Avós: tempus
fugit
Mãe, amanhã você vai trabalhar?
Sim, meu querido.
E com quem ficaremos?
Com sua avó, claro!
Diferente de ontem, quando possuíam um papel periférico
na infância de seus netos, muitos avós hoje assumem de
modo assíduo o cuidado com os netos e, por isso, estão
em todas as partes: nas portarias dos colégios, nos
consultórios dos pediatras, nas antessalas dos
dentistas, nas conversas com as psicólogas, nos
shoppings empurrando carrinhos de bebês…
Colaborar com o cuidado dos netos é um elemento
importante para a velhice, mas desde que exija dos avós
uma quantidade moderada de empenho, pois do contrário o
estresse e a ansiedade roubarão o lugar da saúde
indispensável à velhice. Além disso, avós não têm
energia para vigiar e educar constantemente uma criança
pequena. Muitos sofrem também ao assumir os netos em
conformidade com o péssimo modo terceirizado contemporâneo.
Pois muitos pais hoje em dia fazem dos avós babás,
motoristas ou cuidadores de finais de semana de seus
filhos.
A ideia não é coibir a ajuda episódicaque a filha
(advogada) solicita à mãe para cuidar da meninazinha de
dois anos – e que ainda não frequenta o jardim de
infância. Mas é preciso lembrar que os avós não são
substitutos dos pais, e são os pais que devem marcar as
pautas educativas de seus filhos, reservando espaço e
tempo para estar com eles desde pequenos.
Em certas situações, os avós necessitam sinalizar
limites aos filhos, pois o avô ou a avó não pode
renunciar à própria vida para que os filhos tenham, por
exemplo, vida social, frequentem academia ou saiam de
viagem no fim de semana para desfrutar o ócio. Os avós
já criaram os próprios filhos e por isso os pais podem
recordar sempre: avós são avós, pais são pais, e cada um
tem que assumir, frente à criança, o papel
correspondente.
Um dos livros que mais me toca o coração (e eu o releio
sempre) é a novela autobiográfica de Charles Bertin – Un
Jardín en Brujas – narrativa que alude à infância do
autor marcada com vivacidade pela presença da avó
Thérèse-Augustine, uma “pequena dama” sempre ávida por
aprender, ela quem arrasta, o pequeno Charles, aos
imensos territórios do saber, afirmando-se uma cúmplice
das primeiras leituras e ótima companheira de aventuras.
No decorrer do precioso livro, o escritor confessa: “desde
que abandonaste el mundo de los hombres, tu memoria ha
continuado brillando em mi alma como uma estrela.” *
Uma das coisas que mais me encantava em minha vida de
infância era passar o dia na fazenda dos meus avós
maternos. Quando eu chegava, uma sucessão de lições
sensíveis e atos felizes: andar a cavalo com meu avô,
brincar com os filhotes dos carneiros, entender mais
sobre árvores e jardinagem; depois do almoço, a piazada e
minha avó a bater bolo na cozinha, colher hortelã na
horta, brincar no riozinho sem hora, e depois, todo
mundo quieto na varanda, e para ouvir histórias, nossas
almas abastecidas…
Possibilitar momentos de puro afeto e larga sabedoria –
não será isso que manifesta, ainda em nossa época, a
natureza única dos avós?
Notinhas
Tempus fugit é
uma expressão latina que significa “o tempo foge” (às
vezes aparece “o tempo voa”).
Piazada é
expressão coloquial sulista que significa “grupo de
meninos” (grupo de crianças).
No Brasil, México, Espanha etc., muitos filhos de pais
divorciados ou de pais trabalhadores estão cada vez mais
sob os cuidados diários dos avós – muitas crianças
diariamente dividem o tempo entre escola e avós, o que
define, infelizmente, uma rarefeita convivência com os
pais (pais noturnos ou pais de fim de semana).
Nos Estados Unidos, estudos recentes apontam que mais de
três milhões de filhos de pais divorciados,
trabalhadores ou adictos são criados pelos avós. Na
velhice, assumir a educação dos netos é atividade
onerosa, que perpetua ansiedade, preocupação e estresse,
o que prejudica a saúde dos avós. Com exceção das
situações de doença, pobreza ou morte dos genitores, é
importante cada qual em uma família ampliada assumir o
seu justo papel. Em termos simples: pai é pai e avô é
avô... E cada um deve agir conforme o combinado para
evitar conflitos.
*Cf. Bertin, Charles. Un jardin en Brujas. Traducción
Vanessa G. Cazorla, Madrid: Errata Naturae, 2015, p.143
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