Especial

por André Luiz Alves Jr.

A Reforma protestante e o Espiritismo (Parte 1)

O processo das reformas religiosas teve início no século XVI em decorrência dos abusos cometidos pela Igreja Católica e uma mudança na visão de mundo, fruto do pensamento renascentista que emergia na época. A burguesia comercial estava em plena expansão e a igreja condenava os lucros do crescente capitalismo. Por outro lado, os reis europeus estavam infelizes com o papa, que cada vez mais interferia nas decisões políticas dos países do velho mundo. A igreja estava perdendo sua identidade e acabou cedendo espaço para uma reforma que mudaria o curso da história.

No século XVI uma grande revolução eclesiástica ocorreu na Europa Ocidental, levando a mudanças consideráveis na esfera religiosa que, durante todo o período medieval, estivera sob o domínio da Igreja Católica. Essa revolução nas mentalidades teve tanto causas políticas como religiosas. Muitos monarcas estavam insatisfeitos com o enorme poder que o papa exercia no mundo, ao mesmo tempo que muitos teólogos criticavam a doutrina e as práticas da Igreja, sua atitude para com a fé e seu feitio organizacional. Ideias e razões distintas deram origem a diversas comunidades eclesiais novas. (HELLEN, V., NOTAKER, H. E GAARDER, J. O Livro das religiões. Item: A reforma protestante.)

Há 500 anos, novas doutrinas religiosas surgiram trazendo outras perspectivas para o Cristianismo, que até então era monopólio da Igreja Católica. Essas doutrinas atravessaram os séculos e permanecem vivas até hoje, com novos desafios e em plena expansão.

A Pré-reforma

A pré-reforma foi o período que antecedeu a Reforma protestante. Teve início no final do século XIII e se estendeu a meados do século XVI. Suas bases ideológicas serviram como referência para a Reforma de Martinho Lutero. Podemos destacar nomes como o de Pedro Valdo, que se converteu ao Cristianismo e viveu ajudando os pobres, tomando por base apenas os ensinamentos bíblicos. Seus seguidores ficaram conhecidos como Valdenses e se reuniam às escondidas para evitar a perseguição da Igreja.

O teólogo e professor da Universidade de Oxford John Wycliffe reivindicava o retorno da Igreja primitiva limitando o clero apenas a questões religiosas, deixando a política para o Estado. Wycliffe defendia a pobreza dos padres e os organizou em grupos para divulgar os ensinos de Cristo.

Outro grande pré-reformador foi o sacerdote e intelectual da Universidade de Praga Jan Huss (última reencarnação de Hippolyte Léon Denizard Rivail, antes de retornar como Allan Kardec). Ele lutou pela verdade cristã e contra a corrupção na Igreja. Defendia que o poder papal só podia ser obedecido se estivesse de acordo com as leis divinas e que a fé deveria ser baseada apenas nas escrituras do Novo Testamento. Seus seguidores ficaram conhecidos como Hussitas; dentre eles, enfatizamos Jerônimo de Praga. Huss foi excomungado, julgado e morto na fogueira, na cidade de Constança. Morreu cantando o cântico de Davi [Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim].

Em plena época de preconceito e intolerância, Jan Huss foi considerado o primeiro mártir da liberdade religiosa, dezesseis anos antes de a francesa Joana d’Arc (1412-1431) ser queimada viva pelo mesmo motivo, e mais de cem anos antes do teólogo alemão Martinho Lutero apresentar suas 95 Teses, em 1517.

A Reforma

Em 31 de outubro de 1517, o sacerdote Martinho Lutero havia pregado 95 teses contra o Catolicismo, em frente da igreja do castelo na cidade alemã de Wittenberg. Essas teses eram contestações às leis e dogmas da Igreja que Lutero considerava abusivas. O monge propunha uma disputa escolástica[1] sobre a venda de indulgências[2] e defendia o fim do celibato, da adoração de imagens e das missas rezadas em latim.

Com o advento da imprensa gráfica na época, as ideias luteranas foram rapidamente reproduzidas e difundidas na Europa, o que evidentemente incomodou a Igreja, que logo se voltou contra Lutero. Inicialmente o sacerdote foi condenado por heresia e em agosto de 1518 o processo foi alterado para heresia notória. Finalmente em janeiro de 1521, Lutero foi excomungado. O monge se exilou na igreja de Wittenberg por um ano e nesse período dedicou-se a traduzir a Bíblia para o idioma alemão.

As manifestações de apoio a Matinho Lutero foram imediatas. Sacerdotes de diversas localidades renunciaram ao voto de castidade, acabaram com as missas e adorações de imagens, dentre outras ações. A Igreja começou a sofrer golpes mais fortes porque alguns príncipes ambiciosos se aproveitaram do movimento das massas para confiscar bens preciosos da instituição religiosa. Numerosos camponeses empolgados pelos direitos do pensamento livre iniciaram grande campanha contra a Igreja exigindo reformas agrárias e sociais em nome do Evangelho. Essa rebelião ideológica provocou o conflito armado que ficou conhecido como a Guerra dos Camponeses (1524-1525). Em 1525 Lutero casou-se com Catarina de Bora, monja cisterciense apóstata, e teve seus filhos.

Alguns anos mais tarde, Ulrico Zuinglio iniciou a Reforma na Suíça, posteriormente João Calvino tratou de consolidá-la, surgindo daí o Calvinismo. Na Inglaterra a Reforma foi proferida pelo monarca Henrique VIII, que desejava satisfazer suas necessidades políticas. Henrique era casado com Catarina de Aragão, que não lhe havia dado um filho homem. O imperador então solicitou ao papa Clemente VII a anulação do seu casamento. Perante a recusa do papado, Henrique fez-se proclamar, em 1531, protetor da Igreja inglesa. O Ato de Supremacia, votado no parlamento em novembro de 1534, colocou Henrique e seus sucessores na liderança da Igreja, nascendo assim o Anglicanismo.

Posteriormente a Reforma chegou aos países baixos, estendendo-se por todo o continente europeu.  Nascia naquele tempo o protestantismo com seus princípios fundamentais: Sola scriptura (Somente a Escritura), Sola gratia (Somente a Graça ou Salvação), Sola fide (Salvação Somente pela Fé), Solus Christus (Somente Cristo), Soli Deo gloria (Glória somente a Deus).

A Contrarreforma

A Contrarreforma foi o movimento iniciado pela Igreja Católica a partir de 1545 em resposta à Reforma protestante. Também é denominada Reforma Católica. Houve um esforço teológico, político e militar para conter a expansão do protestantismo. Seus objetivos eram espalhar a fé católica em regiões não cristianizadas, conter o avanço dos protestantes e modernizar a Igreja.

Foi um período marcado por conflitos que envolveu metade da Europa, como a Guerra dos 30 anos (1618-1648), que demarcou os territórios e fronteiras políticas e religiosas das duas vertentes do cristianismo (catolicismo e protestantismo).

A Contrarreforma se destacou pela convocação do Concílio de Trento, que determinou a retomada do Tribunal do Santo Ofício (Tribunais de Inquisição), além da criação do Index Librorum Prohibitorum, uma lista que relacionava os livros proibidos pela Igreja (livros de ciências, bruxaria e, claro, literatura protestante). O Concílio reafirmou a autoridade papal, a manutenção do celibato e a confirmação da Bíblia Vulgata (em latim) como a versão oficial da Igreja. Determinou ainda o incentivo a catequese e a criação de novas ordens religiosas, dentre elas a Companhia de Jesus (os Jesuítas), fundada por Inácio de Loiola.

Nesse período de Contrarreforma, a Europa atravessou um tempo sombrio proporcionado pela Igreja Católica, que foi a expansão da Inquisição, que já existia desde o século XIII na França, com o objetivo de combater heresias. Com a chegada dos Tribunais do Santo Ofício à Espanha e Portugal, milhares de protestantes foram perseguidos, torturados, julgados e mortos pela Igreja. (O presente artigo será concluído no próximo número.)

 

Referências:

XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz: história da civilização à luz do Espiritismo. Pelo Espírito Emmanuel, de 17 de agosto a 21 de setembro de 1938. 33. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006.

KARDEC, Allan. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Trad. de Guillon Ribeiro da 5. ed. francesa. 48. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005.

SEFFNER, Fernando. Da reforma à contra-reforma. Coleção História geral em documentos. São Paulo: Atual.

MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero aos nossos dias. V. 1: A era da Reforma. São Paulo: Loyola, 1997.

XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 26. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006.

JOSTEIN, Gaarder. O Livro das Religiões. Jostein, Gaarde; Hellern, Victor; Notaker, Henry. Tradução: Isa Mara Lando; Revisão Técnica e Apêndice: Flávio Antônio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

CHAUNU, Pierre. O tempo das reformas (1250-1550): a Reforma protestante. Lugar na História, v. 49-50, Edições 70, 1993.

KARDEC, Allan. Revista espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano 12, n. 9, p. 372-374, set. 1869. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Precursores do Espiritismo – Jan Huss.

XAVIER, Francisco C. Lembrando Allan Kardec. Pelo Espírito Humberto de Campos. Reformador, ano 96, n. 1.794, p. 25(293)-26(294), set. 1978.


 

[1] Além de ser uma corrente filosófica, a Escolástica pode ser considerada um método de pensamento crítico que influenciou as áreas do conhecimento das Universidades Medievais. Nasceu nas escolas monásticas cristãs, de modo a conciliar a com um sistema de pensamento racional.

[2] Concessão de perdão divino para qualquer pessoa que pagasse por isso.

 

  

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita