Ser bom não é ser tolo
Foi numa dessas oportunidades que tive de rever trechos
do Evangelho de Jesus, mais precisamente o que está
capitulado no tópico IX, que fala sobre "injúrias e
violências", que fui procurado por duas senhoras, sobre
o tema.
Ao final da exposição, uma delas, com passos lentos,
cabelos integralmente grisalhos e apresentando ligeira
inquietação, que depois fiquei sabendo que seu estado
estava relacionado ao assunto abordado, dirigindo-se a
mim, perguntou em tom inquisitivo:
‒ "Mas, sendo assim, por essa parábola temos mesmo que
aplicar a doçura, a moderação, a mansuetude, a
afabilidade e a paciência!", no que eu respondi:
‒ "Sim, temos que ser tolerantes e muito tranquilos para
solucionar os problemas a que somos chamados".
Foi então que me disse de um assunto que a estava
preocupando demais e não sabia como resolver. Viúva, com
pouco mais de 80 anos, filhos e netos, de quando em
quando a procuravam para obter algum tipo de auxílio,
alguma ajuda financeira que pudesse sanar dívidas
pendentes. E sempre conseguiam o intento desejado.
Justificou-se dizendo que não estava se sentindo bem
naquela situação, pois queria falar alguma coisa com o
grupo familiar sobre a conduta desequilibrada dos
beneficiados, porém não se sentia encorajada para tanto,
pois aprendera no Espiritismo que a bondade deve
prevalecer, acima de tudo. E isso a deixava desgastada,
constrangida às vezes, já que se sentia obrigada a fazer
coisas que não queria.
Na verdade, esse é apenas um singelo retrato do que
vivemos na atualidade.
A exploração vivida particularmente pelos idosos começa
em casa, entre as paredes do próprio lar, sagrado
ambiente em que a divina providência reserva a cada um,
como mecanismo do progresso. É aí que vemos os
aproveitamentos de ordem econômica praticados
primeiramente pelos filhos e depois pelos que lhes vêm
na sequência.
Ser bom não é o mesmo que ser tolo; deixar subjugar-se a
uma pressão sem que haja uma real motivação não parece
alinhar-se à lógica das coisas. De fato, não tem
sentido.
Filhos chegam a exigir que os pais, ou isoladamente,
comprem o que eles julgam precisar e, não satisfeitos,
ainda pedem que façam empréstimos em bancos ou outras
instituições, assinem o compromisso e repassem os
valores a cada um deles.
Há um caso grave que conhecemos, por exemplo, que o
único bem que possuía, a casa em que morava, foi
penhorada para atender a um pedido do neto que estava
encrencado com o montante de sua dívida.
Quando a sombra de precária situação econômica se
avizinha ou cobre pessoa da família, um socorro amigo é
mais do que bem-vindo.
Conversa-se entre os familiares estabelecendo planos
prioritários envolvendo enxugamento de gastos e
economiza-se aqui e ali até alcançar o equilíbrio
financeiro adequado, restabelecendo o bem-estar. Esse é
um dos casos em que se justificam as medidas de ajustes
na contenção das despesas.
Aquisição de medicamentos para auxiliar alguém, custeio
de procedimentos cirúrgicos e outras incontáveis
situações que sabemos existirem, se constituem em
motivos dos mais relevantes para assumir sozinho ou
somar com outros, para conseguir os benefícios dessa
natureza.
Envolver-se em aperto financeiro, mesmo que temporário,
para superar dívidas por irresponsabilidade, descaso ou
imprevidência, não merece os sacrifícios que estão sendo
vividos por certas pessoas, como este exemplo em que a
mãe, viúva e doente, empregando apenas o coração como
fiel da balança, perca a sua casa hipotecada para
atender ao clamor de um filho, de um neto, que não mede
as consequências de seus atos.
Como não tem sido raro de
se ver interpretações errôneas que acabam levando as
pessoas às raias do desespero, lembramos da recomendação
que nos ofereceu André Luiz,
com o título "A serpente e o santo", onde o benfeitor
faz ver que o fato de "ser bom" sempre foi e continua
sendo uma virtude, uma conquista importante e necessária
em nossa vida.
"Contam as tradições populares da Índia que existia uma
serpente venenosa em certo campo. Ninguém se aventurava
a passar por lá, receando-lhe o assalto. Mas um santo
homem, a serviço de Deus, buscou a região, mais
confiante no Senhor que em si mesmo. A serpente o
atacou, desrespeitosa. Ele dominou-a, porém, com o olhar
sereno, e falou:
‒ Minha irmã, é da lei que não façamos mal a ninguém. A
víbora recolheu-se, envergonhada.
Continuou o sábio o seu caminho e a serpente
modificou-se completamente. Procurou os lugares
habitados pelo homem, como desejosa de reparar os
antigos crimes. Mostrou-se integralmente pacífica, mas,
desde então, começaram a abusar dela.
Quando lhe identificaram a submissão absoluta, homens,
mulheres e crianças davam-lhe pedradas. A infeliz
recolheu-se à toca, desalentada. Vivia aflita, medrosa,
desanimada.
Eis, porém, que o santo voltou pelo mesmo caminho e
deliberou visitá-la. Espantou-se, observando tamanha
ruína. A serpente contou-lhe, então, a história
amargurada. Desejava ser boa, afável e carinhosa, mas as
criaturas perseguiam-na e apedrejavam-na. O sábio
pensou, pensou e respondeu após ouvi-la:
‒ Mas, minha irmã, houve engano de tua parte.
Aconselhei-te a não morderes ninguém, a não praticares o
assassínio e a perseguição, mas não te disse que
evitasses de assustar os maus. Não ataques as criaturas
de Deus, nossas irmãs no mesmo caminho da vida, mas
defende a tua cooperação na obra do Senhor. Não mordas,
nem firas, mas é preciso manter o perverso a distância,
mostrando-lhe os teus dentes e emitindo os teus
silvos.”