Em defesa da construção do paladar infantil
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que
ensina.
Cora Coralina
Os dois primeiros anos de vida são cruciais para
solidificar no cotidiano de um indivíduo adulto bons
hábitos alimentares.
Gostos, hábitos e aversões alimentares se mesclam a
fatores biológicos, culturais, sociais e emocionais. É
importante oferecer à criança uma dieta rica e variada,
conclamando-a, desde cedo, a participar do processo de
escolha. Porque as preferências alimentares que
adquirimos na infância e mantemos na vida adulta são, em
boa parte, um reflexo das escolhas dos nossos pais.
Qual é a ideia principal então? Treinar o paladar
infantil, ensinando a criança a experimentar novos
sabores, texturas e alimentos de cores distintas, sem
nunca fazer chantagens ou, por exemplo, esconder
determinado ingrediente dentro da preparação – temos o
direito de saber o que estamos comendo.
No entanto, não há fórmula mágica para a criança
experimentar e gostar de novos alimentos. O
aprendizado da boa alimentação depende dos atributos da
insistência e criatividade por parte dos pais. Pois está
comprovada cientificamente, segundo afirmam estudos
relacionados à educação nutricional, a relação entre a
frequência de exposição e a preferência pelo alimento,
ou seja, são necessárias de dez a quinze exposições a
novos alimentos para que ocorra um aumento da aceitação
por parte da criança. Além disso, não definir o alimento
como uma espécie de “remédio” colabora com o
desenvolvimento do repertório gustativo.
Infelizmente, muitos pais no impulso de “educar” a
criança enveredam pelo caminho do autoritarismo ou da
inércia. O péssimo hábito de coagir a criança, ameaçá-la
ou mesmo substituir a comida apresentada por outra
inadequada são atitudes que, na verdade, deseducam o
paladar dos filhos.
Até os 3-4 anos
de idade a criança interioriza ideias da sua própria
cultura e, por isso, os anos iniciais do ser humano são
fundamentais também para solidificar bons hábitos
alimentares, que são culturalmente
apreendidos/aprendidos.
Pais que não se deixam abater pela preguiça (ou cansaço)
naturalmente expõem a criança a diferentes gostos, às
vezes explorando modos distintos de cozinhar que alteram
o sabor dos alimentos, ajudando-a a apurar o paladar e
crescer sensível a noções de prazer, satisfação e
variedade que pode oferecer a alimentação.
Notinha
O repertório do ser humano em matéria de sabor abarca as
seguintes sensações — doce, salgado, azedo, amargo,
umami. Crianças têm preferência natural por doce, pois
já nascemos com atração pelo sabor doce. A associação
com o leite materno reforça essa atração indisfarçável;
a tolerância ao sabor amargo varia com a idade, sendo
menor nas idades extremas – infância e velhice; a
preferência pelo sabor salgado aparece por volta dos
quatro meses de vida; a palavra “umami” é usada para
descrever o sabor da carne e dos salgados, e vem de um
termo japonês que significa “bom gosto” ou “delicioso”.
(Mas o umami se parece com o quê? É o gosto que sentimos
ao comer o queijo parmesão e o Ajinomoto.)
Os seres humanos se caracterizam por duas etapas na
eleição de alimentos: neofobia alimentar (medo a
provar novos sabores); e neofilia alimentar
(tendência a buscar novos sabores). Estudos de
psicologia social afirmam que as pessoas com uma
tendência à neofilia alimentar apresentam
características relacionadas à resiliência e à
adaptabilidade.
O repertório gustativo de uma criança se ajusta aos
limites que os pais definam em relação ao comestível e
não comestível. E a influência da mãe ou do pai para
que a criança adote um novo alimento é a mesma, e onde
há diferença é na família onde a criança conte com a
presença de irmãos mais velhos, porque o menor tende a
imitar o mais velho.
|