Na manhã de 3 de novembro de 1958, Chico saiu do ar.
Viajava num avião de Uberaba para Belo Horizonte, quando
o aparelho começou a trepidar com violência. Parecia
fora de controle. Os passageiros começaram a gritar, a
pedir socorro. O comandante apareceu para pedir calma:
não havia motivos para alarme, os movimentos
desordenados eram provocados por um fenômeno atmosférico
chamado "vento de cauda". E encerrou o discurso com a
garantia de que chegariam ao destino mais depressa.
Alguém, completou irritado: - Mais depressa no outro mundo!!?
Chico tentava manter o equilíbrio. Mas era difícil. Não entendia
nada de "vento de cauda". O avião sacudia, virava de um lado, do
outro, só faltava fazer piruetas. Muita gente começou a vomitar,
quatro crianças abriram o berreiro, os marmanjos apertaram o
cinto, se agarravam às poltronas, rezaram aos gritos. O
protegido de Emmanuel se uniu ao coro: - Valei-me, meu Deus.
Socorro, misericórdia. Socorro, pelo amor de Deus. Tende piedade
de nós.
Um padre, a poucas poltronas de distância, reconheceu o
desesperado e gritou: - O Chico Xavier está ali. Ele é médium,
espírita, e está rezando conosco.
Chico gritou do outro lado: - Graças a Deus, padre, eu também
estou rezando. E continuou a berrar: - Valei-me, meu Deus!
Quando já estava fora de controle há quase dez minutos, viu
Emmanuel entrar no avião e se aproximar dele. Queria saber o
motivo da gritaria. Chico tinha uma dúvida mais urgente: - O
senhor não acha que estamos em perigo? O guia foi seco: - Estão,
e daí? Não tem muita gente em perigo? Vocês não são
privilegiados.
Chico nem pensou duas vezes:
- Está bem. Se estamos em perigo de vida, eu vou gritar.
Valei-me, socorro, meu Deus!
Os passageiros berravam ainda mais.
Emmanuel ficou horrorizado com a cena. O espírita mais
importante do país, defensor da vida depois da morte, estava em
pânico diante da hipótese de morrer.
-Você não acha melhor se calar? Dá testemunho da tua fé, da tua
confiança na imortalidade.
Chico teimou: - Mas é a morte. E nós estamos apavorados diante
da morte. E insistiu: - Nossa vida não está em perigo?
Emmanuel repetiu a resposta: - Está. E Chico defendeu seu
direito de estar em pânico: - Estou apavorado como todo mundo.
Estou com medo de morrer como qualquer ser humano.
O guia perdeu a paciência: - Está bem. Então, cale a boca para
não afligir a cabeça dos outros com seus gritos. Morra com fé em
Deus, morra com educação.
Quando Emmanuel virou as costas, Chico ainda resmungava: - Quero
saber como alguém pode morrer com educação.
E continuou a gritar.
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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