Estudando as obras
de Manoel Philomeno
de Miranda

por Thiago Bernardes

 
Entre os Dois Mundos

(Parte 36)

 

Continuamos nesta edição o estudo metódico e sequencial do livro Entre os Dois Mundos, obra de autoria de  Manoel Philomeno de Miranda, psicografada por Divaldo P. Franco no ano de 2004.


Questões preliminares


A. Por que, vez por outra, o médium Izidro era tomado de grande tristeza?

A tristeza se devia à presença constante e nefasta de Eduardo e das suas sucessivas ondas de agressi­vidade. Em determinada noite, embora o abatimento houvesse sido superado pela reunião há pouco encerrada, na qual atendeu um grande número de pessoas, seu desgaste físico e emocional era visível. Apesar disso, no atendimento aos que o procuravam em sua própria casa, o missionário se aproveitava da circunstância para lecionar alegria, utilizando-se de experiências pessoais, jocosas umas, outras comovedoras, muitas enriquecidas de sabedoria, alcançando também aqueles que traziam inquie­tações mesquinhas e interrogações destituídas de sentido. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

B. Com relação ao médium Izidro, qual missão fora atribuída à equipe socorrista?

Havia muita preocupação com respeito à tensão em que vivia o médium, como o Mentor espiritual da equipe explicou a todos que ali se reuniam: “Aqui estamos para estabelecer novos critérios e pro­cedimentos junto ao nosso médium, que se encontra com­balido e dando mostras de cansaço, tendo a sua cuidadosa missão ameaçada de interrupção, em face do comportamen­to dos amigos que ele albergou junto ao coração para ajudar”. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

C. A animosidade de Eduardo para com Izidro foi finalmente desvendada?

Sim. Valendo-se do método de regressão da memória, o Mentor fez com que Eduardo lembrasse os tristes episódios que deram origem ao seu comportamento atual. O diálogo entre ele e o Mentor foi, porém, muito difícil, dada a inferioridade moral de Eduardo. O caso tinha ligação direta com os tormentosos dias de Carlos X e de sua genitora Catarina de Médicis, na França, a partir de agosto de 1572, no auge das guerras de religião que levaram à morte um número incalculável de partidários da Reforma. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)


Texto para leitura


328. Enquanto se sucediam as comunicações psicográficas sob o comando e ordem de abnegado e sábio instrutor, o médium atendia também desencarnados em aflição, alguns espíritos que se iriam comunicar, trazendo notícias aos familiares, explicando-lhes como ocorria o fenômeno e a cal­ma que deveriam manter para a eficácia desejada no projeto estabelecido. Algumas pessoas inescrupulosas que haviam suborna­do Eduardo, a fim de serem recebidas para uma entrevista relativamente particular com Izidro, mantinham-se indife­rentes ao dignificante ministério espiritual e ficaram a seu lado, sem auferirem qualquer benefício direto da reunião. Aguardavam, com certa ansiedade, que logo terminasse aquele labor, de modo que pudessem fruir da convivência do missionário do bem que, mesmo cansado, recebia-os no lar, em face das imposições do secretário desalmado. (Entre os dois mundos. Capítulo 22: O despertar coletivo de consciências.)

329. Aquele imenso recinto de trabalho estava atendido por mensageiros do amor e da caridade que os ministravam a mancheias, abençoando e insculpindo nas almas recepti­vas os ensinamentos que as libertariam da ignorância em que se perdiam. Em altas horas da noite, os trabalhos foram encerrados e as mensagens, como verdadeiros bálsamos, alentos, convites à mudança de comportamento e segurança de imortalidade, começaram a ser lidas entre lágrimas dos seus destinatários e também de todos quantos sintonizavam com os seus formosos conteúdos. Os beneficiários afastavam-se felizes e enriquecidos de vida, conduzindo as páginas recebidas, como se fossem a materialização dos seres queridos que a morte arrebatara, mas não destruíra. Suas mentes e seus sentimentos planejavam homenageá-los, repartindo com os infelizes abençoadas quo­tas de amor e de caridade, ao tempo em que se dispunham a total reforma íntima ante os padrões do Evangelho de Jesus. (Entre os dois mundos. Capítulo 22: O despertar coletivo de consciências.)

330. Embora o médium, vitalizado em espírito, propor­cionasse mais vigor ao corpo físico, ao retornar da superior atividade socorrista, diante da presença nefasta do auxiliar e das suas sucessivas ondas de agressi­vidade, voltou a experimentar o cerco da tristeza. Apesar de haver superado o abatimento anterior, percebia-se-lhe ainda o desgaste físico e emocional. Chegando a casa, os privilegiados pelo dinheiro fo­ram acomodados ao lado de excelentes servidores de Jesus, convidados pelo anfitrião dedicado, estabelecendo-se convívio saudável, de que não participava Eduardo, sempre arredio, desconfiado, rebelde... O missionário do bem se aproveitava da circunstância para lecionar alegria, utilizando-se de experiências pessoais, jocosas umas, outras comovedoras, muitas enriquecidas de sabedoria, alcançando também aqueles que traziam inquie­tações mesquinhas e interrogações destituídas de sentido. Esses não se interessavam muito pelo conhecimento espíri­ta, mas diante da aura de bondade espontânea e de sacrifício do médium, terminavam por impregnar-se das suas lições, encantando-se com os seus ensinamentos, que conduziam quando de retorno aos lares. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

331. Sempre se podem lucrar bênçãos, quando expostos à verdade, conscientemente ou não. O importante é banhar­-se pela água lustral do conhecimento nobre e os resultados serão sempre produtivos. A madrugada anunciava-se lentamente e, a pouco e pouco, as pessoas afastaram-se do lar do amigo, buscando o repouso necessário. Quando o silêncio amortalhou o ambiente e o sono físico apossou-se dos residentes, sob o seguro comando do Dr. Arquimedes começaram as atividades pertinentes à equipe socorrista. Liberado com facilidade e assessorado pelo seu guia espiritual, Izidro logo acercou-se do grupo, enquanto Ângelo, utilizando-se de passes especiais desprendeu Eduardo, e Germano encarregou-se de fazer o mesmo com Marcondes. Ambos apresentavam-se anestesiados pelo exsudar compacto dos fluidos animais que os revestiam, desacostu­mados à liberação dos vínculos poderosos do corpo físico em que se encontravam mergulhados. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

332. Manoel Philomeno e seus companheiros retornaram à sala em que estiveram horas antes, adequadamente preparada para o mister espiritual que seria desenvolvido. Proferida comovedora oração por Izidro, cristão sin­cero e íntegro, o benfeitor espiritual acercou-se de Eduardo e o despertou, chamando-o nominalmente. Logo após, foi realizada a mesma operação com Mar­condes, que teve mais facilidade para recobrar a consciência. Ato contínuo, o instrutor explicou: “Aqui estamos para estabelecer novos critérios e pro­cedimentos junto ao nosso médium, que se encontra com­balido e dando mostras de cansaço, tendo a sua cuidadosa missão ameaçada de interrupção, em face do comportamen­to dos amigos que ele albergou junto ao coração para ajudar”. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

333. Eduardo, surpreendido e lúcido, assumiu a postura de inclemente vingador, cínico e perverso, resmungando, de­sagradado. Reconhecia estar em desprendimento espiritual sob controle, o que o impedia de irromper em impropé­rios, porque, afinal, embora se houvesse tornado verdugo do amigo, era covarde moralmente, como sói acontecer com todos aqueles que buscam desforço nos outros, incapazes de vencer as tendências infelizes e os hábitos nefandos. “O irmão Eduardo – informou, diretamente, o Men­tor – acredita-se vítima eterna daquele que lhe é hoje devo­tado benfeitor e amigo, que investiu os melhores créditos em favor do seu renascimento na carne, a fim de ajudá-lo, escoimando-o dos delitos que se permitiu antes de sofrer­-lhes as consequências. Acredita-se possuidor da adaga da Justiça para martirizar e destruir a alegria daquele que se dedica a salvar vidas, fiel a graves compromissos assumidos anteriormente.” Eduardo replicou: “Sim, sou vítima. Tudo quanto ele faça em meu favor, será nada mais do que devolver-me parte dos prejuízos que me causou”. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

334. O mentor, contudo, disse-lhe sem rodeios: “Isto é o em que você finge acreditar, porquanto não ignora a inferioridade que o caracteriza, invejando a supe­rioridade daquele que lhe gerou algum embaraço, quando no corpo feminino, de que você desejou apossar-se”. Sentindo-se desmascarado, porque sempre ocultou o motivo real da sua animosidade, antes que recobrasse a verbosidade fulminante, ele ainda ouviu o Mentor dizer: “Iremos examinar com mais profundidade o drama que lhe teria gerado a rebeldia contra quem hoje lhe distende braços generosos, que você, infelizmente, nada tem feito por merecer”. Dito isso, aproximou-se do celerado e, em tom enérgico, indu­ziu-o ao sono da consciência, a fim de que pudessem des­pertar os arquivos do inconsciente profundo, no qual estavam registrados os acontecimentos a que se reportava: “Adormeça e autopenetre-se! Descanse da excitação e acalme-se. Viaje comigo no tempo. Recue na busca dos acon­tecimentos que recorda de maneira pessoal, injusta e deturpa­da. Reviva os tormentosos dias de Carlos X e de sua genitora Catarina de Médicis, na França, a partir de agosto de 1572, no auge das guerras de religião que haviam começado bem antes”. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

335. O paciente adormeceu profundamente e a sua respi­ração, à medida que o Benfeitor se referia ao seu passado, tornava-se agitada, com ligeiros tremores que o sacudiam no leito em que fora adrede colocado. “Recorde-se – impunha-lhe a voz calma e vigorosa do agente espiritual – dos tumultos que sacudiam o palácio das Tulherias, ante a proximidade do casamento de Marga­rida de Valois, as inquietações que tomavam conta de Paris e da França... Lembre-se do almirante Coligny, a quem você traiu... Rememore as sombras densas nas câmaras reais, na noite que ensejou a grande matança... É noite de 23 do refe­rido agosto. Catarina está inquieta. A família de Guise, que partilha do poder infame, confabula sediciosamente pro­gramando a carnificina. A duquesa de Nemours estimula Catarina a levar o documento de liberação da matança ao filho desditoso e perturbado, enquanto uma jovem menina acompanha toda a trama, na sala imensa em parte mer­gulhada em sombras... Ela vê você, também envolvido na urdidura da crueldade, especialmente contra o seu coman­dante, e fica estarrecida... Tudo ali a apavora. Logo depois, vitoriosa, Catarina exibe para a amiga a liberação do crime assinada por seu filho, o rei.” (1) (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

336. Eduardo, transtornado, blasfemou: “Basta, infame!” Mas o mentor prosseguiu: “É claro que basta, porque você conhece o que sucedeu depois. A morte de milhares de calvinistas, vitimados pela vilania da terrível megera, genitora do rei, que ambicionava muito mais para o outro filho, seu privilegiado, cometendo a atrocidade nos dias do casamento da própria filha, aconteci­mento esse que atraiu a Paris inusitado número de inimigos de Deus e da França, os calvinistas, conforme se referia. A sua imagem ignóbil ficaria impressa a fogo na me­mória da adolescente, que o detestou como a todos aqueles que se fizeram instrumento dos hediondos acontecimentos. Não é de estranhar que, mais tarde, quinze anos depois aproximadamente, quando senhora de muitos bens, desfrutando grandes regalias na corte e portadora de expressiva beleza, sendo assediada pelo seu insidioso interesse em con­quistá-la para submetê-la aos seus caprichos, utilizou-se do prestígio de que desfrutava, acusando-o de traição à fé cató­lica e à Pátria, conseguindo que o atirassem num calabouço de vergonha e de morte, muito comum então, livrando-se do inclemente perseguidor. Afinal, a sua traição a Coligny convidava-o a viver o mesmo drama do nobre almirante”. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

337. Segundo lembrou o mentor, as lutas de religião prosseguiram então e demoraram­-se por muitos anos, como efeito infeliz da desditosa Noite de São Bartolomeu, de que a França iria reabilitar-se somente mais de duzentos anos depois, nos dias da Revolução, iniciada a 14 de julho de 1789. Fez-se nesse momento um silêncio significativo. Todos estavam surpreendidos com a sabedoria do Mentor e com a grandeza das leis que nunca fere inocentes. Quanto ao médium Izidro, chorava discretamente, recordan­do-se, por certo, também, daqueles atros dias. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)

338. Após ligeira pausa, Dr. Arquimedes prosseguiu: “Convenhamos que o irmão vem doente, desde há muito. A sua perversidade atual era-lhe conduta habitual então, de que se utilizava para estuprar jovens que eram arrebanhadas pelos seus auxiliares e trazidas, indefesas, à sua vil presença, infelicitando-as em definitivo. Por certo, não arrolou o número dessas moças violadas que resvalaram para a prostituição, para o crime, para a loucura, para o suicídio... Não seja de estranhar, por­tanto, o sentimento de inferioridade que o martiriza, em decorrência da cor atual da epiderme, que considera infa­me, do lar humilde em que renasceu, das graves convulsões epilépticas periódicas, que lhe dão instabilidade frequente e do distúrbio esquizofrênico, mas por meio dos quais será levado à paz de consciência, se souber aproveitar os procedi­mentos purificadores com que o Céu o privilegiou. Bem reconheço que não lhe será fácil uma mudança radical, mas não se pode impedir de tentar a transformação do sentimento, aproveitando a oportunidade feliz de serviço ao próximo ao lado do seu anjo tutelar, sendo gentil com os pacientes que vêm buscar socorro, abrandando a cólera fácil, auxiliando o seu próximo. Deus faculta-lhe uma instrumentação superior e variada para a rápida reabilitação e reconquista da harmonia íntima. Aproveite desses recursos, sem tardança, enquanto luz a ocasião ditosa”. (Entre os dois mundos. Capítulo 23: Eduardo e Marcondes.)(Continua no próximo número.)

 

(1) Eduardo fazia parte do mesmo grupo a que pertencera Laerte, conforme é narrado no cap. 11 da presente obra.

 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita