Estudando as obras
de Manoel Philomeno
de Miranda

por Thiago Bernardes

 
Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos

Parte 5

 
Damos continuidade ao estudo metódico e sequencial do livro Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos, obra de autoria de Manoel Philomeno de Miranda, psicografada por Divaldo Franco no ano de 2008.


Questões preliminares


A. O preconceito contra os afrodescendentes era frequente na época em que viveu o dr. Juliano Moreira, médico psiquiatra, fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil?

Sim. Na palestra mencionada nesta obra ele próprio lembra o fato. O mulato, o mestiço, o afrodescendente em geral eram tidos, então, como seres inferiores, e até haviam sido levantadas teses nesse sentido. Esse comportamento, que é inadmissível e absolutamente inaceitável, aconteceu também em relação a ele, tanto no Brasil como no exterior. (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)

B. Dr. Juliano, agora no plano espiritual, também professa o entendimento de que não existem doenças, mas, sim, doentes?

Sim. Não existem doenças, mas doentes. É o ser, em si mesmo, que traz os fatores predisponentes e preponderantes para as enfermidades, de todo e qualquer porte, não apenas as de natureza psicótica, em razão dos conflitos e desajustes que se permitiu em existências transatas. (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)

C. Quando estava reencarnado como psiquiatra de renome, dr. Juliano Moreira aceitava as ideias espíritas?

Não. Em verdade, ele se tornara adversário do Espiritismo e dos médiuns, considerando o primeiro como um dos fatores que desencadeiam a loucura e os segundos como nevropatas, generalizando-os e confundindo-os. Partilhava então o preconceito vigente e a leviandade de opinar em torno do que nunca pudera investigar com a seriedade necessária, em um comportamento, portanto, anticientífico. (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)


Texto para leitura


49. Dr. Juliano Moreira(1) fez uma pausa, para melhor concatenar as ideias, no imenso arquipélago das recordações, e com simplicidade, explicitou: “Transferindo-me para a cidade do Rio de Janeiro, dediquei-me ao atendimento dos pacientes mentais, no Hospício Nacional de Alienados ou Hospital Dom Pedro II, podendo melhor estudar-lhes o comportamento, as reações afetivas, as ansiedades e incertezas e o grave problema da falência mental... Participando de congressos nacionais e internacionais, procurei oferecer a contribuição das experiências de amor aos enfermos, da convivência fraternal, da compaixão e da assistência moral, escrevendo obras e publicações diversas que não deixaram de ter repercussão considerável para os padrões da época. O preconceito, no entanto, em relação ao mulato era tão expressivo, que me recordo de um momento hilariante, quando convidado a participar de um congresso internacional de Psiquiatria, e chegando ao local, o porteiro, muito gentilmente barrou-me a entrada, por não ser factível a presença de um negro em evento de tal magnitude... Compreendendo-lhe os cuidados e a obediência as instruções que certamente lhe haviam sido apresentadas, expliquei-lhe quem eu era e a condição em que me encontrava, apontando-lhe uma cadeira na sala, na qual eu me sentaria, a fim de presidir o congresso, o que muito o embaraçou, logo apresentando escusas...” (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)

50. Em sua fala, dr. Juliano disse que o afrodescendente, o mulato, o mestiço eram tidos como inferiores, e teses haviam sido levantadas, no sentido de confirmá-lo sob os aspectos antropológico, morfológico e mental. E prosseguiu: “Confesso que, de forma alguma, senti-me molestado ou indisposto com esse comportamento, que mais de uma vez acontecera em relação a mim, tanto no Brasil como no exterior... A Divindade premiara-me com a ditosa oportunidade de aprender a conviver com os desafios pessoais e as injunções disso decorrentes, a fim de melhor entender a incompreensão que sempre acompanhava, e ainda acompanha o paciente mental... Felizmente, quando o anjo da morte convidou-me de retorno ao Grande Lar, a visão em torno dos problemas da loucura já era bem mais ampla e compassiva, através dos tempos os recursos médicos tornaram-se mais humanos e as terapias dignificantes, enquanto os antigos e sombrios manicômios cediam lugar aos nosocômios, aos hospitais psiquiátricos, às clínicas de saúde mental, e sucessivamente... Hodiernamente, a situação é muito mais progressista, quando se insurgem homens e mulheres de escol para profligar contra os internamentos de pacientes que podem ser tratados em ambulatórios ou apenas passarem o dia na clínica, convivendo com a sociedade a que pertencem, livres da cruel discriminação que perdurou por tantos séculos”. (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)

51. O ilustre palestrante acrescentou: “Vêm-se esbatendo as sombras da ignorância, e, graças aos avanços das ciências psicológicas e psiquiátricas, amparadas pelas neurociências, chega-se, por fim, à conclusão de que não existem doenças, mas sim, doentes. É o ser, em si mesmo, o espírito, que traz os fatores predisponentes e preponderantes para as enfermidades, aliás, de todo e qualquer porte, não apenas as de natureza psicótica, em razão dos conflitos e desajustes que se permitiu em existências transatas. Felizmente, como contribuição valiosa, o Espiritismo dignificou o ser eterno, nele situando as causas das aflições de todo jaez, nele também encontrando-se os recursos preservadores da saúde, assim como da sua recuperação. Recordo-me, envergonhado, que na minha postura de psiquiatra, no passado, tornei-me um adversário do Espiritismo e dos médiuns, considerando o primeiro como um dos fatores que desencadeiam a loucura e os segundos como nevropatas, generalizando-os e confundindo-os. Era o preconceito então vigente e a leviandade de opinar em torno do que nunca pudera investigar com a seriedade necessária, em comportamento, portanto, anticientífico...” (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)

52. Após breve pausa, o palestrante concluiu: “A cada dia, mais amplo elenco de identificação dessas secreções neuronais faculta entender-se melhor o milagre da vida, especialmente a humana, avançando-se no rumo da Medicina Holística, da Medicina Quântica, da Medicina Espiritual. É claro que as conquistas encontram-se apenas no seu início, porquanto as avenidas da investigação a perlustrar são muitas e imensas. Nada obstante, haver-se chegado a essas conclusões modernas já nos permite antever o dia em que o paciente mental, o portador de câncer, de AIDS, de sífilis, de tuberculose, de hanseníase, de disfunções cardiovasculares, da síndrome de Parkinson e do mal de Alzheimer, poderão respirar o oxigênio saudável da esperança, conscientes de que neles mesmos se encontram as causas geradoras das enfermidades, trabalhando-se e renovando-se, a fim de reconquistarem a saúde... Anelo pelo ensejo de retornar ao corpo carnal, em oportunidade vindoura, a fim de prosseguir contribuindo em favor dos espíritos sofredores, na condição de médico e de irmão, de forma a ajuda-los na aquisição da saúde fisiológica e psicológica, mas sobretudo, espiritual, na qual estão as raízes dos padecimentos de toda natureza. Preparo-me, portanto, nestes páramos espirituais abençoados, estudando e convivendo com nobres mestres da Medicina do passado que volverão ao planeta no futuro, a fim de equipar-me de recursos hábeis para o desempenho da tarefa em delineamento”. (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)

53. Encerrada a palestra, José Petitinga indagou ao ilustre psiquiatra como via ele as obsessões, nessa paisagem das alienações mentais. Dr. Juliano Moreira não se fez de rogado, logo respondendo: “Não posso negar que um conforto moral esplêndido me tomou de todo, quando, após desencarnar, pude constatar a interferência dos espíritos no comportamento humano, esclarecendo-me em profundidade as questões pertinentes às personalidades múltiplas, à esquizofrenia, ao autismo, à idiotia e a tantos outros transtornos mentais e de humor. Embora não professasse nenhum culto religioso específico, enquanto no corpo físico, um sentimento de respeito ao Criador e à vida sempre esteve presente no meu mundo interior. À semelhança de Albert Einstein, a quem tive a honra de receber e assessorar, em 1925, quando da sua visita ao Brasil, e me encontrava presidindo a Academia de Ciências, eu sentia que a Ciência, para ser completa, não pode prescindir da Religião, tanto quanto esta não pode desempenhar o seu papel com sabedoria e plenitude sem a cooperação daquela. Entretanto, ignorava completamente as parasitoses de natureza espiritual, apesar do convívio com grande número delas”.(Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)

54. Dando prosseguimento à sua resposta, disse ele: “Não desconhecia as experiências de Charcot, utilizando-se da hipnose nas suas célebres aulas na Salpetrière, em Paris, nem as de Babinski, quando ambos se defrontaram com fenômenos paranormais, que não se interessaram em aprofundar, mas seguiam vinculados aos contributos dos eminentes psiquiatras da época, totalmente materialistas. Igualmente, houvera ampliado os meus conhecimentos psiquiátricos com eminentes mestres entre os quais Leyden, Vonkrafftebing, Jolly, Nothnagel, absorvendo as teses materialistas em que se apoiavam... Nas minhas reflexões, por mais que tentasse, não podia compreender o caos gerando a ordem e o nada produzindo tudo, embora filiado ao materialismo mecanicista... No entanto, rejeitava a tese do conceito bíblico sobre a Criação, conforme o Gênesis, na sua formulação literal, em que o Universo fora arrancado das trevas predominantes e das águas, o que já significavam efeitos de algo preexistente... Estudando o cérebro humano, sempre me fascinava com os seus hemisférios unidos pelo corpo caloso(2) e as inextricáveis circunvoluções onde se encontram fixados os sentimentos, a memória, os movimentos, a consciência, o discernimento, todo o mecanismo acionador do organismo, da emoção e da mente, invisíveis a olho nu e até mesmo aos microscópios de então”. (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.)

55. Na sequência, dr. Juliano Moreira asseverou: “Compreendendo, um pouco, as neurocomunicações, não podia aceitar que fossem apenas o resultado de um fluxo e de um impulso momentâneo, tudo harmonizando e alcançando um patamar de extraordinária perfeição. Assim, pois, raciocinando, atinha-me aos conceitos do Transformismo(3)como os do Evolucionismo(4), que me pareciam mais compatíveis com a lógica e de fácil demonstração mediante os estudos dos fósseis. A obra de Charles Darwin e as suas investigações fascinaram-me, como ocorreu a quase todos que lhes tomaram conhecimento. Nada obstante, nascido e criado na cidade do Salvador, onde proliferavam os cultos africanistas, confesso que os fenômenos do animismo religioso chamavam-me a atenção, especialmente na prática dos cultos e rituais propiciatórios à saúde, realizados pelos seus aficionados. É claro que, analisando-os, chegava sempre à conclusão de serem frutos da autossugestão, da crendice, numa função placebo. Entretanto, os transes profundos que tive ocasião de observar fugiam completamente a esses conceitos, em particular, quando os sensitivos assumiam personalidades estranhas, com total modificação fisiológica, psicológica, avançada percepção extrassensorial, ingestão de substâncias alcoólicas em exagero, alimentação inadequada, sem qualquer prejuízo orgânico, quando de retorno à consciência objetiva”. (Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. Capítulo 2: Convivência saudável.) (Continua no próximo número.)

 
 

(1) Dr. Juliano Moreira, natural de Salvador (BA), faleceu no dia 2 de maio de 1933, aos 60 anos de idade. Além de conceituado médico psiquiatra, é considerado o fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil.

(2) Corpo caloso (Anat.): estrutura mediana do encéfalo constituída de fibras nervosas que reúnem os dois hemisférios cerebrais. Mesolobo.

(3) Transformismo: teoria que explica a formação das rochas magmáticas por atividades metamórficas. Atividade de transformista.

(4) Evolucionismo: qualquer teoria que explique a evolução das espécies ao longo do tempo. Conjunto de doutrinas (Spencer, Bergson) que considera a concepção filosófica evolucionista o desenvolvimento inevitável do real em direção a estados mais aperfeiçoados. 

 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita