Clássicos 
do Espiritismo

por Angélica Reis

 
Deus na Natureza

Camille Flammarion

(Parte 55)

 

Continuamos o estudo metódico e sequencial do livro Deus na Natureza, de autoria de Camille Flammarion, escrito na segunda metade do século 19, no ano de1867.


Questões preliminares


A. Existe uma linha divisória que separe o instinto da inteligência?

Frederico Cuvier consagrou parte da vida a descobrir essa linha, mas em vão. Flammarion diz que podemos então, sem paradoxo, afirmar que não há linhas divisórias na Natureza. Não se trata de uma conclusão de natureza metafísica, mas fruto da experiência, da observação. Sabe-se, contudo, que no instinto tudo é cego, necessário, invariável; na inteligência é tudo elevado, condicional, modificável. O castor que constrói uma cabana, o pássaro que constrói um ninho, só o fazem por instinto. O cão e o cavalo, que chegam a compreender o sentido de algumas palavras e nos obedecem, o fazem por inteligência. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

B. É correto dizer que no instinto tudo é inato?

Sim. É esta a conclusão de Flammarion. O castor, por exemplo, constrói sem haver aprendido. Dir-se-ia que o faz por uma fatalidade, dirigido por uma força constante e incoercível. Na inteligência é tudo resultado da experiência e da instrução: o cão obedece quando ensinado. E aí tudo é livre, o cão obedece porque quer. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

C. Após apresentar na Sorbonne o caso das abelhas xilófagas – inseto que se alimenta de madeira – que declarou o Sr. Milne Edwards a propósito das maravilhas da criação?

O caso das abelhas xilófagas e seus cuidados para assegurar o bem-estar de sua futura prole impressionou vivamente a quem assistiu à apresentação do Sr. Edwards, que declarou, reportando-se ao assunto: “Admira como diante de fatos tão significativos e numerosos ainda haja quem nos venha dizer que todas as maravilhas da Natureza não passam de obras do acaso ou, então, de consequências das propriedades gerais da matéria; desta Natureza que faz a substância da pedra como da madeira e que os instintos da abelha, assim como as mais altas expressões da genialidade humana, não são mais que resultados de um jogo de forças físicas ou químicas, as mesmas que determinam o congelamento da água, a combustão do carvão e a queda dos corpos... Essas hipóteses balofas, ou melhor, essas aberrações do espírito, que se mascaram, às vezes, com o nome de ciência positiva, só podem ser repelidas pela verdadeira Ciência. O naturalista não poderia acreditá-lo”. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)


Texto para leitura


963. Frederico Cuvier consagrou parte da vida a descobrir a linha que separa o instinto da inteligência. Pode-se dizer, sem paradoxo, que não há linhas divisórias na Natureza. Aqui, porém, não se trata de metafísica. Contentemo-nos, assim, em ouvir o que diz o Sr. Flourens, das laboriosas observações do esforçado naturalista. O castor é um mamífero da ordem dos roedores, isto é, da ordem menos inteligente, e, contudo, possui um instinto maravilhoso, qual o de construir uma cabana sobre água, com calçadas e diques, e tudo mercê de uma indústria que demandaria inteligência elevadíssima, se de inteligência dependesse. O essencial, portanto, fora provar essa independência e foi isso o que fez F. Cuvier. Tomou castores muito novos, educados longe de seus pares e, por conseguinte, nada havendo com eles ou deles aprendido. Esses castores, assim isolados, solitários, postos numa jaula expressamente destinada à experiência e de forma a dispensá-los do seu trabalho peculiar construtivo, não se forraram de o realizar, impelidos por uma força maquinal cega, ou seja um puro instinto. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

964. A mais completa antítese separa o instinto da inteligência. No instinto tudo é cego, necessário, invariável; na inteligência é tudo elevado, condicional, modificável. O castor que constrói uma cabana, o pássaro que constrói um ninho, só o fazem por instinto. O cão e o cavalo, que chegam a compreender o sentido de algumas palavras e nos obedecem, o fazem por inteligência.(Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

965. No instinto é tudo inato: o castor constrói sem haver aprendido. Dir-se-ia que o faz por uma fatalidade, dirigido por uma força constante e incoercível. Na inteligência é tudo o resultado da experiência e da instrução: o cão obedece quando ensinado. E aí tudo é livre, o cão obedece porque quer.(Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

966. Finalmente, tudo no instinto é particular; essa indústria admirável que o castor utiliza no construir a cabana não pode ele utilizá-la senão com esse fim; ao passo que, na inteligência, tudo se generaliza, de vez que essa mesma maleabilidade de atenção e de concepção do cavalo e do cachorro pode aproveitar-lhes para fazer coisas diversas. Distinção que se impunha, esta. Na história da Natureza importa reconhecer em cada qual o que lhe pertence e exatamente o que lhe pertence, sem restrição sistemática, sem prevenção tendenciosa. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

967. Descartes e Buffon (este contraditório, às vezes) negam aos animais qualquer partícula de inteligência. Condilac e G. Leroy, ao contrário, chegam a conceder-lhes operações intelectuais das mais elevadas. É um erro duplo. Os animais não são plantas nem são homens. Weinband não tem razão em pretender que isso que designamos como instinto não passa de “indolência do espírito para forrar-se aos penosos esforços que o estado da alma animal reclama”. Não na tem, tampouco, Sachus, quando adita que “não há necessidade imediata, resultante da organização intelectual, nem pendores cegos e arbitrários que impulsem os animais”. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

968. Não hesitamos em reconhecer que esta questão, como todos os grandes problemas da Natureza, é difícil de resolver. Pensamos que, no seu estudo, como de resto em outras questões sucede, o homem se tem pago mais com palavras que com ideias. Quando não se compreende o ato inteligente de um animal, é comum forrar-se ao embaraço, utilizando a palavra instinto, assim como um véu lançado ao objeto que se quer examinar; mas, à parte este processo ilusório, restam fatos que não são certamente resultado de reflexão, nem de julgamento. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

969. Em vão o Sr. Darwin, e com ele Lamarck, afirmam que o instinto é um hábito hereditário. Essa explicação não transfere o instinto aos domínios da inteligência e, ainda menos, aos domínios do materialismo puro. Tampouco está demonstrado seja o instinto um hábito hereditário. Consideremos essas borboletas que vivem no ar e que, chegando à terceira fase da sua maravilhosa existência, entreabrem-se aos beijos da luz e aos eflúvios do amor. Presto, depositarão em círculos concêntricos minúsculos ovos brancos, sobre talos ou folhas. Esses ovos não vingarão antes da próxima estação, quando surgem as pequenas lagartas, e isso depois de transcorridos muitos dias, quando as borboletas já dormem na poeira o sono da morte. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

970. Que voz teria ensinado a estas novas borboletas que as futuras lagartas, ao desovarem, hão de encontrar tal ou tal alimentação? Quem lhes aponta os talos e folhas em que hajam de depositar seus ovos? Os pais? Mas, se os não conhecem? Será, então, das folhas e talos que lhes advém a memória? Que memória, porém, se elas viveram três existências após essa época longínqua e substituíram os alimentos inferiores pelo manjar delicado das corolas olentes? (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

971. Eis aqui espécies outras que protestam, ainda mais vivamente, contra as explicações humanas. Os necróforos (nome lúgubre) morrem imediatamente após a postura e as gerações jamais se conhecem. Nenhum ser desta espécie viu mãe nem verá filhos e, contudo, as mães têm grande cuidado em dispor cadáveres ao lado dos ovos, para que aos filhos não falte alimento logo ao nascer. Em que parte aprenderam esses necróforos que os seus ovos contêm germe de insetos que em tudo se lhes semelham? (Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

972. Há outras espécies nas quais o regime alimentar é inteiramente oposto, para a larva e para o inseto. Nos pompilídeos as mães são herbívoras e os filhos carnívoros. Em fazerem a postura sobre cadáveres, contrariam os próprios hábitos. E aqui não colhe admitir o acaso, nem hábito lentamente adquirido. Qualquer espécie que aberrasse desta lei não poderia subsistir, visto que os rebentos morreriam de fome logo após o nascimento. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

973. A estes insetos podemos juntar os odíneros e os sphex. As larvas destes últimos são carnívoras e o ninho precisa ser provido de carne fresca. Para preencher essa condição, a fêmea que vai desovar busca uma presa convinhável, tendo o cuidado de não a matar, limitando-se a feri-la de paralisia irremediável. Coloca, depois, sobre cada ovo um certo número desses enfermos incapazes de se defenderem da larva que os há de devorar, mas com vida bastante para que o corpo não se corrompa. Em algumas famílias acresce o cuidado pela alimentação da presa, até à eclosão da larva.(Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

974. Nossos elementos de argumentação, neste particular, são tão numerosos que impossível seria reuni-los todos. Limitamo-nos, assim, a citar alguns exemplos, convidando o leitor a tirar da letra o espírito. Entre estes exemplos, incluamos o da abelha xilófaga, com a qual o Sr. Milne Edwards entreteve recentemente, na Sorbonne, a curiosidade dos seus ouvintes. Essa abelha que vemos adejar na Primavera, que vive solitária e pouco sobrevive à postura, não viu jamais os genitores e não viverá o tempo suficiente para assistir ao nascimento das pequeninas larvas vermiformes, desprovidas de patas e incapazes, não só de se protegerem, como de angariar alimento. E contudo, elas precisam permanecer em repouso cerca de um ano, numa habitação bem fechada, sob pena de extinguir-se a espécie. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

975. Como, então, supor que a abelha gestante, antes de pôr o primeiro ovo, tenha podido adivinhar as necessidades da prole futura e o que deve fazer para assegurar-lhe o bem-estar? Tivesse ela em partilha a inteligência humana, e nada soubera a tal respeito, visto que todo o raciocínio requer premissas. Este inseto, que nada pôde aprender, tudo prepara e opera sem hesitação, como se o futuro lhe estivera devassado e uma previdência racional a norteasse. Apenas lhe despontam as asas e logo a xilófaga trata de preparar a casa dos filhos. (Deus na Natureza – Quarta Parte.Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

976. Com as mandíbulas, broca um tronco de madeira exposto ao Sol, escava uma longa galeria e vai depois buscar, longe, no pólen das flores, o néctar açucarado. É o cibo do recém-nascido e que lhe há de bastar, o “quantum satis”, para bem-viver até à Primavera próxima. Uma vez provida a despensa, aí deposita o ovo e ei-la amalgamando com terra a serragem prudentemente guardada e fazendo uma como argamassa, de maneira que o leito dessa primeira cela se transforme em teto de uma segunda despensa e berço da larva a nascer de outro ovo. Assim se constrói um edifício de alguns andares, no qual cada alojamento recolhe um ovo e servirá, mais tarde, à larva desse ovo. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

977. Sobre o assunto declarou o Sr. Edwards:

“Admira como diante de fatos tão significativos e numerosos ainda haja quem nos venha dizer que todas as maravilhas da Natureza não passam de obras do acaso ou, então, de consequências das propriedades gerais da matéria; desta Natureza que faz a substância da pedra como da madeira e que os instintos da abelha, assim como as mais altas expressões da genialidade humana, não são mais que resultados de um jogo de forças físicas ou químicas, as mesmas que determinam o congelamento da água, a combustão do carvão e a queda dos corpos... Essas hipóteses balofas, ou melhor, essas aberrações do espírito, que se mascaram, às vezes, com o nome de ciência positiva, só podem ser repelidas pela verdadeira Ciência. O naturalista não poderia acreditá-lo.

“Por pouco que penetremos num desses obscuros redutos onde se esconde o débil inseto, nele ouvimos distintamente a voz da Providência ditando às criaturas a sua conduta diária.” (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

978. Em todas as províncias da vida – acrescentamos nós – a mão do Criador inteligente e previdente se revela aos olhos que sabem verdadeiramente ver. E sempre que a dúvida nos perturbe, nada melhor se nos impõe que o estudo acurado da Natureza, porquanto todos os que tiverem consigo o sentimento do belo e verdadeiro, ante o espetáculo maravilhoso da Criação, logo terão dissipadas as nuvens qual floração de luz. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.)

979. Enquanto traço estas linhas, aqui, dentro de pequeno bosque cujas aves me conhecem, tenho defronte um ninho de rouxinóis. Quatro filhotes implumes, trêmulos, ali se premem tão conchegados que mal se lhes distingue as cabeças volumosas, relativamente, e os olhos negros, ainda mais. Nascidos de anteontem, nada veem, nada sabem ainda, se há arvoredos e luz. Se fossem abandonados assim, não tardariam a perecer. O coração dos genitores, porém, freme por eles em anseios verdadeiramente maternos. Eles lá estão, ambos, pai e mãe, à borda do ninho e conchegados também. Enfiam o bico nos quatro biquinhos escancarados e é de notar a força que lhes sustenta e alonga os pescocitos. Pai e mãe, trazendo-lhes no papo a provisão, ministram-lhes dessarte, durante alguns minutos, os primeiros alimentos, o mel e o leite que os há de nutrir no futuro. (Deus na Natureza – Quarta Parte. Plano da Natureza – Instinto e Inteligência.) (Continua no próximo número.)



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita