Próximo, todo e qualquer
Perdoe-me, estimado leitor, o uso de uma narrativa
pessoal, mas entendi essa como forma adequada de abordar
tão arenoso tema.
Nessas férias de 2017-2018 assisti a dois filmes na
telona, que chamaram a atenção por tratar o mesmo tema,
mas de forma diversa.
O primeiro filme, “Extraordinário” (EUA, 2017), oriundo
do livro homônimo da escritora R. J. Palacio, narra um
momento crucial da vida do jovem August, que tem seu
rosto completamente deformado por conta de uma
má-formação congênita, e que tem que enfrentar o desafio
de ir à escola aos dez anos de idade.
Inteligentíssimo, August (ou Augie), teme a escola e vê
seus medos se materializarem pela agressividade de
alguns de seus colegas pela sua condição. Mas pelo seu
exemplo e pela coragem de tantos outros, ele modifica
aquele ambiente, que passa a enxergá-lo de forma mais
gentil.
O segundo filme é “O Rei do Show” (EUA, 2017), com um
desempenho impecável de Hugh
Jackman, narra a biografia de P. T. Barnum que, de
origem humilde, ascende como produtor artístico de uma
Nova York vitoriana, utilizando-se de um show de pessoas
com características diferentes, invocando o argumento
que o show permitiria a eles serem incluídos e ainda
serem remunerados pelas chacotas que lhes causaram
sofrimento durante toda a vida.
O desejo de ver o bizarro, o diferente, olhando as
pessoas como objetos peculiares, é um mote subjacente ao
filme, nos conflitos entre a repulsa pela intolerância e
a admiração pela curiosidade, que alimenta protestos
diante do caça-níquel instalado.
Ambos os filmes, sintonizados com as discussões modernas
que tratam da inclusão, do convívio com a diversidade de
características, da questão da aceitação e da
indulgência, ocorrem em épocas diferentes, na mesma
cidade, mostrando que, passado cerca de um século, a
curiosidade e o medo continuam a ser a tônica no trato
de quem não se enquadra nos padrões estabelecidos.
A curiosidade, a busca por olhar, ver, rir e se
emocionar com o que nos é diferente é uma marca de nossa
sociedade, e isso nos faz repensar, trazendo para a
pauta espírita a nossa conduta em relação aos trabalhos
assistenciais, diante dos vulneráveis, de pessoas com
deficiência, e de que olhar exercitamos em relação a
eles.
Afinal, ali se encontra um Espírito, em uma vivência
reencarnatória, tão relevante quanto a nossa, e o
trabalho social no Espiritismo não é um turismo pelas
dores do mundo, e sim um mecanismo de intercâmbio de
amor na promoção da modificação interior destes
envolvidos.
Da mesma maneira, o medo, que conduz a violência, é uma
forma de interação que ainda persiste e que precisa ser
trabalhada, e a casa espírita não está distante dessa
discussão.
Nada justifica a violência... Nada justifica a violência
direcionada a uma pessoa pelo fato dela ser diferente em
seu corpo, na sua crença, ou na sua orientação sexual.
Não existe razão para o temor de outros que enxergam a
vida de outra forma, ou de outros que têm a aparência
diferente.
Quantas lendas para assustar crianças surgiram de nosso
medo e da incompreensão do que é diferente? Quantas
pessoas ficaram escondidas em suas casas, privadas da
escola, do ar livre, da praça, pelo fato de não termos
aprendido essa questão básica de convívio humano. E essa
discussão necessita entrar na nossa pauta!
Os filmes citados nos convidam ao exercício dessa
peculiar fraternidade, profunda, lastreada no
carpinteiro que vivia cercado do populacho, que não
olhava a aparência e sim a essência, pregando o amor ao
próximo, sem limitar esse conceito.
Aliás, Jesus, quando perguntado quem era o nosso
próximo, narrou a Parábola do Bom Samaritano, indicando
que todo aquele que necessita deve ser objeto de nossa
ajuda.
Como os habitantes que se acotovelavam para ver o show
das chamadas aberrações, como as crianças que hostilizam
o amigo de classe pela sua aparência, nos vemos
distantes do que se espera como seguidores do Cristo,
que trouxe o caminho, a verdade e a vida, mas insistimos
em não aprender, presos a subterfúgios alimentados pela
nossa própria imperfeição.