Joias da poesia
contemporânea

Espírito: Maria Dolores

 
A jovem atriz

 
Sala de sanatório. Ampla secretaria.

A jovem funcionária de plantão

Ouve dois cavalheiros da chefia,

Diretores da casa,

Ambos em franca zombaria,

De verbo destilando espinho, lama e brasa,

Criticando uma atriz,

Notada pelos dois de maneira infeliz;

Uma atriz que atuava em peça fescenina,

Mulher quase menina

Que haviam ido ver na noite precedente.

Nisso, entra na sala

Uma pálida moça,

Pobremente vestida,

Revelando no todo a existência sofrida…

 

A todos cumprimenta gentilmente.

Em seguida,

Procura ouvir a funcionária em frente

E pergunta:

— Como passa meu pai na cela de internado?

Responde a outra, lado a lado:

— Vai melhor mas precisa de cuidado…

A recém-vinda exalta a gratidão,

Demonstra o amor filial que traz no coração

E erguendo a velha bolsa agora,

Continua dizendo:

— Vim pedir à senhora

A conta deste mês…

A outra estuda as notas que se fez,

Investiga papéis, extrai assentos

E diz, após somar frações e números inteiros:

— O preço, no total, é nove mil cruzeiros.

A menina abre a bolsa,

Preenche um cheque, decisiva e pronta,

E imediatamente paga a conta.

 

Os chefes aproximam-se mostrando,

Apreço, cortesia e, por sinal,

Eis que um deles indaga:

— Senhorita,

Seu pai há muito tempo é um doente mental?

— Há seis anos, senhor, vivo eu em ação

Para trazê-lo à recuperação.

Aproveitando a pausa, o outro diretor

Comentou sem piedade:

— A mulher alterou-se, minha filha,

E a demência alcançou a Humanidade.

Inda agora, falávamos aqui

De uma peça que eu vi

No teatro que temos nesta rua…

Chama-se a peça: “A Nova Maravilha”,

Onde uma jovem quase nua,

Mais animal que um ser humano,

A contorcer-se num bailado insano,

Cria tantos convites indecentes

Que, a meu ver,

Põe louco qualquer homem neste mundo…

Seu pai decerto viu alguma cousa destas.

Os homens, hoje em dia,

Na mais simples das festas,

Acham loucas assim

E adoecem, por fim,

Neuróticos, cansados, infelizes,

Principalmente olhando essas atrizes.

Essa atriz que vi ontem,

Aplaudida por loucas e marmanjos,

Age em cena

De modo a enlouquecer os próprios anjos,

E ninguém a demite, nem condena…

 

Porque a menina generosa e humilde

Ali se enternecesse e emocionasse,

Entremostrando lágrimas na face,

O severo censor fez pausa e perguntou:

— Acaso a senhorita

Chegou a ver a peça?

E terá, porventura, aplaudido uma loucura dessa?

Mas a jovem tristonha replicou:

— Senhor,

Não menospreze tanto a minha dor!

Trabalho no teatro honestamente

Para manter aqui meu pai velho e doente…

E em choro convulsivo, esclareceu:

— Essa atriz de que fala… Essa jovem sou eu…

 

Do livro Momentos de Ouro, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
 

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita