Clássicos 
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 50)

 

Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de1867.


Questões preliminares


A. Dentre as criações maravilhosas das quais se repleta a Natureza, qual é considerada por Euler a mais engenhosa?

O mecanismo da visão, que permite que os objetos exteriores passem do campo físico ao mental, tornem-se acessíveis ao espírito e deixem-se tatear, como se deles não nos separasse qualquer distância. Depois de haver ponderado a estrutura do órgão visual, Euler disse: “O olho ultrapassa, portanto, infinitamente, todas as máquinas que o engenho humano possa construir. As diversas matérias transparentes de que ele se compõe têm, não apenas um grau de densidade capaz de causar refrações diferentes, como bem determinada se apresenta a sua configuração, de sorte que todos os raios saídos de um ponto do objeto são exatamente reunidos num mesmo ponto, ainda que o objeto esteja mais ou menos distante, situado direta ou obliquamente, e que seus raios sofram refração diferente”. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

B. O olho e sua estrutura poderiam ser construídos sem conhecimento da Ótica?

Claro que não, diz Flammarion. Segundo ele, essa estrutura demonstra, sem contestação possível, não só a existência de uma inteligência conhecedora da Ótica, mas também capaz de lhe submeter às leis todos os movimentos da matéria. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

C. Aos que defendem a tese dos materialistas de que o órgão visual é fruto simplesmente do jogo da matéria e independente de inteligência, que diz Flammarion?

Segundo Flammarion, é preciso audácia para defender tais ideias. Se a luneta astronômica, que não passa de grosseiro arranjo de lentículas, testifica ao senso comum a intervenção de um técnico, como poderia a lente do homem, infinitamente superior a todo e qualquer aparelho físico, ser considerada obra espontânea do acaso? Pois isso é o que propugna a escola materialista: o olho formou-se por si mesmo! (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)


Texto para leitura


890. A visão nos olhos do homem, como nos do animal – dizia Euler – é coisa maravilhosa. A forma do globo é, em geral, esférica e compõe-se de três folhetos. A membrana mais superficial chama-se esclerótica (branco do olho), é opaca, assaz espessa e cerca mais ou menos os três quartos posteriores do globo visual, dando-lhe consistência e forma. Sua parte anterior apresenta uma abertura arredondada, na qual se embute a córnea transparente. A essa membrana estão ligados os músculos destinados a movimentar o globo. Por baixo dessa primeira membrana fica a coroide, de cor negra retinta, que faz do olho uma verdadeira câmara-escura, absorvendo os raios que pudessem irritar a retina; em sua parte anterior, ela forma um como repartimento diafragmático, chamado íris, disco circular com um orifício central e colorido de diversos matizes, cuja suave atração é, às vezes, maravilhosamente poderosa.(Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

891. O orifício central é a chamada pupila (ou menina dos olhos) e nós sabemos que ela nada tem de objetivo, como se afigura, e sim, apenas, uma abertura que se dilata, mais ou menos, conforme a quantidade de luz que os olhos recebem, pois que a íris goza da propriedade curiosa de se contrair ou dilatar para tornar-se, assim, um graduador indispensável. É por essa abertura variável da íris que os raios luminosos penetram na câmara-escura que lhe fica por trás. Uma lente biconvexa lá está suspensa, para receber esses raios: é o cristalino. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

892. Toda a parte posterior, a partir dessa lente até o fundo do olho, está cheia de massa gelatinosa, diáfana, semelhante à clara de ovo e conhecida por humor vítreo. Finalmente, atrás desse humor e defronte da pupila, localiza-se a mais delicada e importante das membranas, a placa sensível, que recebe a imagem e, comunicando-se com o cérebro, lhe dá a percepção: é a retina, uma floração do nervo ótico, proveniente do cérebro. Vê-se, pois, sem metáfora, que é o cérebro que se vem colocar à janela para ver o mundo exterior. O prolongamento da retina forra toda a zona posterior e interna dos olhos. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

893. O cristalino, lente pela qual passam todos os raios luminosos, a fim de chegar à retina, pode, com extraordinária facilidade, modificar a cada instante a sua flexão, de maneira a adaptar-se à distância e levar constantemente à retina uma imagem nítida. Mas, como concebermos possa esse cristal orgânico dilatar-se e retrair-se assim, à sua vontade? Sem concebermos esta possibilidade, fora preciso uma estrutura ainda mais admirável que o próprio efeito. É preciso saber que esse globo lenticular não é nenhum sólido constituindo uma peça inteiriça, mas, antes, uma associação de finíssimas lâminas transparentes, justapostas e tão delgadas que preciso fora reunir um milhar para perfazer a espessura de uma unha e que, na realidade, o cristalino contém assim uma como bagatela de cinco milhões. Considere-se, ainda, que essas lâminas, por sua vez, se compõem de pequenos fragmentos soldados entre si, e que é o jogo desses fragmentos que produz a extraordinária mobilidade interna dessa lente diáfana. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

894. Aí estão as criações maravilhosas, das quais se repleta a Natureza, e que passam comumente despercebidas! Mediante essa estrutura engenhosa quão inimitável da vista, os objetos exteriores passam do campo físico ao mental, tornam-se acessíveis ao espírito e deixam-se tatear, como se deles não nos separasse qualquer distância. É um mecanismo que se molda a todas as contingências. De si mesmo e a nosso nuto, ele se adapta às variações de luz, como as de espaço, e faz o que nenhum outro instrumento é capaz de fazer, isto é, sabe distinguir os corpos celestes a distâncias enormes, tanto quanto os seres microscópicos que se lhe acercam de centímetros. Brewster tem razão quando o denomina “sentinela que guarda a passagem entre os mundos material e espiritual, executando a permuta de suas comunicações”. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

895. Nós compreendemos que, depois de haver ponderado a estrutura do órgão visual, Euler tenha dito: “O olho ultrapassa, portanto, infinitamente, todas as máquinas que o engenho humano possa construir. As diversas matérias transparentes de que ele se compõe têm, não apenas um grau de densidade capaz de causar refrações diferentes, como bem determinada se apresenta a sua configuração, de sorte que todos os raios saídos de um ponto do objeto são exatamente reunidos num mesmo ponto, ainda que o objeto esteja mais ou menos distante, situado direta ou obliquamente, e que seus raios sofram refração diferente. À mínima alteração que se operasse na natureza e na configuração das matérias transparentes, o olho perderia desde logo todas as vantagens que acabamos de admirar”. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

896. Nada obstante, os ateus ousam sustentar que os olhos, bem como o mundo inteiro, não passam de obra de mero acaso. Nada encontram eles, em tudo isso, digno de sua atenção. Não reconhecem na estrutura do globo visual indício qualquer de sabedoria; antes, acreditam haver motivo para lastimar-lhe a imperfeição, de vez que não domina a obscuridade, não atravessa uma parede, não distingue as particularidades de um objeto mais distanciado, quais a Lua e outros corpos celestes. Gritam eles, em alto e bom som, que o olho nada é que indique um desígnio e foi feito ao acaso, como qualquer fruto silvestre, pelo que fora absurdo dizer que tivemos olhos para podermos ver. O que se conclui é que, ao invés, tendo recebido ocasionalmente os órgãos, deles nos aproveitamos tanto quanto o permite a Natureza. É inútil discutir com essa gente: inabalável nas suas convicções, ela despreza as coisas mais respeitáveis. Suas presunções a respeito dos olhos, vê-se, são absurdas quanto injustas[i]. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

897. Os raios que ao nosso cérebro transmitem o aspecto dos objetos, penetram no olho, obedecendo às leis da refração, em virtude das quais as substâncias do olho se encontram de si mesmas dispostas. A íris enche o globo ocular e exerce, em relação aos raios luminosos, o papel de diafragma. A chispa central, luminosa, que atravessa a pupila, atinge logo o cristalino; esses raios são fortemente aproximados por essa lente biconvexa, mas, sem que daí resulte decomposição de raios luminosos, assim facultando a coloração prismática objetiva. Esse perfeito acromatismo, tão rara e dificilmente obtido na construção das objetivas, é devido à diferença de densidade das numerosas camadas concêntricas do cristalino.(Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

898. Os raios luminosos, tornando-se fortemente convergentes ao atravessarem o cristalino e, mais ainda, pelo humor vítreo que se lhe segue, tendem a reunir-se num foco comum e a formar uma imagem que se vai desenhar na superfície da retina. O olho se adapta, pois, de si mesmo, às distâncias, seja pela contração da íris, seja pelo alongamento ou retração do eixo do cristalino. Ao demais, exposto, devido à sua posição, a numerosas alterações, a Natureza tomou as maiores precauções em sua garantia. Assim, para subtraí-lo a uma excessiva excitação luminosa, dispôs na parte anterior as pálpebras movediças, guarnecendo-as de cílios protetores, e cujo interior se forra de membrana delicadíssima, lubrificada com a secreção de uma glândula situada na abóbada orbitária, a verter de seis ou sete pequeninos canais que se abrem ao alto da pálpebra superior.(Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

899. Ante a descrição anatômica do globo visual, que desejaríamos poder ilustrar direta ou graficamente, a nós mesmos nos perguntamos, como Newton, “se o olho poderia ser feito sem conhecimento da Ótica”, para responder, com o ilustre pensador, que essa estrutura demonstra, sem contestação possível, não só a existência de uma inteligência conhecedora da Ótica, mas também capaz de lhe submeter às leis todos os movimentos da matéria. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

900.Efetivamente, é preciso audácia para, diante da construção portentosa do órgão visual, pretendê-la originária de uma força cega e ignorante, simples jogo da matéria e independente de inteligência. Se a luneta astronômica, que não passa de grosseiro arranjo de lentículas, testifica ao senso comum a intervenção de um técnico, como poderia a lente do homem, infinitamente superior a todo e qualquer aparelho físico, ser considerada obra espontânea do acaso? Pois isso – pesa dizê-lo – é o que propugna a escola materialista! O olho formou-se por si mesmo! Este fato importante é uma aquisição dessa meia-ciência, realizada em duas fases, a primeira com Darwin e a segunda com Büchner. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

901. Büchner nos diz que ao escrever, há sete anos, sobre a inexistência de Deus, não esperava que os progressos constantes da Natureza lhe fornecessem, tão cedo, “provas tão exatas e convincentes”, em apoio de sua doutrina, e essas provas é Darwin quem se encarrega de as editar. Está, enfim, provado (?) que o olho, órgão dos mais perfeitos do corpo animal (o Sr. B. confessa-o) desenvolveu-se insensivelmente de um simples nervo sensitivo! O Sr. Büchner exulta de alegria com esse feito, ou por melhor dizer, com essa teoria que lhe prova, a seu ver, a inexistência de Deus. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.)

902. Ouçamos o próprio Darwin, vejamos se o fato está bem comprovado e se, mesmo neste caso, a explicação secundária suprime a existência de Deus:

“Antes de tudo[ii], parece, confesso, estranhável absurdo supormos que o olho, tão admiravelmente construído para suportar mais ou menos luz, para ajustar o foco dos raios visuais a diferentes distâncias e a corrigir a aberração esférica e cromática, possa formar-se por seleção natural.

“E contudo, quando pela primeira vez foi dito que o Sol estava imóvel e a Terra girava, o bom senso declarou falsa a teoria. Todos os filósofos sabem que, em matéria de Ciência, não podemos confiar no velho adágio – vox populi, vox Dei. A razão me diz e assegura podermos demonstrar inúmeros graus de transição entre o globo mais perfeito e complicado e o mais simples e imperfeito. Cada um desses graus de perfeição aproveita utilmente a quem o desfruta. Se, de resto, o olho varia algumas vezes, por pouco que seja, e se as variações se herdam, o que se pode demonstrar por fatos; se, enfim, as variações ou modificações do órgão jamais puderam ter alguma utilidade para um animal colocado em condições mutáveis de existência; desde logo ressalta o pressuposto de que um olho perfeito e complicado pode ter sido formado por seleção natural e esta rigorosamente considerada como verdadeira. Como pode um nervo tornar-se sensível à luz? É um problema que nos importa tão pouco quanto o da origem da vida em si mesma.

“Devo apenas dizer que vários fatos me levam a crer que os nervos sensíveis ao contacto podem tornar-se sensíveis à luz, bem como às vibrações menos sutis, produtoras do som.” (Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos.) (Continua no próximo número.)


 


[i]     Lettre à une Princesse d’Aliemagne, 41º.

[ii]    On the origin of species by means of natural seleotion.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita