A. Que pensar da ideia de que os seres e
coisas que a Natureza nos oferece foram
feitos especialmente para atender o
homem?
Flammarion critica tal ideia. Tudo que
existe na Natureza e é utilizado pelo
homem não foi criado nem posto no mundo
com fins particularistas. Se o homem
tem-se progressivamente apropriado dos
elementos, é claro que o deve às suas
faculdades eletivas, à sua inteligência
e não a um plano primordial necessário,
que se houvera de executar fatalmente e,
por assim dizer, à revelia da escolha da
indústria humana. (Deus na Natureza –
Quarta Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
B. Com esse pensamento, Flammarion nega
um plano à Criação?
Não. Ele entende que o homem cai em erro
grosseiro quando imagina que as coisas
existem especialmente para atendê-lo.
Contudo, negar um plano à Criação só
pelo fato de esse plano não se reportar
exclusivamente ao homem é cair noutro
erro. É evidente, diz Flammarion, que
tudo na Criação obedece a um plano, do
qual geralmente não temos a mínima
ideia. (Deus na Natureza – Quarta
Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
C. Um dos argumentos usados pelos
materialistas contrários à ideia de uma
inteligência organizada é a existência
no mundo dos animais inúteis ou nocivos
ao homem. Que diz Flammarion a respeito
desse argumento?
Esse argumento, diz ele, nada prova
contra a inteligência organizada e cai
perante esta verdade: – a de não ser a
Terra um mundo perfeito, mas sim um
laboratório em que os atores da vida têm
a oportunidade de percorrer um largo
caminho em busca da perfeição. (Deus
na Natureza – Quarta Parte. Plano
da Natureza - Construção dos Seres
Vivos.)
Texto para leitura
863. Mesmo considerando o homem como o
último ser nascido entre os seres
terrícolas, cujo surgimento sucessivo
obedeceu à lei geral de progresso e
considerando-o como o mais perfeito da
escala da evolução terrestre,
negamos-lhe, contudo, o direito de
atribuir a Deus as suas mesquinhas
concepções e supor que as suas mínimas
combinações domésticas participaram do
plano divino e eterno. Nem é fora de si
que ele deverá procurar a razão de sua
grandeza: é naquilo mesmo que o
distingue, isto é, no seu valor
intelectual. Se, por sua inteligência,
se apropriou de uns tantos serviços que
lhe pode prestar a Natureza, não há
confundir essa apropriação com o plano
geral. (Deus na Natureza – Quarta
Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
864. A estrela polar não foi criada para
nortear navios, mas o navegador soube
utilizar-se da sua posição peculiar. O
carvalho não foi feito para aproveitar
aos curtumes, mas o fabricante
descobriu, com a sua inteligência, as
propriedades do tanino no tratamento das
peles. A púrpura, molusco gastrópode do
Mediterrâneo, não nasceu para tingir o
manto real dos potentados, mas a
indústria houve como extrair um colorido
brilhante das suas conchas. O carneiro,
o bicho da seda, as aves de pluma, as
plantas têxteis, o algodoeiro, o linho,
o cânhamo, as minas de ouro, prata,
chumbo e níquel, as safiras, rubis,
esmeraldas etc.; tudo enfim – seres e
coisas – que a Natureza oferece ao
homem, não foi criado nem posto no mundo
com fins particularistas, e se o homem
tem progressivamente se apropriado dos
elementos, é claro que o deve às suas
faculdades eletivas, à sua inteligência
e não a um plano primordial necessário,
que se houvera de executar fatalmente e,
por assim dizer, à revelia da escolha da
indústria humana. (Deus na Natureza –
Quarta Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
865. Expõe-se o homem a cair em erro
grosseiro, quando tudo refere a si,
mediante um processo incompleto. Mas,
negar um plano à Criação só pelo fato de
esse plano não se reportar
exclusivamente ao homem, é cair noutro
erro. Voltaire deplora em belos versos o
terremoto de Lisboa e pergunta, com
acrimônia, onde está essa Potência amiga
do homem e de que tanto se fala.
Rousseau responde-lhe, então, que a
culpa é só dos homens, pois ninguém lhes
mandou edificar num solo assim. Nem um
nem outro tem razão. O homem enganou-se
no seu egoísmo, nisso estamos de acordo,
e até nos propomos evidenciar a fantasia
desse método. Mas a falsidade de método
não é razão bastante para concluir que o
objeto desse método não exista e que o
fundo da doutrina seja um erro.(Deus
na Natureza – Quarta Parte.Plano da
Natureza - Construção dos Seres Vivos.)
866. É justamente o que fazem os
materialistas, sem perceberem que se
deixam seduzir por uma estranha
confusão. Certo, a causalidade final, o
conhecimento do plano da Criação, não é
tão simples como imaginam espíritos
superficiais. É, de fato, de extrema
complexidade e apresenta dificuldades
quase insuperáveis, mesmo para espíritos
mais clarividentes. Nós não assistimos
aos desígnios de Deus e não passamos de
pobres ignorantes em face de tanta
grandeza. Mas, com franqueza, em que
pode a nossa incapacidade afetar o
princípio das causas? Em que os nossos
erros diminuem a ideia da onipotência
criadora? (Deus na Natureza – Quarta
Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
867. Considerais o homem um ser bem
importante para armar este dilema: – ou
a Natureza gravita para o homem, ou
conserva-se em repouso. Esqueceis,
assim, os vossos próprios princípios e
habitual desdém pelas aspirações
humanas, para nos colocar na alternativa
de crer que a destinação de tudo
converge seus raios para nós, ou que não
haja nenhum desígnio na unidade
universal! Mas, não... A verdade é que
deixais o ser humano assaz envolto nas
gangas da matéria, para o evidenciardes
de um jato no seu aspecto superior.
Tende-o assaz eclipsado na sua
intelectualidade para poderdes, de
improviso, formular essa alternativa.
Mas, como explicar a vossa absoluta
negação de qualquer plano da Natureza? (Deus
na Natureza – Quarta Parte. Plano
da Natureza - Construção dos Seres
Vivos.)
868. Ei-la aí, esta grande, pretensa
explicação, mediante a qual imaginam
suprimir toda a ideia de finalidade
geral e particular! Vamos ver que essa
explicação é tão frágil quanto as
alegações opostas às eternas verdades, e
que esses mesmos homens que nos increpam
de forjadores de hipóteses, mais não
fazem, na verdade, que substituir
hipóteses por hipóteses mais
complicadas. A diferença principal,
entre nós, está em que eles se atolam no
seu labirinto escuro, enquanto marchamos
em reta para o nosso alvo luminoso. (Deus
na Natureza – Quarta Parte. Plano
da Natureza - Construção dos Seres
Vivos.)
869. Emmanuel Kant, cuja mão esquerda
continha tantos erros quantas verdades
continha a direita (balança invejável,
mesmo em se tratando de homens
privilegiados), não escapou de afirmar,
certa feita, que “a conformidade com o
desígnio só podia ser criada por um
espírito refletido, que,
consequentemente, admira um milagre por
ele mesmo criado”. Percebeis, por aí, a
fecundidade de uma semelhante proposição
para os senhores de além-Reno. Eles vão
extrair-lhe um suco abundante, leitoso,
que oferecerão como remédio às
imaginações doentias; assim um como
elixir para velhos e crianças,
igualmente aperitivo e nutriente dos que
madrugam com fome. (Deus na Natureza
– Quarta Parte. Plano da Natureza
- Construção dos Seres Vivos.)
870. Essa declaração genial vai arrasar
o secular juízo humano. Abstrai-se de
Deus o pensamento de ordem e harmonia,
para dá-lo em homenagem à inteligência
humana. Cirurgiões de nova espécie abrem
a veia ao bom Deus, para inocular no
cérebro do feliz habitante da Terra o
seu princípio vital. É claro, pois não?,
que, se existe ordem na disposição do
mundo, e se há inteligência na
organização dos seres, ao homem é que o
devemos atribuir, visto como,
evidentemente, no Universo nada pode
haver inteligente além do homem, e
presumir um Deus a ele superior fora
insultar a dignidade do bípede humano. (Deus
na Natureza – Quarta Parte. Plano
da Natureza - Construção dos Seres
Vivos.)
871. Ouçamo-los ainda um instante. Um
dos principais argumentos dos que
admitem que devemos atribuir a origem e
conservação do mundo a uma potência
criadora, tudo governando e regulando
Universo – diz Büchner – sempre foi e
continua a ser a pretensa doutrina da
destinação dos seres, na Natureza. Toda
flor espanejando as pétalas brilhantes,
todo sopro de vento agitando o ar, toda
estrela luzindo na amplidão da noite,
toda ferida cicatrizando-se, todo som,
tudo enfim, na Natureza, excita a
admiração dos partidários da
predestinação, pela profunda sabedoria
dessa potência superior. A ciência
natural dos nossos dias emancipou-se
dessas balofas concepções teológicas,
que apenas se detêm à superfície das
coisas, e relega estes inocentes estudos
aos que preferem considerar a Natureza
com os olhos do sentimento e não com os
do entendimento. (Deus na Natureza –
Quarta Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
872. Como poderíamos falar de
conformidade aos fins, objetam-nos, se
não conhecemos os seres senão sob esta
exclusiva e única forma e nenhum
pressentimento temos do que seriam eles
se de outra forma nos surgissem? Nosso
espírito nem mesmo é constrangido a
contentar-se com a realidade. Qual seria
o arranjo natural que não pode ainda
realizar-se, de qualquer maneira, mais
conforme com o fim? Hoje admiramos os
seres, sem nos advertirmos da
infidelidade de outras formas,
organizações, processos que a Natureza
empregou, emprega e empregará na
conformidade dos seus fins. (Deus na
Natureza – Quarta Parte. Plano da
Natureza - Construção dos Seres Vivos.)
873. Do acaso depende que eles vinguem,
ou não. Então, não há formas grandiosas
de vegetais e animais mais desaparecidas
a muito tempo e que só conhecemos por
destroços fossilizados? Toda essa
formosa Natureza, conformemente ajustada
a um fim, acrescentam, não será
possivelmente destruída por um
cataclismo planetário e não se fará
preciso ainda uma eternidade para que
essas e outras formas desabrochem do
limo? Ainda mesmo que ela fosse
destruída, isso nada provaria contra a
nossa tese. Não interrompamos, porém, os
locutores e continuemos a ouvir-lhes as
objeções. (Deus na Natureza – Quarta
Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
874. A seguir, vem o velho argumento dos
animais inúteis ou nocivos ao homem, que
nada prova, igualmente, contra a
inteligência organizada e cai perante
esta verdade: – a de não ser a Terra um
mundo perfeito. Animais muito nocivos,
escreve o autor de Força e Matéria,
como por exemplo o rato dos campos, são
de uma fecundidade tal, que não podemos
prever seu desaparecimento; os
gafanhotos, os pombos errantes, formam
bandos compactos de obscurecer o Sol e
levam a devastação, a fome e a morte por
onde passam... (Deus na Natureza –
Quarta Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
875. Os que só enxergam sabedoria,
desígnio, causas finalistas na Natureza
– diz Giebel – poderiam empregar sua
perspicácia no estudo dos vermes
solitários. Toda a atividade vital
desses animais consiste em produzir ovos
próprios para desenvolver-se, e uma tal
atividade só pode ser exercida mediante
sofrimento de outros animais. Milhões de
ovos perecem inutilizados, o embrião
transforma-se num escólex, que não faz
outra coisa que sugar e engendrar. É um
processo em que não há beleza, nem
sabedoria, nem conformidade
determinativa, na acepção humana.(Deus
na Natureza – Quarta Parte.Plano da
Natureza - Construção dos Seres Vivos.)
876. Para quê? – perguntam depois – as
enfermidades, os males físicos em geral?
Qual a razão desse ror de crueldades, de
atrocidades, que a Natureza inflige a
cada dia, a cada hora, às suas
criaturas? O ser que deu ao gato e à
aranha a crueldade e dotou o homem, essa
obra-prima da Criação, de uma índole que
o faz tantas vezes tão bárbara e cruel,
poderá, assim procedendo, ser um ente
bondoso e benévolo, conforme a ideia
teológica? Mas, em que o fato da aranha
devorar moscas e os gatos comerem ratos,
tanto quanto o de serem os homens
criaturas inferiores, avassalando-se aos
instintos materiais, prova a maldade ou
a inexistência de Deus? Como
demonstração científica, confessemo-lo,
é superficialíssima.(Deus na Natureza
– Quarta Parte.Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
877. Depois, procuram nas exceções, nas
monstruosidades da Natureza, nos seres
atrofiados, de incompleto
desenvolvimento, exemplos de inutilidade
capazes de desviar a atenção do plano
geral e assim demonstrarem a ausência de
inteligência, como se algumas pedras
isoladas – que, de resto, entram de si
mesmas no plano geral – pudessem
destruir a simetria do conjunto e
aniquilar o valor arquitetônico do
edifício. (Deus na Natureza – Quarta
Parte. Plano da Natureza -
Construção dos Seres Vivos.)
878. A Anatomia comparada – acrescenta o
mesmo materialista – ocupa-se
principalmente no investigar a
conformidade de estrutura das diferentes
espécies de animais, fazendo ver, em
cada espécie ou gênero, o princípio
fundamental da sua organização. Baseada
nesses dados, a Ciência nos mostra em
cada ordem animal um grande número de
formas, de órgãos etc., que lhe são
inteiramente inúteis, não conformes com
o seu fim e antes parecendo não passarem
de forma primitiva da sua constituição,
de rudimentos de uma disposição, ou de
uma parte do corpo, que atingiu em outra
espécie um desenvolvimento capaz de
facultar ao indivíduo uma certa e
determinada utilidade. A coluna
vertebral do homem termina em pequena
ponta de nenhuma utilidade, que muitos
anatomistas consideram como rudimentos
da cauda dos vertebrados. (Deus na
Natureza – Quarta Parte. Plano da
Natureza - Construção dos Seres Vivos.)
879. A estrutura corporal dos animais e
das plantas oferece inúmeros
dispositivos sem finalidade apreciável.
Ninguém ainda sabe para que serve o
apêndice vermicular, a glândula mamária
do homem, o osso clavicular do gato, a
asa de algumas aves incapazes de voar,
os dentes da baleia. Vogt adverte que há
animais verdadeiramente hermafroditas,
possuindo os órgãos de ambos os sexos e
não podendo, contudo, reproduzir-se por
si mesmos. Para que serve uma tal
organização? – pergunta ele. (Deus na
Natureza – Quarta Parte. Plano da
Natureza - Construção dos Seres Vivos.) (Continua
no próximo número.)