A pintura mediúnica de Florêncio Anton:
transformando arte em solidariedade
Aproveitando a passagem de Florêncio Anton pela Europa,
onde esteve recentemente proferindo palestras e
encontros, em que pôde exercitar sua faculdade na área
da pintura mediúnica, tivemos o privilégio de
conhecê-lo
e entrevistá-lo.
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Florêncio Anton e a
intérprete Silvia Gibbons na Sociedade Espírita
Francisco de Assis, em Londres |
Nossa conversa ocorreu em Londres,
capital da Inglaterra.
Num bate-papo bem descontraído, numa voz calma e com
muita responsabilidade, Florêncio contou-nos a
trajetória de sua vida desde criança até os dias de
hoje, quando se utiliza da pintura mediúnica na
divulgação dos ensinamentos espíritas.
Segundo ele, as comunicações começaram a acontecer na
sua vida quando tinha 8 anos de idade, época em que ele
ouvia vozes, via espíritos e presenciava os mais
diversos tipos de fenômenos físicos em sua casa. A
família, que na época não tinha nenhum conhecimento e,
segundo ele, nenhum traquejo em lidar com as questões
espirituais, reagiu de maneira muito ríspida, muito
limitadora e um tanto agressiva até. Na escola de
freiras, onde estudava, diziam que tudo aquilo que
acontecia era devido à aproximação do demônio, porque
ele não era batizado na Igreja Católica. Florêncio,
então, sofrendo toda forma de pressão, passou muitos
anos tentando repelir os espíritos com as costumeiras
orações católicas. ”O que antes era natural, curioso,
passou a ser amedrontador e ameaçador”, disse ele.
Numa passagem que aconteceu quando ele estava com sua
avó, que tentava acalmá-lo, por conta do agitação que
acontecia quando os espíritos se aproximavam, Florêncio
então identificou uma pessoa que havia desencarnado de
câncer naquela casa. Uma amiga de sua avó, babá de sua
mãe, veio conversar com ele, citou seu nome e tudo o que
havia acontecido com ela. Desde então passaram a lidar
com sua mediunidade como algo genuíno, e a tratá-lo de
forma mais condescendente e mais tranquila.
O primeiro contato com os livros espíritas
Numa certa ocasião, quando seus pais viajavam, Florêncio
- muito traquina e curioso que era - foi bisbilhotar no
guarda-roupa de sua mãe. Foi lá então que encontrou um
compêndio de livros, as obras básicas da doutrina
espírita. Vencido pela curiosidade e afoito pela
leitura, ele vislumbrou ali conceitos que para ele não
eram estranhos. “O livro tratava de manifestações do
espírito, da imortalidade da alma, da existência de Deus
e reencarnação”, conta-nos ele.
Foi aí então que, comentando o fato com outras pessoas,
descobriu que na sua cidade, Tobias Barreto (SE),
existia um centro espírita. Passou a frequentar a casa
na sua adolescência, já participando na ocasião de
estudos e trabalhos mediúnicos. Alguns anos depois,
quando foi morar em Salvador, por conta dos estudos,
passou a frequentar a Sociedade Espírita Leopoldo
Machado. Em certa ocasião, numa reunião de educação
mediúnica coordenada por Manuel Messias Canuto Oliveira,
foi que a história com a arte mediúnica começou.
Florêncio conta que na segunda parte da reunião viu
aproximar-se um grupo de espíritos muito diferentes,
vestidos com roupas dos séculos 17, 18 e 19. Um dos
espíritos aproximou-se dele e disse que no fundo da sala
existia um armário com giz de cera e cartazes em branco
e que precisavam daquele material para fazerem um
exercício com ele. Ele perguntou-lhes: “O que vocês
querem fazer?” Eles disseram: “Vamos pintar por seu
intermédio”. Florêncio riu – ele diz que sempre teve
muita Liberdade com os espíritos – e disse que não sabia
desenhar coisa alguma. Os espírito respondeu então que a
função dele era fechar os olhos e se colocar em oração,
que eles fariam o resto. Depois de entrar em transe e
ter as mais diversas sensações, físicas e emocionais,
Florêncio então “acordou” e viu, de fato, os cartazes
pintados com uma qualidade muito boa, para surpresa de
Florêncio e de todos. Essa mesma experiência se repetiu
por algumas semanas com sucesso, até que os espíritos
começaram a solicitar outros tipos de materiais.
Conta Florêncio, sorrindo: “Solicitaram pastel, e eu
muito desconfiado. Porque pastel no Brasil é uma coisa
que se come, aquela massa com recheio. Eu perguntei:
onde já se viu pintar com pastel? Mas, quando fomos à
loja, pastel era aquele pigmento prensado com óleo de
linhaça. E disse: Olha, que coisa interessante!”.
A partir daí os exercícios continuaram a acontecer e no
final de sete meses os grandes pintores foram-se
aproximando. O primeiro quadro que recebeu dos mestres
conhecidos foi de Renoir, seguido de Henri de
Toulouse-Lautrec, Vincent van Gogh, Edouard Manet.
“Estes foram os quatro espíritos que treinaram o meu
psiquismo para a mediunidade pública de pintura”,
esclareceu Florêncio.
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Florêncio Anton e a obra de
Cândido Portinari |
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Florêncio Anton e a obra de Picasso |
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Florêncio Anton e a obra de Van Gogh |
Quando começaram as viagens ao exterior
Até o ano de 1999, Florêncio apenas fazia viagens a
pequenas cidades do interior baiano. Foi então a partir
desse ano, com a fundação do Grupo Espírita Sheila, que
os convites para viagens ao exterior começaram a
acontecer. “Hoje – informa ele – podemos dizer que já
visitamos quase todos os países deste continente levando
a mensagem espírita através da pintura mediúnica.”
Florêncio já produziu mais de 36 mil telas, executadas
das mais diversas formas, por um grupo de 110 pintores
desencarnados. A esse respeito, ele esclarece: “Acho
importante deixar claro que o grande escopo deste
trabalho não é apresentação de números ou de peripécias
psíquicas, mas de abertura de espaço para a reflexão
sobre a imortalidade da alma. Como eu sou espírita, eu
me utilizo desta fenomenologia como uma alavanca de
divulgação de princípios que acredito serem de
excelência para a ressignificação do paradigma
materialista que viceja na sociedade nos dias de hoje e
que é responsável por muita infelicidade humana”.
Florêncio acredita que o Espiritismo tem verdadeiramente
esta função: destruir o paradigma materialista e
disseminar possibilidades de admissão de outro
paradigma, o espiritual, em que o homem pense e se
perceba espírito vivendo uma experiência transitória de
aprendizagem por sobre a Terra.
Quando se prepara para uma sessão em que serão obtidas
novas pinturas, Florêncio não tem conhecimento prévio do
que vai acontecer. Diz ele que não pode nem mesmo
garantir que os espíritos irão pintar. “Porque sabemos –
acrescenta ele – que o médium não detém poder sobre a
vontade dos espíritos. Então eu estou diante das pessoas
e assumo o compromisso com muita boa vontade, de coração
aberto e na esperança de que o fenômeno possa
acontecer.”
Diz ele que chega ao local com a mesma expectativa das
pessoas que lá estão. “Não sei a sequência ou quantos
espíritos aparecerão. Sei o número de telas em branco
que temos disponíveis, que poderão ser pintadas ou não.
Só quando volto do transe é que vejo os quadros que
foram pintados. O que acontece normalmente é que o
primeiro quadro é de Renoir ou de Berthe Morisot, que
são os coordenadores espirituais da equipe. Eles começam
e harmonizam meu campo psíquico; depois se aproximam os
outros escalados para o trabalho. Nem sempre são os
mesmos pintores, mas os impressionistas franceses têm-se
ocupado mais das atividades públicas, das formas mais
inusitadas, com as duas mãos ao mesmo tempo, com os
pés, com a pouca utilização dos pincéis, com a não
mistura das cores, com pano, com algodão, com cotovelo…
rompendo todas as barreiras acadêmicas de pintar, sempre
promovendo este espaço reflexivo em torno da
imortalidade da alma.”
Para onde vão os recursos obtidos
Nessa trajetória, Florêncio diz que já aconteceram
situações em que as telas foram pintadas em completa
obscuridade, com filmagens com câmera infravermelha.
“Isto também para convencer a mim sobre a veracidade do
fenômeno, porque eu tenho uma mente cientista e estou
construindo uma carreira acadêmica, e obviamente eu não
quero, como uma pessoa responsável, como uma pessoa
séria, vender um falso positivo. E por isso mesmo os
espíritos sempre trataram de me oferecer provas e
evidências muito fortes de suapresença
ao meu lado.”
Toda a renda decorrente da venda das telas reverte em
benefício do Grupo Espírita Sheila, que atende hoje 85
crianças e um total de 46 famílias. O foco do trabalho
social do grupo Sheila é a educação. Ao longo dos anos
são oferecidos projetos nas áreas de música, artes,
escrita etc. “É um projeto que eu penso seja inovador e
o da construção do homem de bem” – explica Florêncio.
“Nós trabalhamos valores cristãos com o conhecimento
espírita, respeitando as crenças das crianças oriundas
de diferentes religiões. O nosso maior objetivo mesmo é
o desenvolvimento de valores de solidariedade e amor ao
próximo.”
Paralelo a esse, existe também o projeto “Meu Lar”, se
dedica à construção total ou reforma de casas. A
instituição oferece ainda bolsa de estudos para os
afilhados que chegaram ao nível universitário. Todo esse
trabalho se mantém graças às pinturas e à dedicação dos
pintores desencarnados.