Isso, porém, é presumir efeito sem
causa, é isentar o homem da lei de causalidade.
Seria uma liberdade contraditória de si mesma,
podendo-se proceder num mesmo caso bem ou mal,
mas sempre sem motivo. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
797. Inúteis seriam, então, todos os institutos
de finalidade beneficente, individual ou
coletiva. De que serviriam as leis, a Religião,
as penalidades e recompensas, se nada
determinasse o homem? Por que esperar de outrem
amizade e fidelidade, antes que ódio e perfídia?
Promessas, juramentos, votos, tudo ilusão! Uma
tal liberdade nada tem de real, não passa de
especulativa e absurda. Precisamos, ao
contrário, reconhecer uma liberdade acorde com a
natureza humana, liberdade que a legislação
pressupõe, liberdade raciocinada. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
798. Três são as condições fundamentais da
legítima liberdade: em primeiro lugar, é preciso
que a criatura possa escolher entre vários
motivos. Seguindo o motivo mais forte, ou agindo
só por prazer, já se não opera com liberdade. O
prazer não é mais que uma falsa aparência de
liberdade. A ovelha que mastiga a erva com
prazer não está exercendo um ato livre.
Obedecendo a um desejo mais forte, também o
animal, quanto o homem, não pratica livremente,
tampouco. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
799. A condição precípua da liberdade é a
inteligência, ou a faculdade de conhecer e
escolher os motivos. Quanto mais ativa a
inteligência, mais ampla a liberdade. Os idiotas
natos, as crianças até uma certa idade, têm, às
vezes, desejos muito enérgicos, mas ninguém os
considera livres, visto não possuírem
inteligência bastante para distinguir o falso do
verdadeiro. (Deus na Natureza – Terceira
Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
800. Os homens mais bem educados e os mais
inteligentes são os de quem, mais que dos
ignorantes, deploramos as faltas. À medida que
se elevam na série das faculdades intelectivas,
os animais vão-se tornando mais livres e
modificam mais individualmente os seus atos, de
acordo com as circunstâncias exteriores e com as
lições de sua prévia experiência. Se empregamos
a violência para impedir o cão de perseguir a
lebre, ele se lembrará das pancadas que o
aguardam e, árdego e trêmulo ao império dos
próprios desejos, não deixará de ceder. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade
do Homem.)
801. O homem, superior a todos os seus irmãos da
escala zoológica, é, por sua mesma natureza, o
ser que goza de liberdade no grau mais eminente.
Só ele procura encadear efeitos e causas,
comparar melhor o presente e o passado, e daí
tirar conclusões para o futuro. Pesa as razões,
detém-se nas que lhe parecem preferíveis,
conhece a tradição. Seu raciocínio decide e
perfaz a vontade esclarecida, muitas vezes
contrariamente aos seus desejos. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
802. Uma última condição da liberdade é a
influência da volição sobre os instrumentos que
devam operar suas ordens pessoais. O homem não é
responsável por desejo ou por faculdades
afetivas dele independentes. A responsabilidade
individual começa com a reflexão e com a
possibilidade de proceder voluntariamente.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
803. No estado de saúde os instrumentos
operatórios subordinam-se à influência da
vontade. A fome é involuntária, mas, se em
senti-la, eu me abstiver de comer, exerço a
influência da minha vontade sobre os
instrumentos do movimento voluntário. A cólera é
involuntária, mas eu não sou forçado a maltratar
quem me provoque, só porque a minha vontade
influi em meus músculos. Perdido o domínio dessa
influência, então sim, o homem já não é livre. É
o que amiúde sucede com os alienados, que
experimentam desejos, reconhecem a sua
inconveniência, chegam a maldizê-los, mas não
têm a força de restringir os movimentos
involuntários, chegando mesmo, algumas vezes, a
pedir que lhos embarguem. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
804. A liberdade moral é a base mesma da
sociedade e se ela não passa de ilusão, todo o
gênero humano, tanto as nações incipientes como
as mais civilizadas, que cultivam a Ciência e
governam a Matéria, bem como os povos remotos,
toda a Humanidade, – repetimo-lo – ter-se-ia
deixado iludir pelo mais colossal dos
erros que ainda existiu, depois de enveredar
pela senda mais falsa e injusta que possamos
imaginar. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
805. Mas... que dizemos: – injusta? Neste
sistema, essa palavra nada significa
e visto que o bom e o mau não existem; visto não
haver ordem moral, claro é que todas as palavras
concernentes à descrição dessa ordem, todos os
pensamentos e julgamentos carecem de
sentido. E, contudo, a menos que abstraiamos a
própria consciência, não podemos anuir a
semelhantes conclusões. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
[i] Systéme
de la Nature, parte 1ª, capítulo 1º,
página 223.
[ii] É
claro que sem liberdade não há moral nem
virtude. Depois de falar em “forças
soberanas”, “leis indestrutíveis que
constrangem”, o Sr. Taine acrescenta:
Quem se revoltará contra a geometria,
máxime contra uma geometria viva? Noutro
lanço, pergunta, a propósito de um
trecho de Byron sobre os amores de
Haydéa, como se pode deixar de
reconhecer a divindade, não apenas na
consciência e no ato, mas no próprio
gozo? Quem há que tenha lido os amores
de Haydéa – exclama ele – e
experimentasse outro pensamento, que não
o de invejá-la e deplorá-la? Quem pode,
à face das magnificências da Natureza
que o acolhe e lhe sorri, imaginar por
eles outra coisa além da sensação que os
une!” Bayle admite, por outro lado, que
vícios e virtudes têm em nós a mesma
origem – a força das paixões. A esse
conceito, adita o casta est quam nemo
rogavit, etc. A mulher mais virtuosa
é detida, antes, pela má reputação do
que pelo fruto proibido. – Nós nos
ufanamos de pensar que a virtude é mais
sólida do que estas teorias.
[iii] Essai
Phylosophique sur la Nature Morale et
Intellectuelle de l’Homme.